CÔNEGO FLORENTINO BARBOSA

Filósofo e Historiador




O Cônego Florentino Barbosa Leite Ferreira, rebento de tradicional família arraigada no Nordeste, nasceu em Teixeira, na Paraíba, a 12 de julho de 1881. Era filho de José Barbosa Nogueira da Paz, agricultor, criador e comerciante naquela cidade, e de Dª Secundina Leite Ferreira. Ele pertenceu ao tronco Pedro Leite Ferreira/Isabel Gomes de Almeida, e representa a quinta geração daquele casal que veio para a Paraíba em 1775. 1 Esse tronco ramificou-se para Conceição, Piancó e Teixeira. Florentino Barbosa pertence ao ramo que se fixou em Teixeira, sendo tataraneto do casal Pedro/Isabel. Seus pais geraram sete filhos, sendo ele o segundo do casal.


Formação e vida eclesiástica


Fez seus estudos primários em sua terra natal, tendo seus pais, seguindo a tendência da época, inclinado o jovem para seguir a carreira sacerdotal. Aos 15 anos veio para a capital do Estado, onde ingressou no Seminário da Diocese, criado em 1894 pelo primeiro bispo da Paraíba, D. Adauto Aurélio de Miranda Henriques. No Seminário realizou os estudos preparatórios e superior de Filosofia e Teologia, sendo ordenado padre por D. Adauto na Matriz de Nossa das Neves, a 12 de novembro de 1905. Com ele foram ordenados os padres Antônio Francisco de Barros Ramalho, Esmerino Gomes da Silva, Francisco Hermenegildo de Lucena Sampaio, Álvaro Pio César, João Batista de Albuquerque, Joaquim Gomes da Cunha Andrade, José Neves de Sá, Manuel Cristóvão Ribeiro Ventura e Clarindo Lopes Ribeiro. Imediatamente o padre Florentino foi designado vigário de Teixeira, sua terra natal, e no ano seguinte designado para Cabaceiras. Daí foi deslocado para a cidade de Sapé, tendo sob sua responsabilidade, na função de cura, as capelas de Nossa Senhora do Patrocínio, da Fazenda Una; Nossa Senhora da Conceição, de Anta do Sono e Gendiroba; São João Batista, de Sobrado; e São Gonçalo de Fundo do Vale. À frente do Curato de Sapé, Florentino Barbosa fundou diversas escolas e promoveu aulas de catecismo, contando com o total apoio dos paroquianos para a execução dos seus trabalhos.

Em 18 de agosto de 1908, seguiu para Roma para estudar na Universidade Gregoriana, no Pontifício Colégio Pio Latino Americano, tendo como companheiro o padre Pedro Anísio Be-zerra Dantas. Em 1911, no Vaticano, doutorou-se em Filosofia, regressando à Paraíba. Estudioso de Filosofia, Genealogia, Sociologia e História, D. Adauto aproveitou-o no Seminário Diocesano como professor de Filosofia, e mais de Física e Química. Em 1921, por motivo de doença, Florentino deixou o magistério sendo deslocado para o Rio de Janeiro, onde permaneceu durante oito anos. Ali, como vigário, ocupou a freguesia de Paquetá, cuidou da Capelania da Irmandade da Nossa Senhora da Mãe dos Homens e do Colégio Santos Anjos.

Após a melhoria do seu estado de saúde, o padre Floren-tino Barbosa retornou à Paraíba e reassumiu o magistério no Seminário Diocesano e no Colégio Pio X. Ministrou aulas de Química e Física na Escola Normal do Estado, de Filosofia no Colégio Estadual da Paraíba e de História da Filosofia no Curso Complementar que funcionava no Colégio Estadual da Paraíba. Sua dedicação ao ensino credenciou-o como um dos melhores professores do seu tempo, pelo conhecimento da matéria que lecionava e por sua metodologia moderna no preparo e exposi-ção de suas aulas, que eram bastante apreciadas por seus alunos.

Foi capelão das igrejas Nossa Senhora do Rosário e da Nossa Senhora Mãe dos Homens.

Na homenagem prestada pelo Instituto em 2 de abril de 1964, o Cônego Francisco Lima traçou seu perfil:


Florentino Barbosa era em certos aspectos a antí-tese de D. Adauto, que nascera quase trinta anos antes dele, em 1855, e descendia dos Miranda Henriques e dos Pereira de Melo, senhores de engenho nordestinos cuja origem fidalga atingia os Reis de Portugal e Espa-nha, o condestável Nun’Alvares e aqueles Albuquer-ques terríveis que com os Castros Fortes Camões imortalizara no OS LUSÍADAS. 2

D. Adauto era brevilíneo no tipo – rubicundo e atarracado; era ciclotímico – extrovertido e explosivo, pronto e ágil no pensamento e na maneira de expressá-lo pela palavra falada ou escrita. Homem de ação a toda prova e com todos os requisitos positivos de um realizador eficiente prático. Florentino Barbosa, mais moço quase três décadas, pois nascera em 1881, vinha dos Leite Ferreira, de mais modesta linhagem, os quais emigrados da Bahia no século XVIII, ingressaram em nossos sertões constituindo os ramos de Conceição, do Piancó e do Teixeira, mesclando-se com os Barbosa Lopes, os Ramalho, os Arruda, os Viana, os Cartaxo, os Loureiro, os Rodrigues, os Figueiredo e entregando-se às atividades agrícolas, pastoris ou comerciais. Florentino Barbosa era longilínio, moreno pálido, esquizotímico, introvertido, pouco expansivo, lento no pensar, falava com dificuldade, dificuldade que uma dicção imperfeita sobremodo agravava. O seu forte não era de modo algum a construção material, porque Florentino Barbosa se enfileirava entre os arquitetos de idéias. Havia, contudo, entre D. Adauto e Florentino Barbosa um denominador comum, um terreno ideal em que ambos se encontravam e quase se confundiam – o sacerdócio, e ainda o nível de inteligência, a facilidade e a fluência da expressão escrita, a tenacidade da vontade, o amor à terra comum, o critério e o senso de responsabilidade. Diga-se mais que o Padre era cem por cento dedicado ao seu Bispo, o qual estimava com todas as veras aquele Padre filósofo, retraído, silencioso, mas de segura formação cristã e eclesiástica.

Florentino Barbosa era um estudioso impenitente, uma curiosidade intelectual insaciável, um eterno pere-grino em todos os setores do conhecimento humano. Podia-se discutir com ele percebendo-o sempre bem informado sobre a natureza do fogo do inferno, sobre a ciência de Deus, sobre o processo do conhecimento hu-mano, sobre as relações da alma com o corpo, sobre as leis de Mendel, sobre as origens da vida, do homem e da cultura, sobre questões intrincadas DE JUSTITIA ET DE JURE, sobre o problema das secas do Nordeste, sobre paleontologia e arqueologia, sobre as rochas – seu tipo e sua classificação, sobre literatura e contro-vérsias filosóficas...

E uma vez que outra Florentino Barbosa na apli-cação da ciência dos livros praticava a química ex-traindo iodo das algas marinhas ou preparando medi-camentos para sua insônia crônica, e praticava a arte tocando piano, pintando, entalhando e esculpindo.


Este é o perfil mais completo de Florentino Barbosa, feito por quem com ele conviveu assiduamente.


No Instituto Histórico


Por suas qualidades intelectuais, o padre Florentino Barbosa, então vigário de Teixeira, foi admitido no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano como sócio correspondente, em 28 de agosto de 1906, tendo, também, na mesma data, ingresso o líder teixeirense Dr. Manoel Dantas Correia Góes.

Após sua titulação pela Universidade Gregoriana, e voltando a residir na capital, Florentino Barbosa, em sessão do IHGP de 15 de março de 1914, teve seu nome aceito como sócio efetivo, tomando posse na sessão seguinte, a 5 de abril daquele ano. Logo no dia do seu ingresso pronunciou seu primeiro trabalho, intitulado CLERO ILUSTRE DA PARAÍBA. Seria o início de uma grande colaboração intelectual como historiador.

Sua intervenção seguinte no Instituto ocorreu na sessão de 5 de julho de 1914, quando o consócio Ascendino Cunha leu uma memória sobre a Revolução de 1817, que pretendia apre-sentar no I Congresso Nacional de História. Após a leitura, o padre Florentino Barbosa tomou a palavra para contestar os pon-tos daquela memória em que o autor tratou dos malefícios trazidos pelos jesuítas. A discussão acalorou-se, tendo o presidente Flávio Maroja encerrado a sessão. O assunto não ficou encerrado aí, pois na sessão de 5 de outubro daquele mesmo ano Florentino Barbosa apresentou um trabalho intitulado OS JESUÍTAS NA PARAHYBA, referendando seus conceitos apresentados no primeiro embate com Ascendino Cunha, pronunciando uma calorosa exaltação à ação jesuítica na província.

Nesse ano, Florentino Barbosa começou a participar da Diretoria do Instituto, figurando como membro da Comissão de Sindicância e Contas.

O mandato da Diretoria era de um ano. Para a escolha da Diretoria para o mandato de 1915/16 a assembléia geral foi presidida pelo próprio Florentino Barbosa, tendo sido reeleito Flávio Maroja para a Presidência, e Florentino ascendeu ao cargo de 2º Secretário, reelegendo-se para o mandato seguinte (1916/17).

Ainda em 1915, Florentino Barbosa, juntamente com Irineu Pinto e Matheus de Oliveira, representaram o Instituto no IV Congresso Brasileiro de Geografia, realizado no Recife, onde Florentino falou na sessão inaugural.

Durante muitos anos seu nome constou da Diretoria:


1915/17 – 2º Secretário

1917/21 – Comissão de Pesquisa e Estudos Geográficos

1929/30 – 1º Secretário


Na sessão de 29.04.1920, Florentino foi eleito Secretário Geral da Diretoria do VII Congresso Brasileiro de Geografia, que se realizaria na capital.

Em 20 de abril de 1931, após a reforma dos Estatutos, foi feita eleição para a Diretoria que completaria o mandato até 7 de setembro daquele ano, sendo eleito o já então Cônego Florentino Barbosa para Presidente.

O nome do Cônego Florentino continuou bastante tempo participando da Diretoria, até a sua morte em 1958, conforme listagem a seguir:


1931/34 – Presidente

1934/36 – Presidente, em exercício, várias vezes, em

virtude da ausência do Presidente Bôtto de

Menezes, que estava no Rio de Janeiro

1934/44 – 1º Secretário

1947/50 – Comissão de Admissão de Sócios

1950/53 – Comissão de Contas

1953/56 – Presidente

1956/59 – Comissão de Historia, Geografia e Ecologia


Sua passagem pelos diversos cargos da Diretoria do Insti-tuto Histórico reflete uma dedicação ímpar, uma presença cons-tante e de preciosa colaboração. Foi coordenador e responsável pela feitura das Revistas do IHGP de nºs 7 a 10.

Como Secretário, desvelava-se como organizador, preo-cupando-se com os arquivos do Instituto e com a biblioteca, onde era responsável pela catalogação dos livros, seguindo a linha do seu esforçado companheiro Irineu Ferreira Pinto. As atas de sua lavra são um preciosismo de caligrafia. Iniciou a organização de um pequeno museu para o Instituto, o qual chegou a possuir importante coleção de objetos raros e históricos, lamentavelmente desaparecidos ao longo desses anos.

No primeiro ano do seu ingresso no IHGP representou o Instituto no IV Congresso Brasileiro de Geografia realizado no Recife, conforme designação feita pelo presidente Flávio Maro-ja, em sessão de 04.09.1915, compondo uma comissão com os consócios Irineu Ferreira Pinto e Matheus de Oliveira. Esta comissão também representou a Paraíba naquele conclave, por designação do então presidente em exercício do Estado, Antô-nio da Silva Pessoa, que era sócio do Instituto. Florentino proferiu discurso na sessão inaugural daquele Congresso, que foi aberta pelo presidente general Emídio Dantas Barreto, de Pernambuco. Além da intensa participação nas Comissões de Estudos do Congresso, Florentino apresentou dois trabalhos, conforme relatório lido por Irineu Pinto na sessão de 21.11.1915 do Instituto.

Desde abril de 1920, Florentino Barbosa havia sido eleito para 1º Secretário do VII Congresso Brasileiro de Geografia que deveria se realizar naquele ano, na Paraíba. Por falta de apoio financeiro, esse Congresso só pôde se realizar em 1922, com o apoio do Presidente da República, conterrâneo Epitácio Pessoa, e do presidente do Estado, Dr. Solon de Albuquerque Lucena. Nesse Congresso, contribuiu com o trabalho intitulado FORTA-LEZA DE SANTA CATARINA, iniciando a partir daí sua preo-cupação pelos monumentos históricos paraibanos. Não chegou a defender esse trabalho uma vez que em março teve que fixar residência no Rio de Janeiro, de onde voltou oito anos depois, retornando ao seio do Instituto, ocasião em que foi eleito 1º Secretário, para o período 1929/30, sendo depois eleito Presidente.

Bastante organizado, o Cônego Florentino Barbosa foi responsável pela apresentação de quatro Relatórios das Atividades do Instituto, os quais em muito facilitaram o levantamento da História do IHGP, produzida pelo autor em 1996. Nas Revistas do Instituto constam, da lavra do Cônego Florentino, os seguintes Relatórios: de 07.09.1931, na Revista nº 7, de 1932; de 1932/33, na Revista nº 9, de 1937; 07.09.1941, na Revista nº 10, de 1946; de 1953/56, na Revista nº 13, de 1958.

O Cônego Florentino Barbosa presidiu o Instituto por seis anos e cinco meses. A primeira vez foi no período de 20 de abril a 6 de setembro de 1931. Foi uma espécie de mandato-tampão. O mandato da Diretoria, desde sua fundação, era de um ano, podendo o Presidente ser reeleito. O então Presidente Flávio Maroja vinha sendo reeleito desde 1909, por 22 anos sucessivos. Houve um movimento contra essa perpetuidade, embora fosse praxe nos demais Institutos as figuras do Presidente Perpétuo e do Secretário Perpétuo. No Estatuto do IHGP não havia essa figura perpétua, mas Flávio Maroja, um abnegado administra-dor, vinha se reelegendo por unanimidade, sendo considerado hoje o responsável pela continuidade da instituição ante as dificuldades da época. Com a modificação do Estatuto, foi vedada a reeleição dos Diretores. Para preencher esse mandato-tampão, de cinco meses, Florentino foi eleito Presidente provisoriamente. Em seguida, foi eleito para a Presidência de 1931/34. No dia da posse Florentino Barbosa aclamou o ex-presidente Flavio Maroja como Presidente de Honra do Instituto. O segundo Presidente de Honra foi o historiador Humberto Nóbrega. De lá para cá não houve mais nenhum Presidente de Honra.

Durante o primeiro mandato (31/34), Florentino teve que administrar a maior crise administrativa por que passou o Instituto logo após a sua eleição, com o afastamento dos consócios Coriolano de Medeiros, Pedro Baptista e Matheus de Oliveira. Com habilidade, Florentino administrou a crise. Mas, no seu Relatório referente a 1931/32, confessa o pouco interesse dos sócios do Instituto por suas atividades e, em repassadas palavras de amargura, declara:


Respirando uma atmosfera de indiferença a respeito dos fatos de nossa história, já podeis imaginar as dificuldades que devemos vencer e os esforços que empregamos para dar a esta organização um pequeno surto de vida que, por um quase milagre, ainda mantém de pé o nosso Instituto.”


E continua:


A apatia, mesmo dos que compõem esta associação, é quase completa. Apenas um ou outro se tem interessado pelo seu desenvolvimento. Apesar de tudo, posso dizer com satisfação que ainda brilha aqui a centelha do fogo sagrado que a vivifica.”


Nesse período o Instituto recebeu como doação a escrivaninha, cadeira e mesa de despachos que eram usadas pelo Presidente João Pessoa; a sede do Instituto foi instalada em três dependências de A UNIÃO, num gesto de apoio do interventor Anthenor Navarro, que era sócio do Instituto. Foram criadas as Seções de Numismática e de Mineralogia; foi ampliado o Museu que ele iniciara, no Instituto; a Seção de Arqueologia foi enriquecida com a incorporação de vários objetos.

O Instituto participou do Congresso de História e Geografia realizado no Rio de Janeiro, sendo representado pelo consó-cio José Alcides Bezerra Cavalcanti.

Entre os conferencistas ilustres que estiveram no Instituto estão constando de atas: o professor alemão Filipe Lutzemburg, que dissertou sobre a flora paraibana, estabelecendo paralelo entre esta e a do vale do Rio Amazonas; Dr. Everardo Back-heuser, catedrático da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que falou sobre PAISAGENS CULTURAIS DO BRASIL; e Dr. Agustín Venturini, professor de Sociologia da Universidade Chilena, que dissertou sobre A CONFRATERNIZAÇÃO DOS POVOS AMERICA-NOS.

Como se vê, apesar das dificuldades, o Cônego Florentino Barbosa se saiu airosamente nessa fase.

Em 1941, o Cônego Florentino apresentou uma monogra-fia sobre a Igreja e Hospital da Santa Casa e a instituição do Morgado de São Salvador por Duarte Gomes da Silveira. Em 1944 ele registrou em sessão que tomara conhecimento da existência de que na Capela do Salvador, anexa à Igreja, havia painéis com a efígie de Duarte da Silveira e de sua mulher. Foi então criada uma Comissão constituída por Florentino Barbosa, Octacílio Nóbrega de Queiroz e J. Veiga Júnior para averiguar a veracidade da hipótese. Os trabalhos foram iniciados com o apoio da Diretoria do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da Provedoria da Santa Casa e do Instituto, procedendo-se a desobstrução da cripta, a qual se achava soterrada desde 1893. Não foram encontrados nem o ossário nem os famosos painéis dos morgados Duarte da Silveira e de sua mulher. O ponto positivo dessa investigação foi a restauração da cripta existente e a construção de um gradeamento de madeira com três entradas, tornando o local accessível para futuras investigações.

No período 1953/56 houve uma composição inteligente para a formação da Diretoria. A presidência do mandato anterior esteve a cargo do professor Clóvis dos Santos Lima, que iniciou o movimento para a construção da sede própria do Instituto. Clóvis Lima conseguiu, com o apoio do prefeito Luiz de Oli-veira Lima, a aquisição dum terreno de 11 x 20 metros para a construção da sede, defronte da Praça Barão do Abiaí, na esquina da rua Frutuoso Barbosa, em frente do antigo Mercado de Tambiá. Mandou elaborar a planta do prédio e iniciou gestões junto ao Governo do Estado e parlamentares paraibanos para conseguir os recursos necessários à construção da obra. Pelo Estatuto, não era possível a reeleição do presidente Clóvis Lima. A fórmula encontrada foi eleger para Presidente o Cônego Florentino Barbosa e para Vice-presidente o professor Clóvis Lima, a quem foi dado plenos poderes para continuar administrando a construção da sede, tendo Clóvis Lima algumas vezes exercido interinamente a presidência, em face do Cônego Florentino encontrar-se enfermo. A um custo aproximado de CR$ 900 mil a sede foi construída e inaugurada a 28 de janeiro de 1956, com a presença do governador José Américo de Almeida. Porém a primeira sessão ordinária realizada na nova sede ocorreu a 24 de março de 1956, sob a presidência, mesmo doente, do Cônego Florentino Barbosa. Nessa sessão “Ele narrou a via crucis do Instituto, a história melancólica de suas constantes mudanças – sete ao todo –, com evidente prejuízo para o seu patrimônio, não só pelas mudanças como pelas más condições de alguns pardieiros que teve que ocupar por força das circunstâncias.” 3

Na eleição seguinte Clóvis Lima foi eleito Presidente, para terminar alguns detalhes do prédio e dotar a sede de mobiliário adequado. O Cônego Florentino Barbosa compareceu à sessão de transmissão de cargo, a 7 de setembro de 1956, fazendo seu Relatório sobre as atividades do Instituto em 1953/56. Na nova Diretoria participou como membro da Comissão de História, Geografia, Antropologia e Revista.

A última sessão a que o Cônego Florentino Barbosa compareceu foi a 27 de abril de 1957, quando comunicou que terminaria em breve seu livro A PEQUENA AÇUDAGEM NO HINTERLAND NORDESTINO E AS SUAS VANTAGENS, ressaltando os pontos mais interessantes ligados ao fenômeno das secas.

Faleceu em 1º de outubro de 1958.


O filósofo


O padre Florentino Barbosa formou-se em Filosofia na Universidade Gregoriana, em Roma, dedicando-se com afinco a essa ciência.

Seu primeiro trabalho nessa área foi intitulado META-FÍSICA VERSUS FENOMENISMO, publicado pela Editora Vozes, Petrópolis, em 1920. Trata-se de uma apreciação dos pontos capitais da filosofia correntes naquela época. Nessa fase Florentino teria aderido ao Positivismo, opondo-se à visão clássica cristã, apreciando o pensamento aristotélico das causas primárias face à doutrina universal que reduz toda realidade cognoscível aos fenômenos da experiência sensível.

Nessa área, também publicou OS MISTÉRIOS DA FÉ, um trabalho misto de filosofia e teologia, de profundo teor espiritualista bastante elogiado pelo filósofo sergipano Jackson de Figueiredo, que prefaciou aquela obra.

Seguiu-se novo livro: A FAMÍLIA – SUA ORIGEM E EVOLUÇÃO, Editora Vozes Ltda., Petrópolis, 1948. Nesse trabalho o Cônego Florentino examinou os três problemas fundamentais da família: o econômico, o jurídico e o educativo. Registrando uma numerosa bibliografia, o autor aborda a origem e os destinos da família, investigando a controvérsia entre o materialismo evolutivo e o espiritualismo. Esse livro, a respeito da família no tempo e no espaço, chegou a ser recomendado aos estabelecimentos de ensino no país.

Seus estudos filosóficos não pararam aí. Em 1953, publicou O PROBLEMA FUNDAMENTAL DO CONHECIMENTO, Editora Santa Maria, Rio de Janeiro, 1953.

É um trabalho de fôlego que ele dedicou aos alunos do curso de colégio de segunda e terceira séries dos Institutos de Educação do Brasil.

No início da obra, como que fazendo uma introdução para os novatos na matéria, ele acentua que as “questões sobre a natureza das realidades prendem-se ao problema geral da origem de todos os seres do universo e da irredutibilidade das suas qualidades essenciais: são aspectos particulares da transi-ção do não ser para o ser.”

E examina as teorias filosóficas e científicas que, através dos tempos, tentaram dar uma explicação ao desenvolvimento da matéria e da vida em face do conhecimento, passando pelas idéias de Anaxágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino e seguindo em frente.

É um livro enriquecedor que abre caminho para o entendimento de estudantes e leigos sobre a matéria.

O Cônego Florentino era grande admirador do Cardeal Jean Mercier, filósofo belga, Arcebispo de Malines e primaz da Bélgica, devotado aos estudos transcendentais da metafísica. Exerceu a direção do Instituto Superior de Filosofia daquele país, tendo lecionado na cadeira de filosofia tomista na Univer-sidade Católica de Louvain.

O Cardeal Mercier reanimou a filosofia escolástica no final do século XIX “sob novas formas e argumentos”, segundo adiantou o Cônego Florentino em trabalho publicado também na Revista nº 7, do IHGP.


O historiador


Foi no Instituto Histórico que o Cônego Florentino se iniciou na pesquisa histórica. As sessões daquele silogeu lhe davam clima para apresentar suas idéias, seus trabalhos resultantes de incansáveis pesquisas. A Revista do Instituto armazena cerca de 15 estudos seus, alguns de investigação pioneira.

Na Revista nº 5, de 1922, ele publicou um artigo intitulado OS JESUÍTAS NA PARAÍBA, para acentuar a importância da presença daquela ordem religiosa na Paraíba e se contrapondo a uma memória apresentada pelo consócio Ascendino Cunha, que profligava a ação jesuítica na província.

Em A CASA DA PÓLVORA, também na Revista nº 7, de 1932, Florentino Barbosa elucida alguns pontos que, na época, eram obscuros sobre a localização da primeira Casa da Pólvora. Em suas pesquisas localizou uma planta existente na Delegacia Fiscal, levantada pelo Capitão J. Rodrigues, a mandado do tenente-coronel Estevam de Ávila Lins. Com base nessa planta, Florentino Barbosa concluiu que a primeira Casa da Pólvora “estaria um pouco atrás da Rua Rodrigues Chaves (antiga Passeio Geral) na altura do n. 325 da rua Epitácio Pessoa (antiga Trincheiras) que é paralela à primeira”. 4

Foi pioneiro nessa pesquisa e seus informes foram comprovados pelo coronel Ávila Lins, que comandou o 22º Batalhão de Caçadores na Paraíba, em 1929. O coronel Ávila Lins empregou uma turma de soldados do 22º B. C. para fazer escavações naquela área do antigo Passeio Geral, tendo descoberto “grandes blocos de pedra calcárea superpostas formando um retângulo, medindo 6,00 x 6,00.” 5

O artigo do Cônego Florentino descreve detalhadamente a segunda Casa da Pólvora, existente na Ladeira São Francisco, e inaugurada em 1710, conforme consta da inscrição feita em sua fachada e baseado nos trabalhos de Irineu Ferreira Pinto e Maximiano Lopes Machado (DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAÍBA e HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DA PARAHYBA).

Em 1946, o terreno onde ficava localizada a Casa da Pólvora pertencia a Sidrônio Mororó, que anunciou pelos jornais a venda do imóvel. Na sessão de 15.11.1946, o Cônego Florentino Barbosa informou que em 1929 fizera parte de uma comissão do Instituto que se dirigira à Prefeitura Municipal no sentido de evitar a demolição da Casa da Pólvora. O Instituto, naquela oportunidade, evitara a sua demolição, contando com o apoio do prefeito José de Ávila Lins, que era sócio do Instituto e depois foi seu Presidente. Dessa vez, o Instituto barrou a venda da Casa da Pólvora.

Foi ainda Florentino Barbosa quem propôs que se apusesse placas nos locais identificados da primeira Casa da Pólvora, na rua Rodrigues Chaves e na existente na Ladeira de São Francisco, proposta que foi acolhida pelo prefeito Luiz de Oliveira Lima.

O teor do trabalho sobre a Casa da Pólvora de Florentino Barbosa foi aproveitado no seu livro MONUMENTOS HISTÓRI-COS E ARTÍSTICOS DA PARAÍBA, 1ª edição, 1953; 2ª edição, fac-similar, 1994.

O CONVENTO DE S. FRANCISCO foi outro trabalho importante do Cônego Florentino Barbosa, quando apresentou um estudo histórico e crítico sobre aquele convento, na Revista do IHGP, nº 8, 1935, em comemoração do 2º centenário da Sagração da Igreja de São Francisco, realizada em 31 de dezembro de 1934.

Florentino refere-se à chegada aqui dos franciscanos, em 1590, e desfaz o equívoco sobre o primeiro prelado da ordem aqui chegado, assegurando ter sido Frei Antônio do Campo Mayor, “vindo do Capítulo das Províncias menores de Lisboa, para com alguns companheiros fundar o primeiro convento franciscano.”

Esse trabalho do Cônego Florentino tem servido de base para a maioria dos estudos posteriores feitos sobre o Convento de São Francisco. São 21 páginas com a descrição, passo a passo, da história daquele convento, contendo várias fotos.

Outro trabalho pioneiro de Florentino encontra-se na Revista nº 9, do IHGP, sob o título de A HISTÓRIA DO TRIGO NA PARAHYBA, onde ele conta que o aparecimento daquele cereal se deu no ano de 1830, em Teixeira, sua terra natal, surgidos ali das palhas que vieram em um caixote de louças importado de Portugal. Os grãos presos nas palhas que envolviam as louças foram aproveitados por Bernardo de Carvalho Cunha, que as plantou. Esse acontecimento, segundo Florentino Barbosa, está contado no livro de João de Lyra Tavares, em seu livro A PARAHYBA, volume II, página 189.

Florentino conta do seu empenho na difusão da agricultura do trigo na Paraíba, citando alguns municípios de solo adequado para aquela cultura, tendo ele, em 1923, levado ao Presidente Solon de Lucena sua propaganda sobre aquela gramínea. Solon de Lucena chegou a autorizá-lo fazer a compra no Rio de Janeiro de um moinho para beneficiar o trigo.

Nessa Revista há também um trabalho de sua lavra sobre NUMISMÁTICA BRASILEIRA, abordando os períodos da evolução da nossa numismática. Entusiasta do assunto, organizou no Museu do Instituto Histórico, por ele criado, uma coleção de moedas descrita naquele artigo.

A atividade intelectual do Cônego Florentino era constante. Na sessão de 10 de setembro de 1933 ele pronunciou uma palestra intitulada A GEOGRAFIA E SUA RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E A TERRA, antes mesmo de apresentar o Relatório das Atividades do período anterior em que foi presidente do Instituto.

Na sessão de 14 de agosto de 1938, Florentino fez uma palestra falando sobre a Igreja e o Mosteiro de São Bento. Era a indicação de um novo trabalho a ser publicado. Seus pronun-ciamentos sempre eram seguidos de publicação. Na realidade, esse tema foi mais explicitado em seu livro MONUMENTOS HISTÓRICO E ARTÍSTICOS DA PARAÍBA, publicado em 1953.

Esse trabalho foi publicado na Revista do IHGP nº 10, em 1946, resgatando a história dos religiosos que, em 1595, vieram de Lisboa logo após o desastre da armada de Felipe II de Espanha.

Em janeiro daquele ano, o frei Damião da Fonsêca, abade do mosteiro de São Bento de Olinda, chegou à nossa Felipéia para fundar um convento, segundo instruções recebidas do padre geral dos beneditinos de Portugal.

Como no trabalho anterior, sobre a Igreja e o Convento de São Francisco, o Cônego Florentino descreve todos os acontecimentos em torno da constituição do patrimônio da Ordem Beneditina, as desavenças com os carmelitas, a ação do governador da Capitania Feliciano Coelho de Carvalho e faz um estudo da arquitetura em estilo barroco-romano adotado. Chega a detalhar as principais peças: altares, púlpitos, sacrário, ornatos, pilastras, nave da igreja, sepulturas, etc.

Faceta importante do trabalho são os anexos, com a publi-cação de documentos extraídos de uma antiga crônica escrita em 1750 por um monge do mosteiro.

Esse trabalho também vamos encontrar em sua obra já citada, acompanhado de várias fotos das dependências do mosteiro.

Obstinado em descobrir as atividades das ordens religiosas que chegaram à Capitania, o Cônego Florentino iniciou uma pesquisa sobre presença dos carmelitas em nossas terras, onde iniciaram a construção da Igreja e do Convento de Nossa Senhora do Carmo, em 1591.

Esse trabalho de pesquisa foi apresentado na sessão do Instituto de 14.08.1938 e só pôde ser publicado na Revista do IHGP nº 11, de 1948; como os anteriores, se reveste de impor-tância pela detalhada descrição da parte histórica sobre a ordem assim como sobre o acervo arquitetônico produzido pelos carmelitas. Nesse particular, o Cônego destaca minuciosamente os belos trabalhos de talha esculpidos na pedra calcárea.

O artigo também figura na citada obra sobre os monu-mentos artísticos da Paraíba, todos eles revistos e melhorados.

A Revista do Instituto tem sido o principal instrumento de difusão dos trabalhos dos seus associados e se não fosse a falta de periodicidade dela a colaboração dos nossos historiadores teria sido muito mais significativa. Houve interregnos de até 12 anos entre uma Revista e outra, o que levava alguns consócios a publicarem seus trabalhos no jornal oficial A UNIÃO.e no jornal católico A IMPRENSA.

Nas Revistas do IHGP ainda encontramos alguns trabalhos do Cônego Florentino tais como A FUNDAÇÃO DO IHGP, RELÍQUIAS DO PADRE ROLIM, DOCUMENTOS HISTÓRICOS, INSCRIÇÕES INDÍGENAS GRAVADAS NO ROCHEDO DO BOJO, 6 além dos vários Relatórios por ele apresentados.

No começo de sua atividade intelectual, a passagem de Florentino como lente de Física e Química enveredou-o pelo estudo do solo e das condições físicas do Nordeste. Em 1915, pela Imprensa Oficial, publicou um pequeno trabalho intitulado CONSTITUIÇÃO DO SOLO BRASILEIRO.

Antes, em 1913, pela Livraria Gonçalves Penna & Cia., da Paraíba, publicara O PROBLEMA DO NORTE, um livreto de 73 páginas, enfeixando vários artigos divulgados em A IMPRENSA, onde profligava o abandono do Nordeste e tocava no fenômeno das secas.


Os monumentos históricos e artísticos


O seu trabalho de maior repercussão é, sem dúvida, MONUMENTOS HISTÓRICOS E ARTÍSTICOS DA PARAÍBA, que mereceu uma segunda edição por iniciativa do Conselho Estadual de Cultura, publicada pela A UNIÃO – Editora, em 1994, constituindo o Volume II da Coleção Biblioteca Paraibana.

O prefácio dessa edição coube ao arquiteto pernambucano José Luiz da Mota Menezes, especialista em História da Arte, autor de vasta obra nessa área, professor de Mestrado e Doutorado em História da UFPE e atual presidente do Instituto Arqueológico e Histórico Pernambucano.

Com o título de UM HISTORIADOR CRITERIOSO, o professor Mota Menezes recorda os trabalhos anteriores de Florentino Barbosa na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Reconhece que ele “não se aventura em fornecer informações inseguras. Cuida de que todas as notícias se fundamentem em histórias que antecederam as suas, no aspecto puramente documental, não se arriscando em romancear no gosto de oratórias inúteis ou atribuições falhas, tão freqüentes na época.

E elogia os seus conhecimentos de arte, registrando que a Paraíba “vem conhecer os seus principais monumentos, princi-palmente os de João Pessoa, através do trabalho do Cônego Florentino Barbosa.”

Os capítulos dessa obra enfeixam estudos sobre a Matriz de Nossa Senhora das Neves, o Convento de São Francisco, a Igreja e o Mosteiro de São Bento, a Igreja e o Convento de Nossa Senhora do Carmo, a Igreja do Senhor do Bomfim (atual Matriz de Lourdes), a Capela de São Gonçalo e a Igreja da Conceição, as igrejas N. S. Mãe dos Homens, de N. S. das Mercês e São Pedro Gonçalves, as igrejas do Vale do Paraíba, e as de Nossa Senhora das Graças e do Bomfim situadas na Ilha do Bispo. Na segunda parte do livro, os estudos de Florentino Barbosa são sobre os fortes: a Fortaleza de Martim Leitão, a Fortaleza de Cabedelo, Fortim da Baía da Traição, as Casas da Pólvora. Ao final, dá uma pequena notícia sobre as fontes da capital.

É um dos livros mais requisitados pelos estudiosos dos monumentos da capital.


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O Cônego Florentino Barbosa Leite Ferreira é o patrono da cadeira nº 22, do Quadro de Sócios Efetivos do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a qual teve como fundador o engenheiro agrônomo Laudimiro Leite de Almeida.

Em seu discurso de posse para ocupar aquela cadeira, a professora Rosa Maria Godoy fez um estudo aprofundado sobre a vida e obra do Cônego Florentino. Seu discurso, que foi publi-cado na Revista nº 34, do IHGP, ofereceu ao autor relevantes subsídios.


1 BARBOSA, F. A FAMÍLIA LEITE NO NORDESTE BRASILEIRO, G. Petrucci, 1948.

2 Discurso do Cônego Francisco Lima em homenagem a Florentino Barbosa, publicado na Revista do IHGP nº 15, 1964, p. 193.

3 GUIMARÃES, Luiz Hugo. HISTÓRIA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO, Editora Universitária, UFPB, 1998, p. 133.

4 Revista nº 7, do IHGP, 1932, nota 3, p. 47.

5 Revista nº 9, do IHGP, 1937, p. 23. (Artigo do Cel. Ávila Lins)

6 Artigo publicado na Revista do IHGP nº 12, 1953, sobre o trabalho de José de Azevedo Dantas, a respeito das inscrições indígenas de Acari, RN e Pedra Lavrada, PB, cujos originais fazem parte do acervo do IHGP, trabalho posteriormente publicado na coleção da Biblioteca Paraibana.