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A Paraíba e 1964

Luiz Hugo Guimarães

 

Há poucos dias, em agosto, comemoramos os 20 anos da promulgação da Lei de Anistia e mais 15 anos de uma ditadura ferrenha, originada no movimento militar de 1964.

  A iniciativa do Presidente João Baptista Figueiredo, através da sua Mensagem de 27 de junho de 1979, ao Congresso Nacional, onde  tomou o número 59, foi lida no dia seguinte. O processo para chegar até aquele ato presidencial foi longo. 15 anos. O Comitê Feminista pró-Anistia teve papel saliente no início da campanha, comandada inicialmente pela esposa do general Jesus Zerbini. A partir daí, todas as forças vivas da Nação se empenharam na luta. Estudantes, membros da oposição, operários, donas de casa, intelectuais, a Nação inteira empenhou-se na conquista da Anistia, sabendo que seu advento seria o início da derrocada do arbítrio.

O próprio presidente Figueiredo devia saber das conseqüências do seu gesto, inspirado que foi, não só pelo clamor nacional, mas por ter sofrido na pele os efeitos do arbítrio duma ditadura. Seu pai, o General Euclides, fora anistiado por ter participado da revolução constitucionalista de São Paulo, em 1932, tendo sua família sofrido as agruras do exílio.

Mas, não foi fácil. Lembro-me que em agosto de 1977, o senador Petrônio Portela, numa homenagem que recebeu na cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, disse que não se cogitava naquele momento da ANISTIA. E alegava que os punidos do movimento de 64 não estavam preparados para recebê-la. Lembro-me também que naquela época fiz uma crônica comentando o fato, sugerindo até a necessidade de iniciarmos um curso de preparação para os punidos pelos atos do arbítrio. Quem sabe, dizia eu, o MOBRAL poderia patrocinar esse curso para nós, que estávamos à margem da cidadania?

Passavam-se 13 anos das punições, e o Ministro da Justiça vinha com essa de preparar os beneficiários da anistia! Nunca se demorou tanto. Um fato inusitado na história brasileira.

Até no Império, as leis de anistia eram promulgadas em breve espaço de tempo. Os revolucionários republicanos de 1824, que participaram da Confederação do Equador, foram anistiados no ano seguinte, pelo Decreto de 7 de março de 1825.

 Na República, também o esquecimento era breve. Em 1930, pelo Decreto n.º 19.395, de 9 de novembro, Getúlio Vargas anistiou os militares que participaram dos movimentos revolucionários de 22, 24 e 27. Vários tenentes retornaram ao Exército, tornando-se muitos deles generais de grande atuação pública; os paulistas da Revolução de 32 foram anistiados em 1934, dois anos depois, pelo Decreto 24.297, de 28 de março. No governo do grande democrata Juscelino Kubitschek, foi mais rápido ainda para os participantes de Aragarças e Jacareacanga.

Foram 15 anos de muita gente fora da lei dos vencedores. 4.841 pessoas foram atingidas pelos atos institucionais! Fora do Brasil estavam figuras de valor sem poderem oferecer sua inteligência à solução dos problemas nacionais. Congressistas, professores universitários, lideranças populares, jornalistas, estavam todos lá fora, à espreita de um abertura para retornar ao país.

Internamente, os que ficaram segregados, sem poderem exercer uma atividade útil consentânea com suas aptidões, eram os exilados dentro da própria Pátria. Estudantes sem poderem estudar. Profissionais sem poderem exercer suas profissões E havia os que mofavam nas masmorras da ditadura, e os desaparecidos.

Famílias se desagregaram, com seus chefes vivendo à sombra. O Brasil do “grande milagre” enlutado pelo desassossego de famílias inteiras. E a ditadura implacável vigiando, vigiando, em nome da Segurança Nacional. “Ame-o, ou deixe-o!”. Prá frente Brasil!

 

Conversando com o pai de Almino Afonso, em Porto Velho, Rondônia, para onde o Banco do Brasil me transferiu, ele me confiava sua preocupação porque seu filho Almino, que estava exilado na Iugoslávia, saíra clandestinamente, por sua conta e risco, para o Uruguai, para juntar-se a Jango, Brizola e outros líderes políticos que ali estavam exilados. Até receber a notícia de sua chegada são e salvo no Uruguai, diariamente se angustiava. Era comigo que ele desabafava.

Foi uma quadra difícil. O Ato Institucional 1, que suspendeu por dez anos os Direitos Políticos de 100 personalidades, era encabeçado por Luiz Carlos Prestes e terminava com o Cabo Anselmo. Dentre eles, estavam quatro paraibanos: o ministro Abelardo Jurema, recentemente falecido, uma das figuras mais importantes do cenário político da nação, foi deputado federal, senador, líder do Governo no Congresso, Ministro da Justiça; o deputado federal José Joffily Bezerra, altivo e combativo lutador pela reforma agrária, também falecido. Nosso grande economista Celso Furtado, Ministro Extraordinário no Governo João Goulart, ex-membro da Academia Brasileira de Letras, também se foi para o além; resta este escritor, que era o quarto paraibano daquela ilustre lista de cassados.

Finalmente, os que sobreviveram, puderam comemorar esta ANISTIA. Anistia é um ato de superioridade com que os vencedores se redimem dos pecados que cometeram e um ato que dignifica quem pratica e que não humilha que o recebe. Mas demorou a chegar.

Não foram poucas as pessoas atingidas pelos atos punitivos do regime instalado no País, em 1964.

Na Paraíba, sabemos que houve uma onda de instigações, de delação, de dedurismo.

 

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