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Getúlio Vargas

Luiz Hugo Guimarães

 

Depoimento no Conselho Estadual de Cultura

 

Puxando por minha memória, a lembrança mais antiga que tenho de Getúlio Vargas é do ano de 1933, quando o presidente veio a João Pessoa, e eu tinha oito anos. Naquela manhã, ele deixou o trem na velha estação da Praça Álvaro Machado e subiu pelo estreito beco que dá na rua Maciel Pinheiro, na altura da antiga Casa Pena, e por ali desfilou. Meu pai postado em frente da farmácia do senhor Nozinho Londres, diante da multidão, me escanchou no seu pescoço para que eu pudesse ver o grande líder da revolução de 30. Vi-o de longe, mas não alcançava ainda a importância daquele homem.

Como estudante do Liceu Paraibano, onde aos onze anos ingressei, em 1936, no ano do centenário daquele educandário, passei a vida estudantil sob a ditadura Vargas, contra quem o movimento estudantil jamais se rebelou àquela época. Em 1939, o Liceu se mudou da Praça João Pessoa para o Colégio Estadual na Av. Duarte da Silveira, construído por Argemiro de Figueiredo. Lá víamos diariamente o busto de Getúlio num pedestal, onde se destacava uma placa com os dizeres de um discurso do Presidente: “Todo o nosso esforço tem de ser dirigido para educar a juventude e prepará-la para o futuro.

Vibrava com a participação nos desfiles dos colégios no dia do seu aniversário, em 19 de abril, conhecido como o Dia da Raça, uma cópia da megalomania de Mussolini e Hitler.

Quando Getúlio fez uma de suas visitas a João Pessoa, foi almoçar na residência de João Amorim, em sua mansão hoje transformada no Supermercado Bom Preço, em Jaguaribe. Amigo de Humberto e Hélio, filhos de João Amorim e Áurea, com os quais jogava futebol no enorme quintal daquela mansão, fui para lá. Mas os meninos Humberto e Hélio e as meninas Adalzira, Lourdinha e eu ficamos no porão da casa, onde havia um bilhar pequeno onde nos divertíamos. Não nos deram chance para ver Getúlio, que esteve o tempo todo guardado por Gregório no andar de cima. Contou-me Áurea que no almoço o Anjo Negro provou, na cozinha, de tudo que Getúlio ia comer.

Esses episódios antigos sobre Getúlio fazem parte das minhas lembranças da juventude, que me permito rememorar agora nos 50 anos do seu tiro no peito.

Pressionado a deixar o Governo em 1945, encerrando seu ciclo ditatorial de 15 anos, teve forças para eleger seu sucessor, o general Eurico Gaspar Dutra.

Em 1950 (25 anos) fui eleito presidente do Sindicato dos Bancários da Paraíba pela primeira vez, começando minha longa liderança no movimento sindical bancário paraibano e nacional. Naquele ano, Getúlio foi eleito a 3 de outubro, pelo PTB. Curiosamente, foi o PTB da Paraíba quem primeiro lançou oficialmente a candidatura de Getúlio, em sua convenção realizada em 14 de novembro de 1949, em João Pessoa. Ele tomou posse a 31 de janeiro de 1951.

Eleito presidente num regime democrático, Getúlio cumpriu suas promessas em favor do movimento sindical. Como se recorda, o Governo Dutra foi o grande verdugo do movimento sindical. Em 7 de maio de 1947, Dutra assinou o Decreto-lei 23.046 e destituiu as diretorias legalmente eleitas de cerca de 400 sindicatos de trabalhadores, sendo todas elas substituídas por juntas governativas ou interventores funcionários das Delegacias do Trabalho. Era a caça aos comunistas e esquerdistas. Daí em diante, os candidatos a cargos eletivos nas entidades sindicais, para registrarem suas chapas, estavam obrigados a apresentar o famoso “atestado de ideologia”.

Pois bem, Getúlio enviou ao Congresso uma lei abolindo o tal “atestado de ideologia” e a sancionou em 2 de setembro de 1952. A Lei de Greve foi atenuada, fazendo exceção apenas para as categorias consideradas especiais. Getúlio colocou um bancário na presidência do Instituto dos Bancários, cumprindo sua promessa feita às lideranças da classe. Nosso sindicato apoiou primeiro o nome do colega Peixoto de Alencar, um bancário cearense, que depois foi substituído por Enos Sadock de Sá Mota, colega do Banco do Brasil. Nossa Federação dos Bancários do Norte-Nordeste, sediada no Recife, da qual eu era o vice-presidente, votou em massa no nome de ambos os colegas bancários. A Federação era formada pelos Sindicatos Bancários do Norte-Nordeste, da Bahia ao Amazonas, e nesses dois episódios liderei o trabalho de apoio das entidades existentes nos Estados.

Já nessa época, sob o regime democrático de Getúlio, os sindicatos iniciaram sua participação no debate dos temas políticos de interesse do país, participação que se aprofundou durante o Governo João Goulart.

A visão que o movimento sindical tinha da figura de Getúlio naquela época era de que ele, prestigiando seus Ministros do Trabalho, e acatando as principais reivindicações dos trabalhadores, permitia uma razoável liberdade sindical. Ora atendia às pressões do empresariado, ora engajava-se ao clamor do operariado. Lembremos aquele episódio da decretação do Salário Mínimo em que seu Ministro do Trabalho João Goulart propôs dobrar o Salário Mínimo. A proposta de Jango assanhou o empresariado conservador paulista e  os generais direitistas e anticomunistas, pressionando Getúlio a demitir seu ministro. Em fevereiro de 1953 Getúlio demitiu Jango, mas a 1° de maio aumentou o Salário Mínimo em cem por cento.

O populismo de Getúlio Vargas na área sindical brasileira poderia ser comparado ao populismo de líderes carismáticos como Perón, na Argentina, Mussolini, na Itália, Clement Atlee, na Inglaterra.

Na manhã do dia 24 de agosto de 1954, há 50 anos, encontrava-me eu na sede do Sindicato dos Bancários, no primeiro andar da Rua Barão do Abiaí, 40, quando as rádios anunciaram o suicídio de Getúlio. Ficamos atordoados. Durante um mês a Capital da República estava em vigília acompanhando os acontecimentos políticos que ali se desenrolavam. De longe, não imaginávamos que a situação política tinha se deteriorado tão rapidamente. Com a notícia, cuidamos de colocar a bandeira do Sindicato a meio-pau. Reuni-me com o presidente do Sindicato dos Comerciários, companheiro Dias Novo, para uma reflexão sobre nossas posições. Outros dirigentes sindicais vieram à nossa sede. A idéia era um comício, ou uma passeata. Não podíamos cruzar os braços sem uma manifestação de apreço ao Presidente.

A confusão era geral, em todo o país. Mas a idéia dos sindicatos foi encampada pelo PTB local, à frente o Prefeito Luiz de Oliveira Lima. No dia seguinte, à tarde, realizou-se a passeata sugerida, que contou com a presença das lideranças sindicais, de populares e vários políticos, principalmente o pessoal do PTB, entre eles o vereador Carlos Neves da Franca. A passeata saiu de frente da sede do PTB, na rua Duque de Caxias, que ficava defronte do jornal O Norte. Seguiu até o Palácio da Redenção, voltou pela Praça 1817, onde falaram os presidentes de sindicatos; seguiu pela rua Visconde de Pelotas, Praça D. Adauto, retornando à rua Duque de Caxias, encerrando a manifestação em frente da sede do PTB, onde discursou o prefeito Luiz de Oliveira Lima.

Uma coisa curiosa: Havia uma dissidência no PTB local, mas mesmo assim o grupo dissidente publicou uma nota sobre Getúlio Vargas, assinada por Joaquim Costa.

Getúlio foi pranteado pela nação inteira. Seu gesto realmente fê-lo herói, para “entrar na História”. Com sua Carta-Testamento mostrou sua face nacionalista e antiimperialista, pouco percebida por todos nós.

Num exame frio da história de Getúlio Vargas vamos encontrar passagens de ação política que merecem o repúdio geral. Sua longa ditadura é carregada de episódios desaprovados pela maioria dos brasileiros. 

Nesta data, neste depoimento, e para homenagear sua memória, podemos pôr de lado os erros do seu período discricionário, mas não podemos esquecer o alcance de sua contribuição positiva ao País mesmo naquela fase, quando outorgou as leis trabalhistas (C.L.T.), instalou a usina siderúrgica de Volta Redonda e iniciou o plano de eletrificação do País ao construir a primeira grande hidrelétrica.

 

A partir de 1951, já no regime democrático, Getúlio criou a Petrobrás; fundou o Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDE, para fomentar a indústria de base; com a criação da Superintendência da Moeda e do Crédito – SUMOC, deu características de Banco Central ao Banco do Brasil; assegurou o incentivo à indústria e à agricultura; criou o Serviço Social Rural; propôs o Plano Nacional do Carvão; propôs a criação do Banco do Nordeste do Brasil; ampliou o Fundo Rodoviário Nacional; promoveu, por decreto, o reaparelhamento dos portos nacionais; disciplinou o retorno do capital estrangeiro; criou a Comissão Federal de Abastecimento e Preços – COFAP; instituiu o salário adicional para os que trabalham em condições de perigo e insalubridade.

Quando Getúlio assumiu o governo em 1951 encontrou preparado dentro do Exército um esquema para enviar um contingente de tropas para lutar ao lado dos norte-americanos na guerra da Coréia. O general Estilac Leal, seu Ministro da Guerra, desmanchou tudo, paciente e rapidamente. Getúlio sabia que, quando estivemos atrelados ao Exército norte-americano na II Grande Guerra, nossa Força Expedicionária não tinha sido bem tratada.

O suicídio de Getúlio criou um momento de comoção nacional, principalmente depois da divulgação de sua Carta-Testamento.

Muita gente festejou sua morte, muito mais gente chorou pela grande perda. Meu pai, Pedro, 64 anos, perrepista de 1930, alegrou-se; minha mãe, Alexina, 52 anos, chorou. Para ela, como para muitos, Getúlio era o “pai dos pobres”. Quando Dona Alexina recebia sua aposentadoria do INPS dizia que era o dinheirinho que Getúlio deixara para ela. A partir dos seus 85 anos era eu que, com uma procuração, ia receber o dinheirinho que Getúlio deixara para ela. Até os 90 anos, quando faleceu, Dona Alexina agradecia, e rezava para a alma de Getúlio.

Como participante do movimento sindical daquela época, vejo na ação trabalhista de Getúlio Vargas um compromisso permanente em favor do operariado brasileiro.


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