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A Paraíba nos 500 Anos do Brasil Livro: A Paraíba nos 500 Anos do Brasil / ANAIS DO CICLO DE DEBATES DO IHGP - Pág. de 99 a 124

Livro: A Paraíba nos 500 Anos do Brasil / ANAIS DO CICLO DE DEBATES DO IHGP - Páginas de 99 a 124

A CONQUISTA DO SERTÃO PARAIBANO

5º Tema
Expositor: Wilson Nóbrega Seixas

 

A fala do Presidente:

Estamos retornando para reiniciar nosso Ciclo de Debates, e hoje apreciaremos o tema A CONQUISTA DO SERTÃO PARAIBANO. Para compor a mesa convido o consócio historiador Wilson Nóbrega Seixas, nosso expositor de hoje; historiador Guilherme d’Avila Lins, presidente do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica; acadêmico Joacil de Britto Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras.

A pessoa indicada para tratar do tema é, sem dúvida, nosso consócio Wilson Seixas. Apesar dele ser formado em Odontologia, dedicou-se à pesquisa histórica. É membro do Instituto de Genealogia e Heráldica, recebeu um título de Menção Honrosa pelos relevantes serviços prestados à cultura paraibana e nós do Instituto Histórico o consideramos o nosso mais importante pesquisador. Entre seus trabalhos importantes vale citar O VELHO ARRAIAL DE PIRANHAS, VIAGEM ATRAVÉS DA PROVÍNCIA DA PARAÍBA, OS PORDEUS DE SÃO JOÃO DO RIO DO PEIXE, SANTA CASA DE MISERICÓRDIA, tudo isso elaborado em cima de fontes primaríssimas.

Temos certeza que sua exposição de hoje nos trará novidades e a elucidação de alguns pontos controvertidos da história da conquista do sertão paraibano.

Com a palavra o confrade Wilson Seixas.

Expositor: WILSON NÓBREGA SEIXAS (Historiador, sócio do IHGP do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, com importantes trabalhos publicados)

 

Aos 21 de julho de 1962, na oportunidade em que se comemorava a passagem do centenário da fundação da cidade de Pombal, não podíamos absolutamente deixar, na condição de filho nascido e criado naquele tradicional burgo sertanejo, de levar a minha modesta e espontânea contribuição ao transcurso de tão importante e significativo evento histórico. E o fizemos, sem qualquer vaidade ou veleidade pessoal, com o lançamento do livro O Velho Arraial de Piranhas (Pombal), no qual procuramos focalizar os principais acontecimentos da história daquele legendário município e, aliás, o primeiro núcleo populacional que se formou nos Sertões da Paraíba.

Para escrever aquele livro, tivemos naturalmente que nos louvar nos autores que anteriormente trataram do assunto. Além disto, recorremos igualmente a outras fontes primárias, inclusive aos livros de notas e do judicial, ainda existentes no Cartório “Coronel João Queiroga”, da velha e tradicional comarca pombalense, nos quais colhemos os elementos necessários à elaboração do trabalho em apreço.

Principiante, ainda, àquela época, nos estudos e pesquisas históricas, não podíamos apresentar um trabalho melhor e mais aprofundado sobre as origens da comuna sertaneja, pelo menos no que tange ao problema da conquista e colonização do interior da Paraíba, tema sobre o qual fomos convidados a expor neste Ciclo de Debates, que, em tão boa hora, promove a Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do Brasil.


A CONQUISTA DO SERTÃO


A história dos primitivos sertanistas baianos que devassaram e ocuparam os ínvios sertões da Paraíba não está ainda convenientemente estudada. Talvez pela escassez de fontes informativas, ou mesmo pela falta de um serviço de catalogação através do qual pudéssemos estudar, discutir e decidir a respeito de alguns pontos duvidosos ou desconhecidos para o estudo da historiografia regional, não possui ainda hoje – forçoso é confessar – um trabalho completo no tocante às entradas que, em sua expansão colonizadora, alargaram e fixaram as fronteiras de nosso Estado, desde a Capital até o extremo oeste da Capitania da Paraíba.

Já dizia o eminente historiador cearense Capistrano de Abreu que “este fato não foi ainda levado na devida consideração em nossa História e, entretanto, é um dos mais interessantes de toda ela”. As entradas da Paraíba, não obstante os trabalhos de Maximiano Lopes Machado, Irineu Jóffily, Coriolano de Medeiros, João de Lyra Tavares, Celso Mariz, Irineu Ferreira Pinto, Horácio de Almeida, Elpídio de Almeida e tantos outros, precisam ter a sua História. Uma História com os requisitos indispensáveis de autenticidade, vazada nos moldes de uma segura orientação, com documentos próprios, que, embora realmente escassos durante o período que medeia entre o final da guerra holandesa (1654) e a Guerra dos Mascates (1710), não são todavia tão difíceis de encontrar quanto parece ao investigador interessado na descoberta de novas documentações, com vistas ao preenchimento de tais lacunas no conhecimento da nossa História colonial.

Ocupado o vale do Paraíba, estreito e não muito extenso, era natural que a cultura da cana-de-açúcar se desenvolvesse através de pequenos rios, às margens dos quais se levantaram diversos engenhos. Ali, com efeito, se estabeleceram alguns colonos, ricos e abastados, antes e depois das guerras holandesas.

A agricultura, aliás, começou pelo litoral, ninguém duvida, pela simples razão de que foi nele que principiaram a  conquista e o povoamento da Capitania da Paraíba.

Segundo Elias Herckmans, em sua Descrição Geral da Capitania da Paraíba, a ocupação do território paraibano, na época do domínio holandês, iniciou-se no litoral e chegou apenas a Cupaoba, região então considerada a mais afastada da zona litorânea. Ainda de acordo com o autor, “os limites da Capitania, para o ocidente, estendia-se pelo sertão adentro, até onde os moradores a quisessem povoar”.

Referindo-se ao assunto, Maximiano Lopes Machado, em sua História da Província da Paraíba, assim escreveu:

 

A conquista holandesa satisfez-se com o que os portugueses tinham antes explorado, não se animando a dar um passo mais para o Interior. Ficou onde havíamos parado por força das circunstâncias .

 

 

Com a restauração do domínio português, na segunda metade do século XVII, é que, na verdade, começou a penetração para o interior paraibano. E a figura de sertanista que se impõe como o primeiro a pisar o semi-árido paraibano foi Antônio de Oliveira Ledo, o qual, procedente da Bahia, atravessou o São Francisco e, seguindo o curso do Moxotó, um dos principais afluentes desse rio da unidade nacional, entrou na Paraíba através do rio Sucuru e prosseguiu pelo rio Paraíba até atingir a região do Boqueirão. Ali fundou uma aldeia que recebeu este nome e se estabeleceu, dando os primeiros passos para o povoamento da região do Cariri Velho.

Governava a Capitania da Paraíba Alexandre de Sousa Azevedo, que tomou posse em 1678. Ao inteirar-se das atividades colonizadoras do intrépido sertanista baiano, Azevedo convidou Antônio de Oliveira Ledo para fazer uma entrada no sertão, em missão de reconhecimento.

Afirma Elpídio de Almeida em sua História de Campina Grande que

não se deixou Antônio de Oliveira Ledo estagnar-se na aldeia que acabara de fundar. Espírito aventuroso, saiu marginando o Paraíba, passou-se para o Taperoá, desceu a Borborema, estacionou no lugar onde se expande a cidade de Patos .

 

Na verdade, foi essa a primeira entrada empreendida na Paraíba por inspiração governamental. Fê-la o sertanista Antônio de Oliveira Ledo e, por isso, foi agraciado com o posto de capitão de infantaria da Ordenança do sertão da Paraíba. A carta-patente foi assinada pelo então governador geral do Brasil, Roque da Costa Barreto, a 6 de fevereiro de 1682. Informa ainda Elpídio de Almeida:

 

Não há certeza quanto ao ano em que faleceu Antônio de Oliveira Ledo. É de supor-se tenha sido em 1688, pois, nesse ano, foi criado novo posto, de mais alta categoria, o de capitão-mor das fronteiras das Piranhas, Cariris e Piancós dos sertões da Capitania da Paraíba, e nele provido Constantino de Oliveira Ledo. Assinou a patente o governador geral do Brasil, Matias da Cunha. No ano da nomeação, já haviam os tapuias se revoltado contra os invasores de seus domínios, irrompendo a sublevação na Capitania do Rio Grande do Norte. Passou ela à História como Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris.

 

Continua ainda Elpídio de Almeida:

Cerca de dez anos permaneceu Antônio de Oliveira Ledo no posto de capitão das fronteiras de Piranhas e Piancó (sic). Em 1692, aparece investido no dito posto o seu sobrinho Constantino de Oliveira Ledo.

 

No entanto,  certidão datada de 20 de janeiro de 1710 e assinada pelo próprio capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, irmão de Constantino, documento este existente no Arquivo Histórico e Ultramarino de Lisboa, e de cuja cópia dispomos, mostra taxativamente o seguinte:

Certifico que, levantando-se o gentio em fevereiro de 87 (1687), em todos estes sertões da Paraíba, e nos do Rio Grande do Norte e Ceará, matando muita gente, e destruindo muitas fazendas de gados vacuns e cavalares, e mais criações, queimando muitas casas, ficando senhor de todas as fazendas, e para atalhar e castigar a Capitania que então a governava, Antônio da Silva Barbosa, ao capitão-mor André Pereira de Moura, com um troço de soldados a este sertão, incorporando-se com meu irmão Constantino de Oliveira Ledo, que então ocupava o posto de capitão-mor destes sertões, incorporados que foram, marcharam com trezentos homens ao rio das Piranhas, onde, olhando o estrago que nas fazendas tinha feito o gentio, se puseram a seguir uma grande trilha, e no fim de quatro dias lhe deram alcance entre umas grandes serras, e fechadas caatingas, e pendenciando com ele largo tempo lhe mataram sessenta e tantos homens, com muitos feridos e algumas presas, e dos nossos também houve bastantes feridos por cuja causa se resolveram os cabos a voltar para o povoado, onde na volta, ao cabo de alguns dias de jornada, nos assaltou o gentio com muito grande poder, e pendenciando com ele largo tempo nos matou onze homens e feriu muitos, havendo nos seus também bastante estrago em toda esta jornada que será de cento e tantas léguas; acompanhou esta tropa o licenciado Francisco Ferreira, sacerdote do hábito de São Pedro, assistindo aos enfermos, e aos valentes com os sacramentos necessários, esforçando a uns com valor e animando a outros com a boa doutrina, atalhando a muitas discórdias, o que tudo fez de seu bom zelo sem ser obrigado de pessoa alguma, nem de interesse algum que da Real Fazenda tivesse, com que o julgo digno de toda honra e mercê, que Sua Real Majestade fosse servido fazer-lhe; faça todo o referido na verdade e o juro aos Santos Evangelhos e, por me ser pedida a presente, passei por mim assinada, e com o selo de minhas armas, de que uso. Sertão dos Cariris, 20 de janeiro de 710 anos. Teodósio de Oliveira Ledo.

 

Como se vê, este importantíssimo documento coevo põe por terra, de uma vez por todas, as afirmativas daqueles dois ilustres historiadores paraibanos, que, no entanto, continuam a merecer todo o nosso respeito e consideração, pelos relevantes serviços que prestaram à Historiografia paraibana.

Sabemos que Constantino de Oliveira Ledo teve destacada e decisiva atuação na luta contra os índios tapuias de todos os sertões da Paraíba. Numa das pelejas ia perdendo a vida. Salvou-o do perigo o mestre de campo Domingos Jorge Velho, “que o achou metido numa cerca, atacado por uma infinidade de tapuias, matando muitos deles”.

Constantino de Oliveira Ledo faleceu em começos de 1694. Com sua morte, não foi o posto de capitão-mor das fronteiras das Piranhas, Cariris e Piancó modificado ou abolido. Passou a exercê-lo um irmão de Constantino, Teodósio de Oliveira Ledo, de cujos feitos e personalidade trataremos mais adiante.

A pesquisa que realizamos anos atrás, nos arquivos do Departamento de História da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, a que tivemos acesso graças à gentileza e prestimosidade do ilustre professor José Pedro Nicodemos, então chefe do Departamento de História daquela conceituada escola do Ensino Superior da Paraíba, nos permitiu proceder à leitura paleográfica de uma infinidade de documentos e cópias xerográficas extraídas dos manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa.

Nesses documentos, encontramos o registro de uma carta do capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, escrita de próprio punho, e datada de 06 de agosto de 1698, e dirigida ao governador da Capitania da Paraíba, Manuel Soares de Albergaria. Nessa carta, Teodósio relatava a sua viagem ao sertão da Paraíba e a vitória (e o bom sucesso) obtida na campanha contra os índios tapuias, que ainda remanesciam no hinterland paraibano, e que não se conformavam em ver suas terras invadidas e ocupadas por elementos estranhos aos seus costumes e padrões de vida.

De quantos autores temos lido sobre o episódio da conquista e desbravamento do território sertanejo paraibano, apenas em Irineu Jóffily, nas Notas sobre a Paraíba, encontramos o registro de uma carta enviada ao rei de Portugal e datada de 14 de maio de 1699, na qual o governador da Capitania da Paraíba, Manuel Soares de Albergaria, informou a Sua Majestade ter mandado ao sertão uma entrada, a fim de promover o povoamento dos sertões daquele distrito, “(...) despovoados das invasoens e de estrago que os annos passados, fizerão nelles o gentio Tapuya (...)”. Coube o comando dessa entrada ao capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, a quem o mesmo governador incumbiu inclusive de fundar no sertão das Piranhas um arraial, que servisse de segurança e tranqüilidade aos moradores, em qualquer emergência.

Aquela carta a que se refere Irineu Jóffily, transcreveu-a Irineu Ferreira Pinto em seu livro Datas e Notas para a História da Paraíba, sem fazer qualquer comentário a respeito, parecendo que o referido autor já tivesse conhecimento dessa carta a que acrescentou outro documento, que não era nem mais nem menos do que a que escrevera Teodósio de Oliveira Ledo. Carta, aliás, que escapou naturalmente na cópia de que se serviu o consagrado historiador campinense.

Uma análise interpretativa nos permite esclarecer algumas dúvidas que ainda hoje pairam a respeito das nossas entradas a que seguiu a permanência do intrépido sertanista, o descobridor de nossas terras, que também procurava, nas longínquas paragens, estabelecer os seus currais de gado, visando ao aumento dos dízimos à Fazenda Real, para fazer face às despesas decorrentes com os gastos aplicados nos mais diversos pontos do território da Capitania da Paraíba.

 

TEODÓSIO DE OLIVEIRA LEDO

 

Ao nosso ver, foi Teodósio de Oliveira Ledo o pioneiro do entradismo paraibano e, sem dúvida alguma, também, o primeiro a estabelecer um elo de comunicação territorial, ligando a nossa capital ao extremo oeste do nosso Estado.

Teodósio, procedente da Bahia ou das margens do São Francisco, não chegou sozinho aos sertões da Paraíba. Veio nas últimas décadas do século XVII na companhia de Custódio de Oliveira Ledo, seu pai, e na de Constantino de Oliveira Ledo, seu irmão, a quem viria substituir em 1694, no posto de capitão-mor das Piranhas, Cariris e Piancós, conforme carta-patente de 3 de novembro daquele ano, assinada pelo governador geral do Brasil, dom João de Lencastre, que o fazia em consideração a seus merecimentos e qualidades militares, além da experiência que tinha na guerra e nos sertões.

A carta-patente pela qual fora nomeado para o dito posto estava expressa nos seguintes termos:

 

Porquanto pelo falecimento de Constantino de Oliveira (Ledo) ficou vago o posto de capitão-mor das fronteiras das Piranhas, Cariris e Piancós, e convém ao serviço de Sua Majestade a conservação dos moradores de todo aquele Sertão e seus distritos provê-lo em pessoas de grande valor, prática militar e experiência da guerra dos bárbaros e sertões, concorreram todas essas qualidades e suposições na de Teodósio de Oliveira Ledo, irmão do mesmo Constantino de Oliveira Ledo (...) hei por bem de o eleger e nomear capitão-mor do dito sertão e distritos das Piranhas, Cariris e Piancós, de que o hei por metido de posse e com ele haverá as honras, graças, franquesas, privilégios e jurisdição que tinha o dito Constantino de Oliveira, seu irmão, e costumam ter todos os capitães-mores fronteiros aos bárbaros. Pelo que ordeno ao capitão-mor da Capitania da Paraíba o tenha assim entendido e lhe faça dar o juramento na Câmara da cidade.

 

Saindo da Bahia, após receber sua carta-patente, naquele mesmo ano de 1694, Teodósio de Oliveira Ledo dirigiu-se à cidade da Paraíba a fim de se apresentar ao governador da Capitania e, ao mesmo tempo, registrar na Câmara a patente de capitão-mor das Piranhas, Cariris e Piancós.

Depois de visitar o governador Manuel Nunes Leitão, a fim de apresentar e registrar esses documentos, Teodósio foi aos sertões e regressou à Capital várias vezes, sendo que, em 1695, voltou à cidade da Paraíba a fim de entregar a esse mesmo governador as cartas de dom João de Lencastre, governador geral do Brasil.

De acordo com Maximiano Lopes Machado, em sua História da Província da Paraíba, em 1697, quando apenas inaugurava seu governo, Manuel Soares de Albergaria, apareceu-lhe Teodósio de Oliveira Ledo (no princípio de dezembro daquele mesmo ano de 1697) e o informava sobre a situação precária do sertão da Paraíba, principalmente na região do Piancó, pedindo-lhe então providências contra a devastação que faziam os índios tapuias nas propriedades e gados dos moradores. “E sendo preciso garanti-los e fomentar a indústria pastoril já tão desenvolvida, requeria em nome deles que os auxiliasse com alguma gente de guerra e munições, lembrando-lhe a necessidade da fundação de um arraial em Piranhas, que o servisse de ponto de apoio nos moradores em qualquer emergência”.

Podemos acrescentar que o governador Manuel Soares de Albergaria, atendendo ao pedido de Teodósio, deu-lhe razoavelmente tudo aquilo de que necessitava para o empreendimento, consistindo em 40 índios cariris, 16 índios mansos retirados das aldeias e 10 soldados. Além disto, o governador da Capitania lhe forneceu 4 arrobas de pólvora e balas, 40 alqueires de farinha e carnes para a viagem.

Conforme divulgou o jornal O NORTE, em sua edição de 1º de outubro de 1997, através de entrevista por nós concedida ao ilustre pesquisador, jornalista e editor Evandro Nóbrega, o entradista Teodósio de Oliveira Ledo e seus comandados partiram da Capital rumo ao interior “nos primeiros dias de janeiro do ano de 1698”, indo com ele também um religioso de Santo Antônio, encarregado da conversão do gentio. Enfrentando muitas dificuldades, ele chegou ao arraial de Pau Ferrado nos primeiros de abril daquele mesmo ano. Portanto, da Capital até chegar ao arraial de Pau Ferrado, havia decorrido cerca de 90 dias. Após três dias de sua chegada, veio-lhe um aviso de seus índios, no sentido de que, a três léguas do arraial, encontravam-se 30 ou 40 tapuias bravos, os quais desejavam fazer as pazes, pedindo-lhe também socorro contra outros inimigos.

Teodósio aceitou fazer as pazes com esses indígenas bravios, com a obrigação de que deixassem conduzir suas mulheres para o arraial, debaixo de armas. E, daí a 23 dias, chegaram esses índios, com todo o seu mulherio, ao arraial. Feito isto, Teodósio marchou para novos combates, em companhia de todo o seu gentio e mais os índios com os quais acabava de concertar a paz. Assim, depois de muitas horas de viagem, a pé e a cavalo, de noite e de dia, alcançara essa aldeia de índios Coremas, os quais lhe disseram, através de línguas, que queriam ser leais e amigos del-rei. Isto, como vimos, lhes foi concedido pelo guerreiro branco.

Feitas as pazes com os Curemas, o incansável sertanista Teodósio seguiu com seu gentio e alimárias, armas e tudo o mais, para novas investidas, contra os indígenas inimigos. Ao cabo de 18 dias, chegou ele

a uma planta do inimigo, de onde se havia retirado, pondo-me em seu seguimento. Dali a seis dias, me vieram novas dos descobridores (os sapadores), isto é, aqueles que iam adiante para fazer o reconhecimento do terreno) em como o inimigo tinha voltado do rumo em que ia a outro mais vizinho a mim. Marchei com todo cuidado e o outro dia pelas oito horas da tarde, estando alojado no rio chamado Apodi, me vieram novas dos descobridores, tinha chegado a um rancho donde se  havia levantado o inimigo aquela manhã; na mesma hora, me pus em marcha e cheguei pelas oito horas da noite ao dito rancho e dali, mandando descobrir coisa de légua e meia, estando alojados, vizinhando mais a eles, deixei ficar as munições com dez homens de sua guarda, e ao romper do dia dei sobre eles com toda disposição possível, tendo-me ele o encontro com valor, porém quis Deus que desse V. S. o quanto de alcançar a vitória, durando a peleja até as 9 horas do  dia, e ela acabada se acharem, da parte do inimigo, 32 mortos e 72 presas, e muita quantidade de feridos e, da nossa parte, não perigou nenhum, e se me feriram seis homens; e das presas mandei matar muitas, por serem incapazes; e só digo que, em o dia de Santa Justa e Rufina, em uma quinta-feira, vencem V. S. duas batalhas, esta de presente referida e as pazes que aqui se confirmaram, pelos inimizar com as mais nações; e hoje não lhe fica lugar buscarem por amigos, mais que aos brancos; e, ao depois de toda a batalha, vindo-me retirando, com três dias de viagem, me vieram seguindo os inimigos e andando o meu gentio à caça, pela necessidade em que vinha apanhando, os fora do troféu me mataram quatro homens que quis me por em seu seguimento, não foi possível por vir falto de mantimentos e somente lhe dei uma avançada, em que lhe feri alguns homens. E a 27 de julho cheguei a este arraial (Pinhancó, isto é, Piancó). Ao ajudante Manoel da Câmara, entreguei os quintos de El-Rei meu Senhor e ele fará a entrega a V. S. E aqui fico nesta campanha para o que V. S. me ordenar, a quem Deus guarde. Pinhancó (Piancó) de agosto 6 de 698 anos. Humilde soldado de V. S. Teodósio de Oliveira.

 

Portanto, muitos dias e léguas depois de Teodósio ter alcançado o interior, após deixar a capital, seus descobridores toparam-se com a indiada raivosa e Teodósio deu sobre eles com todo vigor. A vitória, como disse, demorou cerca de nove horas, tão renhido era o combate. Mas, acalmada as coisas, mandou executar alguns dos 72 prisioneiros indígenas, por considerá-los “inválidos”.

Esses e outros sucessos foram relatados por Teodósio ao governador Albergaria, através de carta datada de 6 de agosto de 1698. E disto tudo o Conselho Ultramarino de Lisboa, órgão político e administrativo da Coroa portuguesa, somente tomou conhecimento através da carta que enviou ao rei de Portugal o governador Albergaria, em data de 14 de maio de 1699. O Conselho Ultramarino, sob a presidência do Conde Alvor, deu parecer, endereçado ao rei, em 3 de setembro de 1699, sendo o despacho do rei no dia 11 de setembro do mesmo ano. O despacho do Conselho inclusive censurou acerbamente o procedimento de Teodósio por haver mandado executar os indígenas.

Ainda sobre tudo isto, pode-se dizer o seguinte. Não se limitara o governador Albergaria apenas ao envio de sua carta a el-rei. Juntou a esta a carta que recebera do capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, na qual contava o bom sucesso que ele tivera na guerra contra os tapuias que vinham hostilizando os moradores dos sertões das Piranhas e que em nenhuma parte se davam seguros de seus ataques e perseguições. O Conselho Ultramarino, na época, declarou que está Sua Majestade “muito grato ao bom sucesso que teve na campanha contra os índios, nossos inimigos”, estranhando entretanto o modo pelo qual o capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo tratou “os infelizes tapuias que tomou na guerra, não tripudiando a matar muitos deles a sangue frio”, porque os julgara incapazes do serviço de Sua Majestade.

Acrescentava ainda o Conselho Ultramarino que o mau exemplo que se dava na guerra podia comprometer o problema da paz para o qual estava empenhado el-rei, a fim de que os sertões se tornassem a povoar de moradores, no sentido de desenvolver a indústria pastoril e a lavoura. Entendia o Conselho, outrossim, através da Carta Régia de 16 de dezembro de 1699, que outro deveria ser o tratamento dispensado aos tapuias, de sorte que o procedimento do capitão-mor Teodósio era digno de uma exemplar castigo. Com relação ao novo arraial a ser fundado, era o Conselho de parecer que se deveria aprovar a iniciativa, “o que nesta parte assentou, pois se entende que se escolheria o que tivesse por mais conveniente”.

Outra coisa que devemos ressaltar nesse documento histórico assinado por Teodósio de Oliveira Ledo é que se pode comprovar definitivamente aquilo de que já se desconfiava há muito: o Piancó histórico não corresponde nem de longe ao município ou cidade de Piancó atual. Piancó era toda a área que logo depois seria polarizada pela povoação que tinha o mesmo nome e que mais tarde viria a ser a vila e, ainda depois, cidade de Pombal.

O topônimo Piancó, como se vê, não se refere apenas ao nome do rio. É também o nome oficial da terra. Não se justifica a afirmativa do ilustre historiador Coriolano de Medeiros, atribuindo ao coronel Manuel de Araújo Carvalho a fundação do atual município do Piancó. No tempo da ocupação e povoamento do semi-árido paraibano, não foi o município que tem hoje este nome o teatro das façanhas do capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, bem como do coronel Araújo, mas o antigo arraial cujo nome era Piancó, que depois se chamou povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Piancó e, finalmente, vila e cidade de Pombal.

O Piancó foi, na verdade, a primeira localidade batizada oficialmente com a categoria de povoação. A jurisdição desta povoação abrangia todo o sertão das Piranhas, cujos limites se estendiam desde o sertão do Cariri Velho, na Paraíba, até a vila do Icó e o sertão do Jaguaribe, no Ceará; desde o sertão do Pajeú, em Pernambuco, até o vale do Jucurutu, no Rio Grande do Norte. Era muito vasto o território da antiga povoação do Piancó, como se vê do documento que abaixo transcrevemos, extraído do acervo do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, o qual traz a divisão e limites da antiga povoação do Piancó, bem como seus distritos, extremas e compreensão:


Esta povoação se divide, pela parte do nascente, com o sertão do Cariri, cuja divisão lhe faz a serra chamada Borborema, e, da parte do poente, com o sertão do Jaguaribe e vila do Icó, e tem de distância, de uma a outra extrema, pouco mais ou menos cinqüenta léguas; ficando-lhe no meio, com pouca diferença, a dita Povoação de que se trata, por detrás da qual, da parte do poente, corre o rio chamado Piancó, que tem seu nascimento na mesma serra da Borborema, e em distância de meia légua, abaixo da povoação, se une com o rio Piranhas, o qual também nasce na serra da Borborema, e corre buscando quase o nascente, e faz barra no mar, donde lhe chama Açu, distrito do Rio Grande, cidade do Natal, cuja Capitania se divide do distrito dessa povoação em uma fazenda de gados, à beira do rio Piranhas, chamada Jucurutu, da qual a esta Povoação distam vinte e cinco léguas, e da mesma Povoação, buscando o sul, pelo rio Piancó acima, até o sertão do Pajeú, nessa mesma ribeira, em distância de trinta léguas, extrema o distrito desta mesma Povoação, capitania da cidade da Paraíba, com a capitania de Pernambuco. Na compreensão deste distrito, correm vários riachos, abundantes de água pelo inverno, a saber: rio do Peixe, Espinharas, Sabugi, Seridó e Riacho dos Porcos, que são os principais, e nenhum destes é navegável, porque, pelo verão, secam tanto, que só conservam poços em alguns lugares, e em outros apenas águas de cacimbas. Nenhum desses riachos tem nascimento porque só se fertilizam, para correr, com águas de chuvas, e correndo, vão todos desaguar no rio acima dito, Piranhas.

 

Crescia consideravelmente a povoação do Piancó. Novos colonos apareceram, vindos de todos os quadrantes, adquirindo terras para a criação de gado. E, como sucede em tais ocasiões, à terra conquistada afluía grande porção de gente desocupada e desordeira, avultando o número de crimes e a corrupção de costumes, sendo por isto necessária a instituição de um Julgado, com jurisdição civil e criminal em todo o território da povoação. O então governador da Paraíba, João da Maia da Gama, em carta dirigida a Sua Majestade, em 1710, informava que os sertões desta Capitania “achavão-se muito povoados de gente, fazendas de gado, e entre muitos sítios se acha o das Piranhas, Pahó e Careris, com povoação, capela e capelão, que lhe administra os sacramentos; distão esses logares cincoenta, sessenta e oitenta légoas desta praça (...)”.

Pedia o governador então a el-rei que fossem criados dois Julgados nos sertões da Paraíba. Para o Julgado do Piancó foi nomeado juiz, pelo governador da Paraíba já citado, João da Maia da Gama (que tomou posse em 1708), o coronel Manuel de Araújo Carvalho, empossado no cargo em 1711. O Cartório do 1º Ofício da Comarca de Pombal não possui o primeiro Livro de Notas do Julgado de Piancó (1711). Tem o segundo, o de 1719, quando o juiz ordinário não era mais o coronel Araújo.

O coronel Araújo era casado com a paraibana Ana da Fonseca Gondim. Deste casal nasceram dois filhos, um dos quais, Manuel de Araújo de Carvalho Gondim, formou-se em cânones pela Universidade de Coimbra, e, quando regressou ao Brasil, foi nomeado deão da catedral de Olinda.

Não se sabe quanto tempo demorou o coronel Araújo nos sertões da Paraíba. Certo é que, depois de concluída sua administração à frente do Julgado de Piancó, foi residir no rio do Peixe, onde possuía duas propriedades, denominadas Olho d’Água e Brejo, adquiridas por arrendamento à Casa da Torre da Bahia.

Como já tivemos oportunidade de comentar, noutro trabalho, podemos afirmar, sem medo de contestação, que, antes de uma entrada genuinamente paraibana, partindo do litoral e percorrendo a região que vai desde a foz do Paraíba aos contrafortes de Santa Cantarina e Bongá (no extremo oeste do nosso território), os campos dos jenipapos, coremas, panatis, pegas e icós pequenos já estavam devassados pela famosa Casa da Torre.

Foi ela sem dúvida quem primeiro abriu caminho nos descampados e acidentes da terra ignorada e misteriosa. Foi ela a primeira também a ocupar as terras do Piancó, Piranhas de Cima e Rio do Peixe, a partir de 1674, quando o coronel Francisco Dias d’Ávila, transpondo o rio São Francisco, subiu o seu afluente Pajeú, daí se comunicando com a bacia do Piranhas, na Paraíba.

Outra via de penetração da Casa da Torre teve como princípio a estrada de comunicação ligando a Bahia à região do Piauí, e foi justamente aquela em que o coronel d’Ávila, margeando o rio São Francisco, seguiu a direção norte até chegar ao distrito de Jacobina, aliás uma das passagens mais freqüentadas por antigos sertanistas, que se comunicavam com aqueles dois Estados. Por ali é que se abria entrada para a descida do gado dos sertões piauienses para a Bahia, empresa que contou, além da Casa da Torre, com a ajuda do sertanista Domingos Afonso Sertão, missionários e índios de Juazeiro e Pontal.

Partindo dos sertões do Piauí, tomou a Casa da Torre rumo oposto às suas primeiras expedições e, imprimindo outro roteiro, atravessou a chapada do Araripe, descendo o rio Salgado até chegar ao Icó, daí se comunicando com as Piranhas de Cima e Rio do Peixe. Foi certamente uma das rotas de penetração da Casa da Torre, por onde, durante anos, importante parte do território paraibano começou a receber as primeiras sementes de gado com que se fundaram as primeiras fazendas e currais.

Foi a fazenda de gado que realmente fixou o homem no sertão da Paraíba, enquanto determinava a política de desbravamento e penetração do progresso “ao coração da terra”, afastando o colonizador da beira do mar, deixando de arranhar as praias feito caranguejo, na pitoresca comparação de frei Vicente de Salvador.

O novo homem paraibano, surgido dos escombros das guerras holandesas, em 1654, sentia-se “um povo e um povo de heróis”, mas estava economicamente acabado. Enquanto muitos recompunham, como antigos senhores de engenhos que eram, as suas fábricas de açúcar e começaram a levantar os canaviais na várzea do Paraíba, outros, os mais modestos, porém mais afoitos, optaram pela pecuária, levando o gado para o sertão, estabelecendo aí a criação, embora que tivessem daí por diante de sustentar lutas terríveis com os índios tapuias, que se julgavam, e eram de fato, os legítimos e possuidores das ricas terras do sertão paraibano.

Segundo Nelson Werneck Sodré, “foi a criação de gado que nos deu a segunda dimensão da terra brasileira”. E Tereza Patrone acrescenta que foi a pecuária que deu ao homem colonial a noção do valor econômico das áreas que não apresentavam riquezas minerais e que não se prestavam para outras atividades comerciais.

Havia no lado baiano do rio São Francisco a opulenta Casa da Torre, fundada por Garcia d’Ávila, e que se tornou com o tempo o maior feudo do Nordeste, e tinha como principal objetivo a criação de gado, de que possuía extensíssimas fazendas. A Casa da Torre, seu imenso Castelo, “único em tipo inteiramente feudal, desde o espírito à construção, em terras brasileiras, até hoje deixa ainda ver as suas ruínas, seus calabouços, suas ameias destroçadas, como símbolo de um passado que ainda pesa”, no dizer de Pedro Calmon.

Capistrano de Abreu diz bem que as terras dos Dias d’Ávila cobriam mais de 70 léguas entre São Francisco e Parnaíba. Todavia, carece de fundamento a afirmativa do grande mestre de Caminhos antigos e povoamento do Brasil, quando assegurava que a Casa da Torre, “para adquirir as imensas propriedades, gastara apenas papel e tinta em requerimento de sesmarias”. Pedimos vênia para discordar do eminente historiador brasileiro. Se realmente alguns dos representantes da Casa da Torre preferiam viver perto de seus engenhos e no aconchego e comodismo do Recôncavo, outros, os mais destemidos e afoitos, optaram pelo trabalho da conquista, varando os sertões desconhecidos e misteriosos, com o objetivo de aumentar cada vez mais seus domínios territoriais.

Sobre o assunto, cremos que melhor informado andou o autor de Bandeirantes e Sertanistas Baianos, Borges de Barros, que, referindo-se ao coronel Francisco Dias d’Ávila, o segundo deste nome, disse que não foi este, como querem alguns historiadores, “um inerte, que vivia na capital, a auferir as rendas dos bens deixados pelo avô”. E, ainda em abono da verdade, tomemos o depoimento do padre Martim de Nantes, missionário capuchinho e evangelizador dos índios cariris, quando, escrevendo sua preciosa obra Rélation succinte, afirmou que o sertanista baiano Francisco Dias d’Ávila, durante um encontro que com este mantivera no rio São Francisco, lhe declarou que se achava ausente da Casa da Torre há mais de quatro anos. Ou, no original francês:

 

J’ai éte absent de ma Maison de la Torre près de quatre ans, vivant sur le fleuve avec beaucoup d’incommodit.

 

O coronel Francisco Dias d’Ávila morrera em 1695, quando as suas terras, com gadaria, se espalhavam até Jeremoabo, Inhanbupe, Itapicuru, Juazeiro, rio Salitre e Jacobina, seguindo até as nascentes do rio Real. Um mundo que já começava penetrando os sertões de Pernambuco, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. No tempo da conquista dos sertões paraibanos, era o coronel Francisco Dias d’Ávila a maior figura representativa da Casa da Torre, não obstante o barão de Studart lhe ter deformado um pouco a personalidade. Dele dizia Studart, preconceituosamente:

 

Era realmente pequeno de alma e de corpo. O interesse nele excedia ao físico, que era de acanhadas proporções.

 

Era um homem riquíssimo para a época em que viveu. Com sua morte, sua esposa, dona Leonor Pereira Marinho, é que assume a responsabilidade dos negócios da Casa da Torre. Enquanto pôde, sustentou os ilimitados domínios territoriais pertencentes à instituição. Foi ela quem obrigou, certa vez, ao governador geral do Brasil, dom Rodrigo da Costa, a declarar ao cabo de guerra dos paulistas, Morais Navarro, que lhe pertenciam “os distritos do Piancó, Piranhas, Rio do Peixe, Açu e Jaguaribe e seus sertões varejados e descobertos à custa da Casa da Torre”.

A Casa da Torre, graças ao regime latifundiário que instituíra no Nordeste brasileiro, detivera em suas mãos quase um terço das terras do sertão da Paraíba. Era sesmeira no Piancó, Piranhas de Cima e Rio do Peixe. No Livro de Notas do Cartório de Pombal, encontramos diversas escrituras públicas, relativas aos domínios territoriais da Casa da Torre, também conhecida como Casa de Tatuapara. A escritura de arrendamento que fizera, em 1702, o capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, de 16 propriedades situadas no rio do Peixe e pertencentes à Casa da Torre, prova o marco de sua expansão povoadora no sertão da Paraíba.

Ainda a propósito do arrendamento de propriedades pertencentes à Casa da Torre, propriedades espalhadas pelo rio do Peixe, somente Teodósio de Oliveira Ledo, um dos primeiros colonos a pisar o solo da ribeira do Rio do Peixe, arrendou, de uma vez, em 1702, como se vê, cerca de 16 delas, como ele mesmo declara naquele documento transcrito no mesmo Cartório:

 

Digo eu, capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, que ocupo dezesseis propriedades da senhora Leonor Pereira Marinho, no riacho do Peixe, vertente do rio das Piranhas; por assim ser verdade e me ser pedido passei esta por mim feita e assinada, de junho 26 de 1702.


 

Quatro anos depois, arrendava mais 12 propriedades, conforme o documento:

 

digo eu, capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, que arrendei à senhora Leonor Pereira Marinho, doze sítios de terra, sitos no rio do Peixe, com todos seus logradouros e pertences, para neles criar meus gados e demais colonos, dos quais sítios pagarei por cada um deles todos os anos um frango; este arrendamento me concede a dita senhora, enquanto Deus me fizer mercê da vida, e depois desta tornarão meus herdeiros a restituir à dita senhora ou a seus herdeiros, sem contradição alguma.

 

Leonor Pereira Marinho, à época daqueles arrendamentos, já estava viúva do coronel Francisco Dias d’Ávila, o segundo deste nome e o quarto senhor e morgado da Casa da Torre. Era ele o mais intrépido sertanista, dentre os descendentes do velho Garcia d’Ávila, fundador da Casa de Tatuapara. Foi ele, ainda, quem aumentou os imensos domínios da Casa da Torre, com as sesmarias no estremo oeste da Paraíba.

Por outro lado, diz-se também que teria sido Teodósio o fundador de Campina Grande. A carta do governador Albergaria a el-rei, no entanto, trouxe informes mais precisos sobre o assunto. O governador, na missiva, refere-se ao pedido de Teodósio de marchar novamente rumo ao interior, para criar um arraial mais seguro. Foi justamente nessa vinda à capital da Paraíba que Teodósio lhe trouxe informes sobre o famoso troço ou ajuntamento que tapuias chamados de “ariús”, aldeados, sob o chefe Cavalcanti, junto com os cariris, numa “campina grande” que deu nome à atual cidade e município. Veja-se, a propósito, o trecho da carta do governador Albergaria sobre este ponto:

 

Trouxe consigo, Senhor, uma nação de Tapuias chamados Arius, que estão aldeados junto aos cariris, aonde chamam campina grande, e querem viver como vassalos de V. Majde. E reduzirem-se à nossa Santa Fé Católica, dos quais é principal um Tapuia de muito boa traça e muito fiel, segundo o que até o presente tem mostrado, chamado Cavalcanti, os quais foram com o dito capitão-mor e 40 cariris e 16 índios, que tirei das aldeias e dez soldados desta praça.

 

A carta de Teodósio a Albergaria analisada demonstra que Teodósio tinha certos conhecimentos, a qual passo a ler:

 

Sr. Governador:

 

A minha vontade era aquela de dar a V. S. do sucedido mais breve, o que não tenho feito pelo tempo mo não permitir, como também pelo longo desta Campanha, o que de presente faço de todo sucedido.

Em primeiro lugar para dessa cidade com o adjutório de V. S. vindo rompendo esta Campanha com muita moléstia por causa das grandes investidas, passando muitas necessidades e misérias de fomes; porém com o favor de Deus cheguei contudo a salvo e em paz a este arraial de pau ferrado, nos primeiros de abril e dali há 9 dias de minha chegada me veio um aviso do meu gentio, que distante do arraial três léguas estavam em como com eles se haviam encontrado trinta ou quarenta tapuias brabos, que me vinham a buscar de paz e que em toda caso os socorresse pelo receio que tinham de que lhe sucedesse algum dano, o que fiz logo com a maior parte da gente ficando o arraial guarnecido com dezesseis homens. Com um cabo e com todo o cuidado me pus em viagem, pelas oito horas da noite e cheguei aonde estava o meu gentio, e outro dia pelas dez horas do dia chegaram os brabos, que eram de uma aldeia chamada corema a pedir-me pazes dizendo que queriam ser leais a El Rei meu senhor; e lhas concedi com ditames de procederem contra os nossos inimigos e com obrigação de conduzirem o seu mulherio para o arraial de baixo das armas; aceitaram o partido e com este pressuposto se foram; e daí a 23 dias chegaram com todo o seu mulherio ao dito arraial e daí a mais breve que pude dando tempo lugar me pus em marcha para a guerra com todo nosso índio também os das pazes, rompendo a Campanha com muita moléstia pelos mais convenientes de dar no inimigo sem ser sentido e acabo de 18 dias cheguei a uma planta do inimigo, de onde se havia retirado pondo-me em seu segmento; daí há seis dias me vieram novas dos descobridores em como o inimigo tinha voltado do rumo em que ia a outro mais vizinho a mim. Marchei com todo cuidado e outro dia pelas cinco horas da tarde estando alojado em o rio chamado Apodi me vieram novas dos descobridores, tinham chegado a um rancho donde se havia levantado o inimigo naquela manhã. Na mesma hora me pus em marcha e cheguei pelas 8 horas da noite ao dito rancho e daí mandando descobrir coisa de légua e meia,  estavam alojados vizinhando-me mais a ele deixei ficar as munições com dez homens de sua guarda e ao romper do dia dei sobre ele, com toda a disposição possível tendo-me ele o encontro com valor porém quis Deus que dessa a V. S. o quanto de alcançar a vitória durante a peleja até às 9 horas do dia, e ela acabada se acharam da parte do inimigo trinta e dois mortos e setenta e duas presas e muita quantidades de feridos e da nossa parte não perigou nenhum e só me feriram seis homens; e das presas mandei matar muitas por serem incapazes; e só digo que em o dia de Santa Justa e Rufina, em uma quinta-feira, venceu V. S. duas batalhas. Esta de presente referida e as pazes que aqui se confirmaram pelos inimizar com as mais nações; e hoje não lhe fica lugar a buscarem por amigos mais que aos brancos; e ao depois de toda a batalha vindo-me retirando com três dias de viagem me vieram seguindo os inimigos e andando o meu gentio a caça pela necessidade em que vinha apanhado-os fora do troféu me mataram quatro homens. Quis me por em seu segmento, não foi possível por vir falto de mantimentos e somente lhe dei uma avançada, em que lhe feri alguns homens e a 27 de julho cheguei a este arraial.

Ao ajudante Manoel da Câmara, entreguei os quintos de El Rei meu Senhor e ele fará a entrega a V. S. E aqui fico nesta campanha para o que V. S. me ordenar, a quem Deus guarde. Pinhancó (Piancó) de agosto 6 de 698 anos. Humilde soldado de V. S. Teodósio de Oliveira

 

Com o apoio nesta carta e noutros documentos, redigiu o autor de Notas sobre a Paraíba uma curiosa narrativa, abordando o itinerário de Teodósio em busca do sertão paraibano. Diz Elpídio de Almeida, mais recentemente, em sua História de Campina Grande, que a descrição de Irineu Joffily “não está de acordo  com a realidade histórica”.

A propósito, eis o trecho completo de Irineu Joffily, em suas Notas sobre a Paraíba, trecho este censurado por Elpídio de Almeida:

 

Com o auxílio do governo, formaram-se duas fortes bandeiras e partiram à conquista do sertão. O capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, comandante de uma delas, chegando à missão do Pilar, teria seguido sua viagem acompanhando o rio Paraíba, até o boqueirão da serra do Carnoíó, onde fez demorado acampamento, fundamento da atual povoação de igual nome; se ela já não estivesse fundada, como faremos notar adiante. Continuando a sua descoberta, o capitão-mor achou-se na junção do rio Paraíba com o Taperoá, e seguiu pela vale deste, ao norte, até que entre o riachão Timbaúba e o de Santa Clara, encontrou as hostes cariris (provavelmente os sucurus), embargando-lhe a passagem. A bandeira avançou sempre, desceu a Borborema, ao poente, e chegou a Piranhas”.

 

Sobre isto, comenta Elpídio de Almeida que

 

“esse itinerário foi mais ou menos o que percorreu Antônio de Oliveira Ledo, quando certamente Teodósio não havia ainda chegado à Paraíba. E foi seguido várias vezes antes que este sertanista o tivesse palmilhado em 1694. Antônio de Oliveira voltou a perlustrá-lo em 1682, ao retornar da Capital, onde fora apresentar-se ao governador e registrar na Câmara a patente de capitão de Infantaria da Ordenança. O mesmo fez Constantino de Oliveira Ledo, com igual fim, em 1688, depois de nomeado capitão-mor das Piranhas, Cariris e Piancós”.

 

Ainda a propósito desse episódio da conquista dos sertões da Paraíba e reforçando conceito emitido pelo historiador Capistrano de Abreu, outro autor, Horácio de Almeida, no segundo volume de sua História da Paraíba, diz textualmente:

 

Entra-se agora na fase mais interessante da história, a conquista do sertão. O obscuro período das entradas alguns historiadores tentaram esclarecer à base de conjecturas, que documentos posteriores anularam. Irineu Jóffily, com a visão que teve do fato histórico, acabou por considerar esse período um desafio ao investigador do futuro. De fato, para elucidação de uma das quadras mais dramáticas, cheia de aventuras e lutas heróicas, escasseiam informes. Alguns acontecimentos, entretanto, poderão ser restabelecidos para perenidade da verdade histórica.

 

O autor da mesma História da Paraíba assegura ainda que o levantamento para a História do Sertão da Paraíba somente seria possível “através dos requerimentos e concessões de sesmarias”. Realmente, a conquista e povoamento do interior paraibano processou-se através do sistema de sesmarias.

A sesmaria era uma graça especial pela qual o soberano de Portugal concedia terras “devolutas e desapropriadas” às pessoas que as queriam adquirir e explorar para as suas atividades agrícolas e pastoris. Esse sistema, ao que se sabe, não deu bons resultados, embora considerado excelente para a época de nossa conquista e colonização.

No entanto, tal experiência demonstrou, com o correr do tempo, que as sesmarias ou datas de terras, como eram chamadas no interior do Nordeste, constituíram-se em verdadeiros germes de discórdias e conflitos, no princípio entre sesmeiros e índios e, mais tarde, entre aqueles e os colonos, que eram realmente os que trabalhavam e cultivavam as nossas terras, “que aqui vieram, viram, ficaram e povoaram a terra, e estabeleceram cultura, e tiveram o sentimento de a eleger para domicílio e trouxeram o seu rebanho”, como já expresso por um autor.

Diz Maximiano Lopes Machado, na sua História da Província da Paraíba, que o governador João da Maia da Gama tudo fez para desmascarar o feudalismo da Casa da Torre. Ele, o governador, chegou até a denunciar a el-rei, pedindo inclusive que a atenuasse, a tirania com que os representantes de tal instituição empresarial, secular e administrativa afligiam os colonos que trabalhavam e cultivavam as terras.

Parece que foi João da Maia da Gama a primeira autoridade governamental de nossa região a se insurgir, em favor dos colonos, contra os poderosos titulares das grandes sesmarias. Na representação que encaminhara ao soberano português, dizia o então governador:

 

Confesso, Senhor, a Vossa Majestade, que, tendo eu corrido todos os domínios de Vossa Majestade, em Portugal, Índia, Brasil, me parece que não achei alguma aonde os vassalos de Vossa Majestade experimentassem de outro vassalo mais violências; em matéria mais digna da real atenção de Vossa Majestade; e poder falar nesta matéria, confesso e tomo Deus como testemunha (...).

 

Esta representação não teve uma solução imediata, e continuou a desafiar a inteligência, a argúcia e o patriotismo dos governantes daquela época colonial, até que, decorridos 36 anos daquela representação, foi em parte decidido o prélio, através da Carta Régia de 20 de outubro de 1753, que revogava as grandes sesmarias concedidas na Paraíba à Casa da Torre e aos Oliveira Ledo, e ordenava que eles tirassem novas sesmarias, e igualmente todos aqueles que possuíam terras daqueles dois senhorios, por qualquer título que fosse.

 

OS TITULARES DAS SESMARIAS

 

Titular de sesmaria, segundo Barbosa Lima Sobrinho, em seu livro O Devassamento do Piauí, afirma que “não era aquele que estava disposto a trabalhar e cultivar um pedaço de terra, mas o homem da cidade, o homem influente e com prestígio bastante junto ao Governo, e que sabia requerer as cartas de sesmarias, e cuja concessão não demoraria muito a chegar, com a obtenção do deferimento e da confirmação. Os governos, por sua vez, não conheciam a própria geografia do País; opinavam e decidiam em face de alegações dos pleiteantes, que muitas vezes tinham interesse em reivindicar limites imprecisos para as sesmarias, a fim de que pudessem ampliá-las, na realidade, até onde chegasse a tolerância dos posseiros e do governo”.

Toda vez que a conquista avançava em busca do interior choviam as cartas de sesmarias. Raras vezes se inscreviam nesse páreo os que estavam decididos e interessados a habitar as terras conquistadas. Era comum ver os mesmos nomes, quase sempre de pessoas poderosas, como titulares de sesmarias em todas as zonas desbravadas, por mais distantes que ficassem umas das outras.

As sesmarias doadas ou concedidas na Capitania da Paraíba, como igualmente acontecia com outras Capitanias do Brasil, eram quase sempre atribuídas a grupos ligados entre si por laços familiares e que se reuniam para requerer concessões de terras, muitas vezes em porções excessivas, muitas das quais não pertenciam ao grupo Oliveira Ledo, nem tampouco ao da Casa da Torre.

Tais sesmeiros obtiveram datas de terras nos sertões paraibanos e concedidos pelo Governo Geral do Brasil, com sede na Bahia. Por isso mesmo é que ficaram esses à margem das sesmarias divulgadas por João de Lira Tavares e Irineu Jóffily, autores, respectivamente, dos livros Apontamentos para a História Territorial da Paraíba e Sinopsis das Sesmarias da Paraíba.

Não vamos mais alongar a nossa conversa. Antes, porém, nos obriga a dizer o seguinte: enquanto não contamos com todo o acervo documental espalhado por vários pontos do nosso país e do estrangeiro não é possível qualquer tentativa para se escrever a História da Paraíba. Uma história, aliás, que sintetize a sua realidade profunda, objetiva e institucional.

Muitos fatos importantes de nossa história estão ainda nos arquivos, onde há muita luz escondida, aguardando a mão libertadora. Se antes era tarefa difícil a realização de qualquer pesquisa tanto no nosso país como no estrangeiro, hoje, entretanto, já não o é, principalmente se levarmos em consideração o progresso técnico, científico e cultural dos nossos dias.

Não procede o argumento do ilustre historiador Horácio de Almeida quando afirmou que não era preciso ir a Portugal para obter informações acerca da História da Paraíba. Tudo quanto já se disse a respeito, foi inventariado por Eduardo de Castro e Almeida e divulgado, em catálogo, de sete grossos volumes.

Discordamos, data vênia, do ilustre autor de História da Paraíba. Podemos falar com autoridade, porque fomos nós um dos primeiros a divulgar o acervo documental existente no arquivo da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, onde estivemos pesquisando alguns anos atrás. Ali encontramos uma infinidade de documentos e cópias xerográficas, que foram cedidos, segundo estamos informados, pelo ilustre professor pernambucano José Antônio Gonsalves de Melo. Tratamos de ler toda aquela documentação extraída do Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, cuja divulgação permitiram o conhecimento de determinados fatos e cousas do nosso passado, além de oferecer perspectivas para novas interpretações da história paraibana.

Não podemos mais nos alongar nestas considerações. Aproveitamos, pois, o ensejo para apresentarmos os nossos votos de aplauso e congratulações à Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, na pessoa do seu ilustre presidente, Luiz Hugo Guimarães, pela feliz e oportuna iniciativa que teve, promovendo este Ciclo de Debates, em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do Brasil.

 

· · ·

 

A fala do Presidente:


Conforme previ ao anunciar a palestra do confrade Wilson Seixas, tivemos hoje o esclarecimento definitivo de como se processou a conquista do nosso interior.

Baseado em documentos, em fontes de primeira qualidade, e escorado no seu passado de atento pesquisador, freqüentador de velhos cartórios, Wilson Seixas nos traz a verdade sobre a interiorização paraibana.

Com a responsabilidade com que tem tratado todos os temas dos seus trabalhos, ele chega a contestar os mais destacados historiadores locais e nacionais. Discorda do ponto de vista de historiadores do quilate de Capistrano de Abreu, de Horácio de Almeida, Coriolano de Medeiros e Elpídio de Almeida. Mas, não discorda por discordar. Corrige os enganos cometidos por eles, citando documentos incontestáveis. E esclarece, com segurança, a posição do desbravador Teodósio de Oliveira Ledo na conquista do sertão paraibano de par com os representantes da Casa da Torre.

Acho que este capítulo da nossa História, agora está definitivamente esclarecido, bem como as dúvidas existentes sobre o Arraial do Piancó. Estamos de parabéns por esta valiosa colaboração à nossa historiografia.

Não tendo a debatedora designada, confreira Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus, podido comparecer a esta sessão, por motivo justificado, concedo a palavra ao primeiro participante inscrito, o consócio Guilherme d’Avila Lins.

 

1º participante

Guilherme d’Avila Lins (Sócio do IHGP e presidente do Instituto Paraibanos de Genealogia e Heráldica):

 

O que ouvi aqui hoje foi uma belíssima, rara e completa história da conquista do sertão, partindo de quem tem plena autoridade para fazê-lo, porque fundamentou o que disse em fontes primárias. Wilson Nóbrega Seixas é uma pessoa por quem tenho o mais profundo respeito e amizade, e quero dizer de público que foi em Wilson Nóbrega Seixas que eu me inspirei para tentar fazer um estudo autodidata de paleografia, já que ele é um dos grandes paleografistas deste Estado. Essa é a grande vantagem metodológica que ele tem, pois escreve a partir das fontes que ele lê.

Vi aqui uma belíssima lição do linguajar do século XVI nas transcrições documentais que ele fez, falando da ffé, com dois f, de Piancó, com nh e de trechos de frases inusitadas. Uma lição de linguagem do final do século XVII e do início do século XVIII. Foi realmente maravilhoso; fiquei transportado para essa época ao ouvir aquelas transcrições seguras, em que Wilson fala do sistema sesmarial e remete implicitamente à necessidade do conhecimento da história administrativa deste país, tão pouco ressaltado e tão necessário para se fazer história. Wilson Seixas passeia com uma intimidade em cima da história que causa a gente uma sensação de estar vendo um belíssimo filme com imagens muito nítidas.

Fala de Garcia d’Avila, aquele antigo feitor da Alfândega do Governador Tomé de Souza, que veio a construir um império e através dos séculos estendeu terras desde Tatuapara, a 14 léguas de Salvador, até o Maranhão, e que tem uma enorme importância nessa conquista do nosso sertão. Fala no clã dos Oliveira Ledo. Enfim, não deixa escapar nem Martim de Nantes com sua Rélation Succinte que, se não fora uma tradução que foi feita pela Brasiliana em pequeno formato, restaria apenas a raríssima edição primeira, da qual poucas pessoas já viram o texto. Contesta Capistrano, Horácio de Almeida, Coriolano, Barão de Studart, nem escapa frei Vicente do Salvador, com caranguejos que roçavam a beira da praia. Eu estou embevecido, meu caro Wilson, com esta bela aula que ouvi aqui.

 

Humberto Cavalcanti de Mello (sócio do IHGP e membro da Academia Paraibana de Letras):

 

Não foi surpresa, absolutamente, para quem conhece as qualidades de pesquisador de Wilson Seixas, essa demonstração brilhante. Gostaria de fazer uma pergunta a Wilson sobre um aspecto um tanto controvertido, porque temos historiadores paraibanos que afirmam uma coisa e historiadores norte-riograndenses que afirmam o contrário. É sobre o problema dessa conquista do sertão no que diz respeito ao problema do Seridó do Rio Grande do Norte. Até que ponto ele esteve integrado na Paraíba, como foi que ele saiu. Se a Vila do Príncipe, hoje Caicó, se realmente pertenceu ao território paraibano e foi integrada por essas conquistas de Oliveira Ledo.

 

Wilson Nóbrega Seixas: Esta questão a que Você se refere tem mais um sentido religioso. É preciso esclarecer que antes toda aquela região pertencia à Paraíba; principalmente a região do Piancó, que ia até o Apodi, ia até o Rio Grande do Norte, tanto que nossos historiadores, como Elpídio de Almeida, falam em Domingos Jorge Velho, achando que ele não esteve no Piancó, porque todos os historiadores achavam que Piancó era a atual cidade, mas Domingos Jorge esteve lá no Piancó, porque, na época, o Piancó compreendia todo o Rio Grande do Norte. Quando ele disse que partiu de lá com mil e tantos homens para Palmares, partiu do Piancó, porque o Piancó abrangia toda aquela região. De modo que ele estava certo, embora muita gente condene Rocha Pita, autor de América Portuguesa. Mas ele estava absolutamente certo, porque quando ele disse que Domingos Jorge  partiu do Piancó, ele estava se referindo ao Piancó que se estendia até o Rio Grande do Norte. Quando fiz pesquisa no Cartório de Pombal localizei parentes de Rocha Pita morando em Catolé do Rocha e Brejo do Cruz, onde tinha uma fazenda lá denominada “Pitas”, que pertencia à família de Rocha Pita. Quando ele fez aquele livro, em 1732, o sertão todinho era Piancó. Depois veio o problema religioso, mas aí é uma questão das freguesias. A freguesia de Pombal, por exemplo, pertencia exatamente àquela área civil. Tudo aquilo pertencia ao curato do Piancó, cuja sede era Pombal. Pombal era a principal freguesia, que tinha as capelas de Sousa, que era Nossa Senhora dos Remédios, de Piancó, que era Santo Antônio, a capela de Patos e a capela de Santana, que era Rio Grande do Norte. Tudo pertencia a Pombal. Quando o ouvidor geral da Paraíba visitou o sertão todo passou em Pombal e depois foi para o Rio Grande do Norte e esteve em Açu, criou a vila de Açu e instalou a vila de Caicó, voltando, depois, para a Paraíba. D. Adelino falando sobre aquela região diz que foi questão religiosa. Havia uma fazenda perto de Santa Luzia e Caicó, cujo proprietário queria ser devoto da igreja de Santana e não de Bom Sucesso, que era Pombal. Então foi feita a divisão, ficando aquela parte todinha para o Rio Grande do Norte, quando na verdade pertencia à Paraíba.

 

2ª participante

Maria do Socorro Xavier:

 

Parabenizo os debatedores anteriores. Notei que o expositor em seu trabalho até se assemelha a Capistrano de Abreu em seu livro Caminhos Antigos e Povoamentos, pois em sua exposição demonstra conhecer todos os caminhos, os percursos do sertão.

Sabemos que foi muito importante a conquista do interior paraibano. Era muito diferente essa sociedade do interior da sociedade litorânea, aristocrática do açúcar, bastante elitista e europeizante, enquanto a cultura do interior foi mais liberal, em que o vaqueiro – aquela   figura típica e humana dos sertões, foi muito peculiar, muito importante. A gente nele vê uma ascensão social dentro daquela sociedade. Havia aqueles grandes latifundiários e o vaqueiro, tirando a sorte do gado, com suas parcas economias, tinha permissão para comprar pedaços de terras dentro daquele latifúndio e se tornar um próximo fazendeiro e um próximo dono de currais. Ficou uma sociedade mais próxima, não tão estanque como a sociedade aristocrática do açúcar, em que aqueles subalternos do fazendeiro tinham mais acesso aos fazendeiros, permitindo o vaqueiro ascender socialmente. Acho que a sociedade verdadeira brasileira foi a sociedade do interior, foi a sociedade do gado, foi a sociedade do sertão.

Quanto aos primeiros desbravadores, foram registrados Teodósio de Oliveira Ledo, na Paraíba; os Garcia d’Avila, da Casa da Torre, na Bahia; e os Manoel de Araújo Carvalho, lá no Pajeú e também no vale do Rio do Peixe, como salientou muito bem o palestrante, Wilson Seixas, profundo conhecedor do assunto.

Gostaria que fosse ressaltado nessas palestras o papel das mulheres na história da Paraíba. Nós sabemos que nessa fase teve Adriana, filha de Teodósio de Oliveira Ledo, cujo matriarcado exerceu em Barra de Santa Rosa. Gostaria de saber do expositor se a cidade de Barra de Santa Rosa tem a ver com o matriarcado de Adriana, filha de Teodósio. Outra também, Ana de Oliveira, filha de Custódio de Oliveira Ledo, irmão de Teodósio, pois consta que existe até uma fazenda chamada “Ana de Oliveira”; gostaria de saber se ainda existe esta fazenda e se a mesma pertence a algum membro dessa família. Consta também uma Verônica, que foi uma mulher muito brava, tendo desbravado as primeiras matas, subiu a ladeira da Serra de Teixeira e fixou um povoamento na Serra de Teixeira. Certo que o nome de Teixeira não tem nada a ver com isso, que se originou de uma pousada cujo proprietário se chamava Teixeira. Tem também a Mãe Aninha, de Cajazeiras, uma mulher muito caridosa, muito carismática, corajosa, bondosa, que fez muito pela população carente de Cajazeiras.

Parabenizo mais uma vez o Ciclo de Debates, que está cada dia cada vez melhor com seus profundos conhecedores da História da Paraíba.

 

3º participante

Joacil de Britto Pereira (sócio do IHGP e presidente da Academia Paraibana de Letras):

 

Sobre o assunto daquela parte do território paraibano que foi tomada pelo Rio Grande do Norte, eu gostaria de acrescentar algo além do aspecto religioso, da questão religiosa, que vem até o tempo de D. Adauto, nosso arcebispo. Essa parte religiosa foi comandada pela Paraíba. A tomada desse território da Paraíba,  foi um abraço que o Rio Grande do Norte deu na cintura do nosso Estado, que quase tora pelo meio, como se diz no baião. Pois bem, Caicó, Jardim de Piranhas, Jardim de Seridó, Acari, até ali Santa Luzia, até São José de Sabugi, tudo aquilo era da Paraíba. Não foi só a questão religiosa que levou a essa disputa, mas a vitória do Rio Grande do Norte sobre a Paraíba, reduzindo o seu território. E eu digo isso com desgosto, apesar de ser riograndense do norte de nascimento, mas sou paraibano por adoção e de coração, se deveu ao prestígio político de um homem que era íntimo do Imperador, um grande latinista, o senador Brito Guerra, por sinal meu parente pela ancestralidade. O senador Guerra era padre, homem de muita cultura, grande latinista e fundou a primeira escola de Latim no Rio Grande do Norte, em Caicó. Mas ele conseguiu aquilo graças à sua amizade com o Imperador, graças à sua obstinação pela idéia de ampliar o território do Rio Grande do Norte e, principalmente ao seu prestígio político. A bancada da Paraíba não tinha muito prestígio, embora representada por 17 membros, que nada fizeram. Isso é contado em prosa e verso no Rio Grande do Norte.

Era apenas esse adendo que queria fazer, mas, com a permissão do Sr. Presidente, quero lembrar que hoje é a data do sesquicentenário do nascimento de um dos maiores paraibanos de todos os tempos, que se chamou senador Gama e Melo. Esse homem foi um exemplo de dignidade, de altivez, de cultura, pois era um filósofo. Era um tradicional monarquista paraibano. Logo após o governo de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto o convidou para ser Ministro da Justiça, e ele recusou o convite dizendo, em carta, que sempre foi monarquista e não podia aceitar aquele cargo tão honroso porque iria ficar mal com sua consciência. E eu pergunto, então, qual dos homens públicos que neste país, hoje, e no nosso Estado particularmente, teria um gesto semelhante. Há realmente homens que possam ter gesto semelhante, mas são raros. Quero, com a aquiescência de todos que aqui estão, render esse minuto de homenagem ao senador Gama e Melo, que foi desde vereador a deputado geral, foi 25 vezes Vice-presidente do Estado, exercendo interinamente a titularidade e foi eleito Presidente do Estado, e depois foi senador duas vezes. Morreu no exercício do seu segundo mandato de senador. Era a homenagem que queria prestar ao senador Gama e Melo, dizendo que nós hoje estamos abrindo as comemorações do sesquicentenário deste vulto notável da Paraíba.

 

4º participante

Humberto Cavalcanti de Mello (Sócio do IHGP e membro da Academia Paraibana de Letras):

 

A professora Socorro Xavier formulou algumas perguntas e antes mesmo que o expositor a responda, passo a informar sobre dois aspectos levantados.

Primeiro: a cidade de Barra de Santa Rosa, um topônimo, não tem nada que ver com a Casa de Santa Rosa. O livro de Antônio Pereira de Almeida, que levanta toda a genealogia, mostra bem que a Casa de Santa Rosa era onde hoje é o atual município de Boa Vista.

Segundo: Ana de Oliveira, que realmente pertencia a essa família, não era uma fazenda; era uma lagoa no município de Juazeirinho, uma lagoa antiga que foi soterrada e foi escavada na década de 50, sob a supervisão do nosso saudoso confrade professor Clerot, um dos homens mais cultos da Paraíba. A lagoa estava aterrada milenarmente e Clerot, com muito cuidado, desenterrou  ossos de fósseis ali existentes. Ainda hoje é conhecida como a Lagoa Ana de Oliveira.

 

5º participante

Aécio Villar de Aquino (Sócio do IHGP):

 

Esse problema da fazenda ou lagoa Ana de Oliveira, ao que parece ainda hoje existem fósseis a serem desenterrados. No fim do seu livro, Irineu Joffily fala nessa fazenda Ana de Oliveira, descrevendo até umas ruínas que havia lá. Essas ruínas, porém, não existem mais, não havendo mais nenhum vestígio delas. Por falar em vestígios antigos, em Olivedo, mesmo no meio da rua,  tem uma casa mais ou menos do século XVIII, começo do século XVIII, que a gente vê justamente parecida com aquelas de Ouro Preto, que ainda está em estado muito bom, sendo até habitada, embora deteriorada. Tudo parece que foi de uma fazenda de Oliveira Ledo, sendo o nome do lugar, por conta disso. Consta que a casa pertence a um dos descendentes dos Oliveira Ledo.  

 

Considerações finais pelo expositor Wilson Nóbrega Seixas:

 

Teodósio de Oliveira Ledo casou-se duas vezes. Primeiro casou-se com Isabel Paz, de cujo casamento nasceram Antônio, Francisco e Adriana. Antônio de Oliveira Ledo, o filho dele, morou muito tempo em Rio do Peixe. Depois, já doente, foi embora para Olinda, onde morreu. Francisco nasceu no Cariri. Foi ele quem substituiu Teodósio de Oliveira Ledo como capitão-mor.  Adriana casou-se com Agostinho Pereira, e era dona de uma fazenda chamada Santa Rosa.

Do segundo casamento de Teodósio houve três filhos: Teodósio e dois menores, que a história pouco registra porque eram doentes. Esse filho substituiu Teodósio lá no Cariri, onde tinha uma fazenda “Timbaúba”.

Ana de Oliveira Leite era casada com Antônio Porto Carreiro, morava em Brejo do Cruz. Antônio Carreiro era sergipano. Desse casal nasceram vários filhos, entre eles Manoel da Cunha Loureiro, Francisco da Cunha e outros, tendo todos ido para o Cariri. Ana de Oliveira era dona de Juazeirinho, que conseguiu como sesmaria.

É o que posso informar para atender a várias perguntas dos participantes.


     
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