Livro: Meu Torrão pag4

Livro Digital: Meu Torrão - Pág. 4




Foto dos irmãos em 1949


Meus Caminhos


Meus caminhos de menino
Retidos na memória tenho;
Vindo de Sapé pelo Junco
Todos levavam ao Engenho.

Se por João Xixi seguia
Por Pedras Altas passava,
Antigo engenho ali havia
Do meu Padrinho lembrava.

Por Sobrado um belo riacho surgia,
Meus pés descalços e de lama sujos
Nas águas claras imergia.

As matas não mais existem agora
Os caminhos, melhorados, são os mesmos,
Porém, sem aquele sabor de outrora.
05.10.1987


O búzio


O búzio na noite invernosa ecoava
Ou mesmo durante o dia,
Objetivo de um aviso
Oportuno e que prevenia.

Oriundo de Rio acima
O que aquele som noticia?
Ouvindo-o, então todos sabiam
Ondeante não tarda grande cheia.

O caboclo, à margem, para
Olhar a “cabeça d'água” chegava;
Outros às pressas retiram o cavalo
Ou a ovelha que no Gurinhém pastava.

Obedecendo a este costume
Originado em tempos, remotos
O seu búzio buscando, também
Oferece Rio abaixo seus préstimos.
25.07.1988


Minha Pitombeira


Majestosa a beira do Rio.
Do Gurinhém, nas ribanceiras,
Curvando-se ao vento arrelio
A mais bela das pitombeiras.

À sua sombra olhando as águas,
Do sol ardente ela abrigava
O viajante que das estradas
Para o descanso ali parava.

Um menino de calças curtas
Do grosso tronco a procurar
Entre as folhas as doces frutas,
Sobe nos galhos para tirar.

E lá no cimo se escondiam
Belos cachos em galho terno
Onde lá chegar todos temiam,
Não o menino de peso ameno.

E quando lá no alto colhia
Um forte vento o açoitava,
Era gostosa a ventania
Para Sobrado ele olhava.

O tempo passa e um triste dia
Volta o ex-menino lá na ribeira,
Oh! que amargura pelo que via...
Cortada em toros sua Pitombeira.
15.07.1985


Cafundó


Vejo sombras negras
encobrindo teu sol
E traços maléficos
Riscando o azul do teu céu.

Sinto a perca de identidade
ameaçando o teu passado
E pés malditos profanando
teu solo querido.

Ah! Cafundó...

O Gurinhém corre em minhas artérias
Meus ossos são parte do teu solo
Teu verde são minhas esperanças
Meus sentimentos vagueiam em teus ares
Sou um pedaço de ti.
05.07.1998


Engenho Cafundó


Oh! Meu Deus...


Hoje, tanto tempo passado,
Deste mesmo alpendre
Da Casa Grande querida,
Quando já meus cabelos prateiam,
Relembro saudoso a minha infância.

E grita dentro de mim
Uma insatisfação ferrenha:
Por que cresci, Oh! meu Deus
Oh! meu Deus, prá que cresci...

Melhor seria que o tempo
Para mim ali tivesse parado,
Que minhas últimas visões
Fossem aquelas da bagaceira.

Que meus derradeiros banhos
Tivessem sido aqueles do Gurinhém
E partido houvesse eu
Antes da minha Pitombeira.

E grita dentro de mim
Uma agonia voraz:
Por que cresci, Oh! meu Deus
Oh! meu Deus, prá que cresci...

Parece que sinto ainda
O perfume daquela roseira
Que deste alpendre olhava,
Ou o odor do bagaço da cana
Das noites de verão.

De que serviram-me, então,
Milhares de dias a mais?
Encheram-me de melancolia,
De angústia cortaram-me a alma
E tiraram estrelas do
Meu céu de criança.

E grita dentro de mim
Uma tristeza infinda:
Por que cresci, Oh! meu Deus
Oh! meu Deus, prá que cresci...

A todo custo tento
Retroceder àquele passado,
Mantendo de pé estas paredes.
Mas, há um silêncio destruidor.

As vozes foram pouco a pouco
Perdendo o eco no tempo,
A do meu Pai marcou o início
Deste silêncio que aqui habita.

E grita dentro de mim
Um vazio medonho:
Por que cresci, Oh! meu Deus
Oh! meu Deus, prá que cresci...

E é este silêncio que me tortura.
O vento bole com as árvores
Que já adulto plantei,
Mas não afasta este caótico
Silêncio que aqui perdura.

Fecho os olhos e revejo,
Aquelas paisagens infantis.
Mas, a realidade volta
Intransigente, imutável.

E grita dentro de mim,
A inaceitação do presente:
Por que cresci, Oh! meu Deus
Oh! meu Deus, prá que cresci...
Cafundó, 23.09.1990



Primeira Casa Grande, 1937



Barracão -1938


Um raio de sol


Só um raio
Para iluminar
Este meu abismo

O soluço preso
Na garganta
Faz rebentar
No peito abafado
A dor do desespero

Um raio de sol
Só um raio...
05.07.1998


Oh! Cafundó


"Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais"

Ah! Que saudades...

Da moenda e da almanjarra
Das mil estrelas no céu
Das noturnas farinhadas
Do doce cheiro de mel

Do alambique de cobre
Das carroças gemendo
Dos banhos de açude
Das lamparinas a querosene

Do leite ao pé da vaca
Dos cavalos nas cocheiras
Da coalhada da terrina inglesa
Daquelas noites enluaradas

Ah! Que saudades...

Da rapadura batida
Da fogueira de São João
Do milho assado, da canjica
Do cajá e do pé de limão

Do barracão, do "torreiro"
Da "farofa" que Lêla fazia
Das pamonhas de Mamãe
Do mel de engenho com farinha

Dos mergulhos no Gurinhém
Do puxa-puxa quentinho
Da Pitombeira da beira do Rio
Da mangueira detrás do Engenho

Dos pés descalços nos riachos
Do alpendre da Casa Grande
Do coco-de-roda na bagaceira
Da cachaça quente jorrando

Da biqueira na calçada
Dos cambiteiros chegando
Da casa-de-fazer farinha
Do rio quase apartando

Ah! Que saudades...

Do meu pé de laranja
Das festas de Sobrado
Do fogão a lenha
Das panelas de barro

Das dormidas de rede
Dos sacos de mandioca-mole
Dos doces de rapadura
Da contadeira de estória

Do candeeiro de vidro
Da cadeira verde do Pai
Do galope de Simpatia
Dos verdes canaviais

Do “buzo” avisando cheia
Da cantoria dos sapos
Dos pimentões da horta
Das minhas galinhas peladas

Ah! Que saudades...

Das visitas dos Compadres
De “Seu” Fabrício, Senhor e Fausto
Dos passeios a cavalo
Do corte-de-cabelo de “Seu” Augusto

Do feijão preto com charque
Do amendoim cozido
Dos montes de bagaço de cana
Do caldo de cana azedo

De “Leão”, “Ligeiro” e “Peixinha”
Do baú de Dona Camila
Dos beijus de coco
Do emalado da rapadura

Dos caixões de guardar farinha
Dos burros comendo milho em “mocó”
Das tapiocas de “Sá” Zefinha
Saudades, saudades do meu Cafundó.
Engenho Cafundó, 14.04.1985



   

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