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O Presidente João Pessoa e o IHGP

Luiz Hugo Guimarães

 

Nem o movimento de rebeldia do coronel José Pereira Lima, levantando e colocando a cidade de Princesa e adjacências em pé-de-guerra  contra o Presidente João Pessoa, conseguiu quebrar a isenção do Instituto perante os fatos políticos da Paraíba.[1]

Em maio de 1930, o Secretário Pedro Baptista “indaga se devia este Instituto ficar alheio ao movimento e às sérias apreensões que no momento pesam sobre a família paraibana, intranqüila sob a grave ameaça de uma intervenção federal no Estado, onde o Governo, legalmente constituído, realiza as aspirações de progresso deste departamento da República, que, tendo incorrido no desagrado do Presidente da Federação, por isso estava ameaçado de ser deposto, conforme sugestão contida na Mensagem Presidencial dirigida ao Congresso Federal, em 3 de maio vigente”.

Reza a ata que se manifestaram “os sócios Carlos Alverga e João Olyntho, ambos opinando que por se tratar de questão política não devia, neste caso, o Instituto dela tomar conhecimento. O Presidente fez também ponderações contrárias à proposta. Em seguida, foi a mesma retirada da discussão pelo proponente”.

Mas, a 26 de julho de 1930, o Presidente João Pessoa foi assassinado, no Café Glória, na cidade do Recife. A revolta dos paraibanos foi tão intensa, com o povo na rua, que o Instituto teve que deixar de lado “a questão política”, participando de todos atos oficiais em memória de João Pessoa.

No dia 5 de agosto, o presidente Flávio Maroja convocou uma sessão extraordinária, solene, para homenagear o ex-Presidente. O salão de sessões do Instituto ficou literalmente cheio, notando-se a presença de altas autoridades do Estado, deputados estaduais, magistrados, professores, diretores de colégios, estudantes e pessoas que espontaneamente foram se associar à homenagem promovida pelo Instituto. Após um minuto de silêncio, o orador oficial do Instituto,  Antônio Botto de Menezes, pronunciou um discurso inflamado.

Encerrada a sessão, permaneceu o Instituto aberto à visitação pública, onde os visitantes podiam apreciar o pálio improvisado de duas bandeiras nacionais e que serviram no transporte do corpo do Presidente João Pessoa da Catedral à estação da Great Western. Havia naquele pálio, em tinta nanquim e apurada caligrafia gótica, as seguintes inscrições: “Pálio cívico que cobriu o corpo do grande Presidente João Pessoa durante o trajeto da Catedral à estação da Great Western, em 1º-8-930”. E noutra parte: “Confeccionado por D. Matildes e Clotildes de Almeida, Jovita Cardoso, .........de Oliveira Cruz e Maria Alexina Santa Rosa, aproveitando uma feliz idéia do Sr. Israel Meira Lima”. E mais: “Oferecido ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano pelo Cônego José Coutinho, cura da Sé, em nome do povo paraibano. 5-8-930”.

Durante a sessão, conforme consta da ata de 10.08.30,  “esteve cobrindo a tribuna do orador uma vistosa bandeira encarnada, medindo um metro por dois de comprimento, e tendo em letras brancas a palavra “Nego”, comemorativa do gesto magnífico do Presidente João Pessoa e que fora presenteada ao Instituto pelo Dr. José de Ávila Lins, prefeito da Capital, acrescentando que a mesma estivera hasteada na torre do Liceu durante o dia 29 de julho em que fora comemorado o feito”.

Na sessão solene de 7 de setembro de 1930, comemorativa do jubileu de prata do Instituto, Bôtto de Menezes falou sobre a data da Independência do Brasil e o presidente Flávio Maroja apresentou um longo trabalho sobre os 25 anos do IHGP. Mas, João Pessoa continuou sendo lembrado. Nessa sessão, uma comissão de senhoras e senhoritas, acompanhada do professor Manuel Vianna Junior, ofereceu ao Instituto a caneta de ouro com que o presidente Álvaro de Carvalho assinou a sanção do projeto legislativo da Assembléia denominando de João Pessoa a capital do Estado, bem assim uma bandeira vermelha com a inscrição “Nego”.

Em novembro, na sessão do dia 9, por proposta de Pedro Baptista, foi inserido em ata o texto que instituiu a bandeira rubro-negra e o nome de João Pessoa para a capital do Estado.

João Pessoa continuava vivo. O jornal “A União” mês a mês, durante um ano, mantinha João Pessoa em suas páginas. E a cada 26 de julho, as primeiras páginas eram todas dedicadas aos feitos do Presidente.

Anthenor Navarro, que era sócio do Instituto, fora designado interventor do Estado, logo após a Revolução de 1930. O historiador Mário Mello, secretário perpétuo do Instituto Arqueológico e Histórico Pernambucano, fez uma carta ao interventor sugerindo modificações na bandeira rubro-negra adotada pela Paraíba, invocando praxes heráldicas. Como membro do Instituto, participante da Comissão da Revista, Anthenor Navarro enviou a carta para apreciação do Instituto. O encaminhamento da carta de Mário Mello foi feito através do Sr. Murillo Lemos, chefe de gabinete da interventoria. O assunto foi discutido, sendo finalmente elaborado um parecer por Coriolano de Medeiros, que tem o seguinte teor: “Tem toda razão o ilustrado confrade Mário Mello: a nossa bandeira, ou melhor, a bandeira do Estado da Paraíba, não obedeceu as regras de heráldica, mas boa ou má, bonita ou feita, foi criação popular, foi consagração popular, eivada pelo mais sincero ardor cívico. O seu tremular, as suas cores moveram, não somente os paraibanos, mas grande parte da população dos outros Estados contra o passado da opressão. Assim, sou de parecer que seja conservada tal qual foi aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado. João Pessoa, 30 de novembro de 1930.”

Em março de 1931, novamente João Pessoa está presente na sessão do Instituto. No dia 8, o coronel Estevam d’Ávila Lins, sócio do Instituto, ofereceu uma bandeira rubro-negra contendo, em letras brancas, a palavra “Nego”, que lhe fora presenteada pela senhorita Maria Gomes da Silva, no dia 23 de outubro de 1930, que estivera hasteada no quartel do 3º R. I. e Palácio da Guanabara, em data de 24, quando fora preso e deposto Washington Luiz, então Presidente da República. Esta bandeira cobriu o túmulo de João Pessoa no cemitério de São João Baptista, no Rio de Janeiro.

Nessa mesma sessão, está registrado que o oficial de gabinete do interventor Anthenor Navarro, Sr. Murillo Lemos, enviou a seguinte mensagem ao presidente do Instituto Histórico: “De ordem do Sr. Interventor Federal, venho entregar a vossa excelência as chaves dos três salões que sua excelência ofereceu para sede do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, com a condição de ser conservado como está e carinhosamente cuidado o gabinete em que trabalhou o presidente João Pessoa, nos últimos meses de vida.”

“Com essa iniciativa” - continua a missiva -, “tão bem recebida por parte de vossa excelência, quiz o Sr. Interventor proporcionar a esse Instituto, sem ônus para ele, uma instalação condigna e confortável, ao mesmo tempo em que presta mais uma homenagem ao eminente cidadão, instituindo o culto da sua memória. E só a esse Instituto, guarda das cousas do nosso passado, deveria caber a honra de recolher essa relíquia da vida de João Pessoa, cujo nome ficou na consagração pública, pelos exemplos de dignidade, de coragem, de abnegação e, em suma, pelo seu grande amor à terra natal.”

Um ano depois, em 26 de julho de 1931, data do primeiro aniversário da morte do Presidente João Pessoa, o Instituto promoveu nova sessão solene para homenageá-lo, apondo seu retrato no salão nobre. Foi orador oficial o consócio Irineu Joffily. Falaram ainda Luís Pinto, como representante da Imprensa; o acadêmico José Rodrigues, pela Faculdade de Direito do Recife; a acadêmica Eudésia Vieira, pela Escola de Medicina de Pernambuco; e Gilberto Osório, Cacambo Maciel e Malta Maranhão, que vieram do Recife para assistir às homenagens prestadas a João Pessoa.

 

Além da homenagem prestada na sede do Instituto, o IHGP se fez presente a todas as solenidades promovidas pelo Estado no primeiro aniversário da morte de João Pessoa, representado por uma comissão de sócios composta de Flávio Maroja, Florentino Barbosa, José de Mello, Antônio Bôtto e Simão Patrício.

Desde 1931 o gabinete de trabalho de João Pessoa esteve sob a guarda do Instituto, e continua até hoje. Em determinada ocasião ele foi transferido para o Museu do Estado, retornando anos depois, quando o Museu do Estado foi desativado.

O coronel José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, então Diretor da Escola Militar de Realengo, escreveu ao Instituto informando que a viúva do seu irmão oferecia à guarda do Instituto a mesa em que o Presidente fora assassinado no Café Glória, no Recife. O Instituto Arqueológico de Pernambuco interessou-se em conseguir aquela relíquia do Presidente, mas foram tomadas as devidas providências, e a mesa de ferro e tampo de mármore passou a constar do acervo do museu do Instituto. Lamentavelmente algumas relíquias que foram repassadas para o Museu do Estado não retornaram ao Instituto, tais como as bandeiras que foram oferecidas ao Instituto, a caneta de ouro usada pelo Vice-Presidente Álvaro de Carvalho na assinatura do decreto quando a capital da Paraíba foi denominada de João Pessoa, o revólver que foi usado no crime. Continuam preservadas como relíquias seu birô de trabalho, a cadeira, o tinteiro e a mesinha do Café Glória.

A morte de João Pessoa acabou com o tabu da isenção política, no Instituto, durante algumas décadas.

Aí já não se tratava mais de assunto político, pois João Pessoa passou a ser um fato histórico, sendo sempre relembrado em várias ocasiões.[2]

 

Durante as romarias feitas anualmente ao monumento a João Pessoa, na praça que tem seu nome, o Instituto esteve sempre presente por um seu representante.

 



[1] O coronel José Pereira de Lima, chefe político do município de Princesa Isabel, rompeu com o presidente João Pessoa e declarou Princesa “Território Livre”, instaurando um governo autônomo, “cessando toda a autoridade estadual na sua área”.

[2] O autor era um jovem redator do jornal “A União”, em 1943, quando no dia 26 de julho foi destacado para fazer a cobertura das homenagens ao Presidente João Pessoa, na tradicional manifestação cívica ao pé do monumento da praça que tem seu nome. Foi orador oficial o Dr. Samuel Duarte, Secretário do Interior e Justiça do Governo Rui Carneiro. A solenidade teria que ser  destacada através de “A União”, sobretudo porque o jornal era subordinado à Secretaria do Interior. O autor ainda se recorda de um trecho  da fala de Samuel Duarte: “13 anos se passaram do crime que abateu João Pessoa, mas ele continua mais vivo ainda, porque o destino dos heróis supera os limites estreitos das gerações.”


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