INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO/IHGP
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9º Tema

AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA

Expositor: José Octávio de Arruda Mello

Debatedora: Inês Caminha Lopes Rodrigues

 

A fala do Presidente:

 

Inicio a sessão compondo a mesa com o confrade José Octávio de Arruda Mello, que será o expositor desta sessão; com a professora Inês Caminha Lopes Rodrigues, que será a debatedora; com o professor Aécio Villar de Aquino. O tema a ser debatido hoje é AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA.

Desnecessário fazer a apresentação do confrade José Octávio, que é figura bastante conhecida de todos. Todavia, é bom recordar que ele é nosso sócio, é membro da Academia Paraibana de Letras e do Conselho Estadual de Cultura.. Ex-professor de História da Universidade Federal da Paraíba, atualmente ele leciona essa disciplina na UNIPÊ e na Universidade Estadual da Paraíba. É formado em Direito, pela UFPB e tem curso de especialização em Técnicas de Pesquisa História pela Universidade de Pernambuco, onde se laureou como Mestre e é Doutor em História pela USP. Ele sempre diz que dessas posições mencionadas, a que ele mais se orgulha é ser o coordenador do chamado Grupo José Honório.

Feita esta apresentação, vamos ouvir o professor José Octávio, que exporá sobre o tema AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA.

 

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Expositor: José Octávio de Arruda Mello (Sócio do  IHGP e da Academia Paraibana de Letras, professor de História na UNIPÊ e UEPB, Mestre e Doutor pela USP)

 

Darei uma feição um pouco diferente no sentido de torná-la mais coloquial, mais fraternal, mais amiga. Não tenho a pretensão de dar uma aula, de fazer  exposição tradicional para pessoas como Wilson Seixas, que é o nosso Capistrano de Abreu, como Aécio Aquino, Luiz Guimarães e tantas figuras que vejo aqui, todas da melhor qualificação.

Vamos trocar algumas idéias em torno do tema e para início de conversa quero chamar a atenção para essas publicações (exibe as publicações) que propõem uma visão nova do tema aqui programado, que são AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA. No paper que distribuí com os senhores aparece  o título LIBERALISMO E SÉCULO XIX NA PARAÍBA, que é a mesma coisa. Não importa a denominação, porque já ultrapassamos o nominalismo, que foi uma característica da escolástica medieval na fase da sua decadência. Assim, tanto faz AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA como LIBERALISMO E SÉCULO XIX NA PARAÍBA. O liberalismo vai ser exatamente o instrumento ideológico,  o instrumental, o ferramental que move essas lutas nativistas no século XIX.

Lutas nativistas, por que? Porque elas são impregnadas de um espírito nacionalista. Aí quem realmente tematiza muito bem o assunto é Barbosa Lima Sobrinho num trabalho que foi recolhido das livrarias, mas eu tenho, que está na coleção CADERNOS DO POVO, uma coleção muito inflamada, mas de trabalhos muito bons. Barbosa Lima, no livro dele, DESDE QUANDO SOMOS NACIONALISTAS, chama a atenção para o fato de que o nacionalismo resulta de uma contradição entre os interesses estrangeiros, que se fixaram inicialmente nos portugueses, depois nos ingleses, depois nos americanos, e os interesses nacionais.

No caso dos portugueses essas contradições afloraram dentro da Colônia,  por ocasião do domínio holandês, quando a gente tem aquela Guerra dos Mascates (que, na interpretação de Caio Prado Jr., é uma luta de classes, é uma luta entre a burguesia nativista rural de Olinda e a burguesia de interesses externos de origem holandesa e vinculados ao comércio português). Depois temos aquele movimento dos Emboabas, em Minas Gerais. À proporção em que a riqueza vai se adensando os interesses em torno dessa riqueza vão se concentrando e vão surgindo, evidentemente, duas correntes: a dos interesses alienígenas e a dos interesses nativistas. Daí Lutas Nativistas, as lutas que visam expressar os interesses nacionais para a preservação daquelas riquezas que estavam sendo arrecadadas por grupos estrangeiros.

Isso teve um sentido antiflamengo, mas no período colonial as lutas são sempre contra os portugueses, e Recife é uma das expressões mais vivas disso, quando surgiram os motins chamados “mata, mata marinheiro” (marinheiros eram os comerciantes portugueses, pés-de-chumbo, também chamados). Essas lutas fornecem o pano de fundo para o liberalismo no Nordeste. Eu procurei tratar desse tema neste trabalho VIOLÊNCIA E REPRESSÃO NO NORDESTE, onde mostrei que Recife significou o eixo da luta no Nordeste. Esses assuntos também foram abordados nos fascículos publicados pela A UNIÃO. Também na Coletânea do IV Centenário, que abrange 102 trabalhos publicados no jornal O NORTE, o assunto é tratado.

Ao mostrar estes trabalhos eu estou seguindo uma linha do nosso grupo, que pretende substituir os conceitos pelas indicações. Eu não tenho aqui a intenção de dizer isso é aquilo. Acho tal uma visão autoritária da história. Precisamos dar ao ensino um caráter democrático, um caráter aberto. O caráter aberto é esse, de fornecer as indicações, quer dizer, as fontes, as leituras, os instrumentos para que os educandos, e no caso a sociedade, componham a sua própria formulação. E é que me ocorre aqui a respeito dessa questão do século XIX, sobre as rebeliões nativistas ou dessas lutas liberais do século XIX.

A respeito desses movimentos há uma visão tradicional que procura exaltar o heroísmo de Peregrino de Carvalho, que aparece como mártir do canibalismo oficial, onde a gente vê no quadro de Parreiras quando ele se rende ao pai e na igreja de N. S. de Lourdes, onde o Instituto Histórico colocou uma placa no centenário de 1817; por conta disso, outros aqui quiseram exaltar Felix Antônio, herói da Confederação do Equador; por conta disso foi aposto seu retrato na nossa galeria, um barbudo que tem aqui, que ninguém sabe quem é. É um sargento-mor, um caudilho de Areia, que proclamou a República por ocasião da Confederação do Equador, de 1824. Ele não é a grande figura da Confederação do Equador. A grande figura da Confederação do Equador é Frei Caneca, que é um ideólogo, que é um pensador que ficou; não é um sargento-mor que veio de Areia e ficou combatendo e guerreando. Frei Caneca estava com ele, também.

Os movimentos nativistas são muito focalizados através da trindade 1817, que é a chamada Revolução Pernambucana, 1824, que é a Confederação do Equador e 1848/49, que começou em 48 em Recife, final de novembro, com Nunes Machado, que foi o Frei Caneca da Praia; Nunes Machado foi o grande líder da Praieira, que leva o povo para rua e recebe um tiro na testa e cai ali mesmo. Por conta disso, Areia procura monopolizar esse movimento. Uma coisa interessante é que as pessoas mais conservadoras de Areia exaltam 1848 e até dizem terem participado de 1817. Não participaram de 1817, mas, sim de 1824 e 1848, através de seus ancestrais. É o chamado areísmo.

Essa é a visão tradicional das lutas nativistas, visão a que pretendo fugir aqui. Eu não subscrevo, como de resto a maioria que faz o Instituto Histórico, não subscrevo esse conceito heróico, esse conceito tradicionalista, esse conceito apoteótico dos movimentos de 1817, 1824 e 1848, até porque esses movimentos não se resumem a essas três etapas. Há muitos outros, inclusive 1801, a chamada Conspiração dos Suassunas.

Para a gente substituir essa visão heróica, de ufanismo, de exaltação pessoal, faz-se mister a gente substituir esse conceito por um entendimento do processo histórico; o que a gente precisa é realmente inserir esses movimentos dentro do processo histórico para extrair o seu significado, para alcançar a sua inserção dentro da seqüência, dentro do devenir da história.

Para isso, o que é necessário? Partir do século XVIII. Se esses movimentos se verificam no século XIX, se eles começam pela Conspiração dos Suassunas (aí não é uma revolução, é uma conspiração porque é um movimento abortado no nascedouro). Essa conspiração é de 1801, aqui na fronteira, entre Goiana e Itambé, nessa área (incluindo o Areópago de Itambé? - interfere um participante). Ai se toca numa questão importante que é objeto de franco revisionismo. José Antônio Gonsalves de Mello, que é um homem muito conservador, mas um pesquisador sério, fulminou na introdução que fez à obra de Arruda Câmara – Obras Reunidas (1982) essa história do Areópago, que, aliás, foi inventada por um historiador paraibano que é participante do movimento de 1848. Foi Maximiano Machado que inventou isso. Maximiano gostava muito disso, um ótimo historiador; eu gosto muito de Maximiano, combativo, radical, antiabsolutista, anticolonialista, mas desse tipo que se deixa levar pela empolgação e então inventou essa história do Areópago e todo mundo ficou repetindo isso. José Antônio foi verificar e primeiro verificou que Arruda Câmara nunca morou em Itambé; depois  que não havia loja com essa denominação; depois verificou o principal, que Arruda Câmara, que é uma figura avançada em termos de educação, naturalista, não era partidário do liberalismo, era quando muito um representante do despotismo esclarecido. Aquela corrente entre o velho absolutismo e o liberalismo.

Isso teve um impacto tão grande que eu estive num seminário em Pernambuco, com a presença do alto comando da historiografia brasileira, falou-se nessa questão do Areópago e, quando lembrei a pesquisa de José Gonsalves, ficou todo mundo calado. Até hoje não se ofereceu uma resposta adequada a essa colocação.

O fato é que José Gonsalves fulminou essa tese tradicional de que os movimentos 1801, 1817, 1824 e 1848 eram produtos da ação do ideólogo do liberalismo que foi o padre Arruda Câmara, naturalista, botânico, formado em Paris, que voltou para cá e espalhou essas idéias pelo Nordeste, a partir de sua ação no Areópago. Esse entendimento está sobrestado. Esse entendimento ninguém pode estar repetindo. Porque José Antônio mostrou que não tem fundamentação. Ele analisou a obra de Arruda Câmara e não encontrou elementos liberais lá, não encontrou liberalismo algum em Arruda Câmara. Arruda Câmara que era uma figura avançada apenas no plano da educação.

  Para entender-se essas lutas nativistas, o substrato desse liberalismo, a gente precisa realmente retroagir até a segunda metade do século XVIII, que é exatamente o tema de um dos fascículos que apresentei no início da exposição.

Eu acho o século XVIII o século mais importante da Paraíba. Porque em primeiro lugar é o século em que se cristaliza a penetração, a integração territorial. A Paraíba não é o litoral. O Brasil não é o litoral. Essa é a tese de Capistrano de Abreu. Pelo litoral a gente importa os elementos estrangeiros, sobretudo a cultura estrangeira. O Brasil é um produto do sertanismo. O Brasil não é uma criação de Portugal, como vão dizer agora durante o V Centenário. O Brasil é um produto da sua gente, do seu povo. A miscigenização, a integração territorial, a unidade da língua, isso não foi doação portuguesa, isso foi um produto dos brasileiros. Isso foi formulado por gente como Domingos Jorge Velho, que nem a nossa língua falava. Ele passa por aqui e fala com o Bispo de Olinda, que expede uma carta para o rei dizendo que esteve aqui um selvagem que nem a nossa língua fala e se encontra apartado de todos os princípios da civilização. O Brasil não é uma nação portuguesa, bobagem que sempre se repete por aqui. Os Estados Unidos não vivem trombeteando que são um produto da Inglaterra. A Holanda não vive dizendo que é produto da Espanha. Só o Brasil que vive com esse colonialismo de exaltar Portugal.

O nativismo vai constituir uma formulação contra isso. Mas o que foi que aconteceu no século XVIII? Além da integração territorial, da expansão territorial da Paraíba, que não é exclusivamente do século XVIII, ela vem de trás, ela vem de depois das invasões holandesas entre 1860/70. Ela se cristaliza no século XVIII, que é o século da expansão territorial, da integração interiorana paraibana. Como é o século do sertanismo brasileiro. Capistrano mostrou nos livros dele. Inclusive os municípios mais distantes da Paraíba vão ser ocupados no finalzinho do século XVIII, já passando do século XVIII para o século XIX. Princesa, em 1803, Monteiro em 1805.

Este século, que teve esse aspecto positivo, também comportou elemento negativo com o profundo declínio da nossa economia e marca a presença da Companhia de Comércio de Pernambuco e da Paraíba, uma forte afirmação do monopólio português, que organizou uma companhia para melhor explorar a Capitania. Essa companhia é uma bomba de sucção, como todo mecanismo de exploração colonial. Vendia caro e comprava barato.

Essa companhia é estudada por um historiador de São Paulo, José Ribeiro Júnior. Aqui, a professora Elza Régis, saiu-se muito bem, com o livro que foi publicado durante o IV Centenário da Paraíba. Essa companhia teve tanto prestígio que o beco onde estava localizada, na rua Duque de Caxias, onde hoje funciona a ADESG, ficou conhecido como  Beco da Companhia. Sua atuação acarretou a perda da autonomia da Paraíba. De 1753 a 1799 a Paraíba declinou tanto no plano econômico que se refletiu no plano político, deixando de ser uma capitania autônoma e se vinculou a Pernambuco. Elza Régis acha que essa questão não teve nada a ver com a Companhia de Comércio, mas, data vênia, não penso assim. Acho que uma coisa é ligada à outra.

O fato é que a Paraíba entrou numa situação desastrosa, no século XIX. E há um documento que reflete isso, e é um dos sete principais documentos da História da Paraíba. É o Relatório do governador da Paraíba  Fernando Delgado Freire de Castilho, que se tornou patrono de uma das cadeiras do Instituto por sugestão minha.

Aqui, quando foram escolher os patronos das cadeiras, o ambiente não era bom porque todo mundo queria botar os elementos da família. Teve um que botou quatro, outro quis votar seis. A gente resistiu, eu, Aécio e outros.

Fernando Delgado tem uma ruazinha com o nome dele, onde morava o historiador Archimedes Cavalcanti, que fica entre o Astréa e a Bica.

O rei de Portugal perguntou a Fernando Delgado se a Paraíba tinha condições de retomar sua autonomia. Tinha havido muitas pressões para acabar com essa dependência interna. Ele não se limitou a responder sim ou não. Ele escreve um Relatório magistral de 9 a 10 páginas, que está no livro de Irineu Pinto DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAÍBA, juntamente com outros três relatórios. Nesse relatório ele começa por descrever a situação geográfica da Paraíba, depois as nossas costas, rios, as matas e depois entra na parte econômica, atacando virulentamente as Companhias de Comercio, dizendo que são as pestes que avaramente drenam a riqueza das capitanias. É uma linguagem assim.

O instrumento de luta contra essa decadência, contra essa submissão, contra a exploração, é o liberalismo. O liberalismo estava em evidência a partir das grandes revoluções. Primeiro as revoluções inglesas (1648 e 1688); depois vem a revolução norte-americana (1776) e a francesa (1789). No conjunto formam o chamado liberalismo, o iluminismo, o pensamento destinado a iluminar, pela razão, o mundo e desfazer as trevas do absolutismo.

É preciso distinguir uma coisa  no liberalismo anglo-flanco-americano e outra no brasileiro. Jaurès, grande historiador da Revolução Francesa, viu isso muito bem, dizendo que a Revolução Francesa é uma revolução amplamente burguesa e, portanto, democrática, enquanto as outras são restritamente burguesas e, portanto, conservadoras. Essa distinção Caio Prado Jr. fez muito bem, naquela EVOLUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL. Aliás, Alberto Torres já tinha visto isso, no início do século.

É evidente que o liberalismo era o ferramental, era o geral, mas ele vai ganhando particularidades. Uma coisa é o liberalismo francês, movido pelas massas parisienses, da guarda nacional; a França tinha uma coisa que os Estados Unidos e a Inglaterra não tinham, que era uma cidade com ares de metrópole, uma cidade profundamente revolucionária, que era Paris, empurrando o movimento para frente e transmitindo esse élan. O liberalismo norte-americano é um liberalismo mais bem comportado, é um liberalismo mais jurídico. O francês é mais social, devido à participação das massas. O inglês vai se completar em 1830 com aquelas revoluções chartristas. Ora, se na matriz do liberalismo havia essas divergências, essas diferenças, imagine-se com relação à América Latina; imagine com relação ao Brasil; imagine com relação à Paraíba.

Que liberalismo era o que nós tínhamos? Primeiramente o liberalismo dos senhores de engenho. Um liberalismo excludente. É como outro mito que aparece. Estou até fazendo um trabalho para apresentar em Recife sobre D. João VI e eu vou para lá dizer que D. João VI era um rei covarde, inepto e fujão. Aparece uma história aqui dizendo que o Exército brasileiro é um produto de três raças; é produto da fusão do negro, do índio com o branco. Gerou-se uma democracia nas lutas holandesas. Não é possível! Os negros ali eram negros forros; os índios eram índios aculturados. E tinha quer ser. Os brancos iam entregar armas aos negros para se voltarem contra eles? Iam entregar armas aos quilombos? Iam entregar armas aos índios? Se a nação brasileira surge em Guararapes, na luta contra os holandeses, é uma nação excludente, é uma nação em que não há igualdade, é uma nação de alguns, o que aliás permanece até hoje. A nação dos ricos, a nação dos poderosos, a nação dos cidadãos e a massa inteiramente destituída de maiores possibilidades. Isso vai se cristalizar no século XIX.

O nosso liberalismo aqui é um liberalismo formal, não é um liberalismo que pretenda mudanças no plano econômico, mas apenas no plano político. Não se trata de mudar a estrutura econômica, muito menos a situação social. Esse liberalismo que aparece aqui é um liberalismo postiço, formal. Esse liberalismo permanece convivendo com a escravidão, que trata os desiguais. Joaquim Nabuco tem um discurso forte contra isso. Isso vai se refletir na Constituinte de 1823. Há um livro muito bom de José Honório Rodrigues sobre o assunto, que é A ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1823. Ali ele mostra que os deputados perceberam que pertenciam à mesma nação, à mesma pátria, foi ali que se viram falando a mesma língua, mas eles se perguntam logo se os índios são cidadãos brasileiros, se os negros são cidadãos brasileiros. A idéia deles é uma idéia excludente. Depois consagrando isso vai surgir o voto censitário, o chamado voto da mandioca, onde as pessoas para votar tinham de demonstrar a propriedade de alguns alqueires de mandioca, alguma renda. Esse é o nosso liberalismo, evidentemente distanciado do liberalismo francês. É um liberalismo que cristaliza o poder da burguesia exportadora e dos grandes proprietários em detrimento dos índios, dos negros e dos pobres, que ficam inteiramente marginalizados no processo político, histórico e social.

Quem move esse liberalismo é a Maçonaria e a Igreja, aliás a Igreja não, o baixo clero. Na Igreja há uma distinção muito clara, que começa a se verificar no século XVII, século XVIII, entre suas camadas mais elevadas identificadas com o colonialismo e as camadas mais ligadas ao povo. Padre Ibiapina, frei Martinho, são missionários mais ligados ao povo. Aparece o Seminário de Olinda com a participação destacada do Bispo Azeredo Coutinho, apesar de reacionário e escravocrata, como Cairu, que foi o responsável pela abertura dos portos.

Esse liberalismo é impulsionado pelo baixo clero, daí 1817 ser conhecido como a revolução dos padres. Esse termo é de Oliveira Lima, porque houve uma grande participação dos padres, não somente pelos mais destacados que conhecemos, mas por aqueles outros do Ceará, padre Mororó, padre Carapinima; na Bahia, o padre Roma, que foi sacrificado em 1817 e o filho  Abreu e Lima, o general das massas, assistiu à agonia do pai.

Também a Maçonaria impulsionou esse liberalismo. Há uma distinção entre a Maçonaria européia, dos jacobinos, e a nossa Maçonaria. A Maçonaria francesa é virulentamente anticlerical, porque lá o trono está unido ao altar. A Maçonaria é uma força de transformação na Europa, representando a corrente mais avançada da burguesia. Aqui a Maçonaria se compõe com os grandes proprietários, e se compõe com a Igreja. Vão se separar em 1874, por ocasião da Questão Religiosa.

Realmente, as idéias estão fora do lugar, como diria Ecléa Bosi.. Não é a mesma coisa que o liberalismo europeu.

Aí começam a pipocar os movimentos liberais impregnados dessa dupla idéia: no plano nacional, de romper com a tutela colonial; no plano da Paraíba, romper com a supremacia de Pernambuco, mais particularmente do Recife.

É quando surge a Conspiração dos Suassunas, um movimento que apareceu nessa zona canavieira, a mais impregnada desse ardor nativista porque o açúcar era a nossa principal riqueza (o algodão estava ainda aparecendo) e estava sendo explorada pelas companhias de comercio. São os senhores de engenho que assumem esse movimento. Os irmãos Suassuna são senhores de engenho nessa zona de Goiana, Pedras de Fogo, Itambé. Há uma série de documentos que são fundamentais para a compreensão desse movimento. É a série Documentos Brasileiros, que foi publicada pelo Arquivo Nacional na época de José Honório Rodrigues.

Mais recentemente, deslocando essa questão do plano econômico para o social, quem apareceu com um bom trabalho foi Maria do Socorro Ferraz – LIBERAIS E LIBERAIS. Porque a questão que se põe em foco é a da independência. O liberalismo, que na Europa significava a ascensão da burguesia, uma transformação social, que nos Estados Unidos significava uma afirmação jurídica e que na Inglaterra possuía um dimensionamento institucional, aqui ganha uma feição nacional. O liberalismo aqui é a doutrina da emancipação, é a doutrina da independência. Mas, feita dentro dessas bases, uma independência controlada pela categoria exportadora, colocando fora da cidadania os negros, os índios e os que não adquiriam um determinado nível de renda.

Os constituintes de 1823 discutiram isso. Eles conheciam muito os autores franceses, os autores norte-americanos, assim como os padres do movimento de 1817.

Socorro Ferraz, no trabalho dela, coloca que em termos da independência havia três linhas, três fórmulas. Uma é a que vai prevalecer sob o comando do grande chefe das forças nacionais, que é o maior estadista brasileiro de todos os tempos que foi José Bonifácio. José Bonifácio articula a forma de independência com monarquia através da agregação das províncias por meio do Conselho de Procuradores. Mas havia duas outras. Havia a fórmula federalista, pela qual vai se bater Frei Caneca, que era uma forma de descentralização, uma forma federativa ou confederada, em que as antigas capitanias não ficavam tão amarradas ao centro. E por que essa preocupação?

     Quando D. João VI chegou aqui (não teve nada de preparar a independência) o fez com uma corriola para roubar o país, saquear o país,  tirava dinheiro das províncias para mandar para a Corte a fim de manter a corriola dele. As províncias estavam com muito receio de que uma independência centralizada repetisse isso e assim apelavam para o federalismo, cuja maior expressão era o Frei Caneca. Aliás, sempre revelei interesse em saber o pensamento de Frei Caneca sobre a escravidão.Um colega já me disse que ele não toca na questão da escravidão.

Havia uma terceira fórmula, que é de vincular o Brasil aos portugueses através da união das coroas, fórmula que adotou Pedro I (Pedro I tem pouco a ver com a nossa Independência).

Eu gosto muito do trabalho de Socorro Ferraz. Ela mostra que os movimentos têm em vista a flutuação dessas formulações. Esse período aí, de 1801 até 1848, não só ocorre em 1817, 1824 e 1848. Como se sabe houve muitos movimentos populares que ocorreram em Recife, que repercutem aqui na Paraíba e Itabaiana. Itabaiana é realmente a cidade que representa o elemento de ligação entre Pernambuco e a Paraíba. Os movimentos são intensos, havendo num período entre 1832 a 1838 os que ficam conhecidos como Abrilada, Setembrizada, Novembrada e ocorrem vários motins de escravos. E a historiografia fica somente em 1817, 24 e 48 porque são movimentos das camadas mais elevadas, o que levou José Honório Rodrigues a considerar ser uma historiografia dos poderosos para os poderosos. Esse assunto eu coloco num dos fascículos publicados pela A UNIÃO, sob o título TENSÃO SOCIAL  E MOTINS REGÊNCIA.

Assim, fiquei fiel ao nosso princípio de substituir os conceitos pelas indicações.. Por isso estou indicando as fontes, os lugares onde passamos encontrar uma visão nova.

Para encerrar, eu pergunto: por que esses movimentos são tão glorificados pela historiografia oficial? Em primeiro lugar, eles foram muito glorificados no início da República porque  se voltam contra a Casa de Bragança, que só sai do Brasil em 1889, quando a República fica no lugar da Monarquia. Aí se começa uma incrementação ideológica da República, porque esses movimentos todos tiveram tendências republicanas, tanto 1817, como 1824 e 1848. Quando a República se coloca no lugar da Monarquia, começa-se a valorizar esses movimentos, o que explica aquela placa colocada na Igreja de Lourdes, por ocasião do centenário de 1817. Em segundo lugar, porque são movimentos conservadores, não são movimentos sociais. O que avançou um pouquinho foi 1817, aqui. Isso porque a situação da Paraíba era muito ruim, deficiente, então os revolucionários que formam o Governo – com a participação de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada – elaboram a  primeira constituição brasileira, a de 1817, cujo mentor foi Antônio Carlos, que foi aqui representante da Paraíba no Governo Provisório. Antônio Carlos era uma grande figura, mas era muito soberbo, sobranceiro. Ele parece que tinha mais brilho que José Bonifácio. Os três irmãos eram grandes. Martim Francisco era muito versátil em questões de finanças, inclusive ele é contra aqueles empréstimos da Independência. Aqueles empréstimos são contraídos depois que D. Pedro I afasta os Andradas. Isso Socorro não percebeu. No seu trabalho ela procura mostrar essas três categorias: a forma da Independência que prevalece, a Independência com a Monarquia, a segunda forma, a federativa e a terceira, que é a portuguesa. Ela reclama muito da primeira, dizendo que nela residiam as sementes do autoritarismo. Não é verdade porque o centralismo de José Bonifácio  não era de fins, era de meios. Ele queria se dotar de poderes para realizar transformações. Transformações da situação agrária, da situação social, da situação educacional, da potencialização das riquezas. Era isso que José Bonifácio queria fazer com plenos poderes. Não era para fazer como Pedro I. Pedro I, sem José Bonifácio, vai usar os plenos poderes para esmagar as províncias, como aconteceu em Pernambuco e depois no Ceará, em 1826. Acho o trabalho de Socorro Ferraz excelente, mas entendo que ela não compreendeu o pensamento do grande Andrada. Esse era um liberal. Era um liberal mais conseqüente, como aquele pessoal que o cercava. Tinha até um paraibano, que era Manoel Carneiro da Cunha (que José Honório ressalta, na bravura e no radicalismo). Havia Montezuma, o coronel Nóbrega. Esse era o grupo de José Bonifácio, que foi todo preso na dissolução da assembléia constituinte.

1817 tem, portanto, a participação de Antônio Carlos aqui no Governo da Paraíba (não sei se chegou a vir até aqui), celebra-se a primeira constituinte e o movimento avança um pouco porque pretende se voltar contra as taxas e impostos que incidiam sobre comércio interprovincial. Pernambuco assustou-se com isso. Assustou-se por que? A Paraíba era caudatária de Pernambuco, era satélite. Há uma carta no livro de Irineu Pinto DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAÍBA, onde os pernambucanos pedem aos paraibanos frearem um pouco o impulso do movimento de 1817.

Em 1824, já falei sobre Felix Antônio, aquele caudilho areense que proclamou uma decantada república em Areia, e até botaram um retrato dele aqui no Instituto. A grande figura a ser estudada é Frei Caneca, que aliás percorreu a Paraíba, depois. É o ideólogo de 1824. José Honório tem um capítulo bonito sobre ele num livro chamado HISTÓRIA CORPO DO TEMPO. José Honório diz assim: Frei Caneca ou a luz gloriosa do martírio. Quem quiser pense que a repressão é besta. A censura não permitiu que fosse publicado o artigo em 1972, porque José Honório estaria usando Frei Caneca contra o autoritarismo da época. Era o General Médici. O pensamento de Frei Caneca era muito identificado com o do abade francês Sièyes, que tem um trabalho QUE É O TERCEIRO ESTADO, que foi a corrente mais avançada da Revolução Francesa. Esse livrinho começa assim: “Que é o Terceiro Estado? Tudo. O que está sendo?. Nada. O que ambiciona ele? Todo o poder.” É a frase inicial desse fascículo forte.

Como vocês sabem, a Constituição de 1824 foi outorgada. Fecharam a constituinte e expulsaram os Andradas. Quando José Bonifácio volta vem muito pacificado. O exílio parece que amortece muito esse impulso radical das pessoas. Vejam o exemplo de Brizola e do pessoal de 64.

Aécio Aquino está lembrando que quando ele voltou já estava bastante idoso, e eu relembro que Portugal quis matá-lo, em 1823. Portugal  não o matou por causa da interferência dos ingleses, que confiavam muito nele e o admiravam.

Em 1824, como sabem, Frei Caneca esteve preso no extremo Oeste da Paraíba, voltou, esteve em Campina Grande; era um homem ascético, consta que ali se contentou com umas bolachas e um pouco de vinho. Felix Antônio conseguiu fugir. Felix Antônio era um homem corajoso, bravo, tinha méritos, mas não tinha a dimensão ideológica de Frei Caneca. Frei Caneca era um pensador. Socorro Ferraz diz no seu livro que Frei Caneca possuía um projeto para a independência do Brasil, que era o projeto que o centralismo esmaga, a princípio com Pedro I, depois com Feijó, depois com o regresso de 1840, sempre centralizando para abafar os impulsos autonomistas das províncias.

Enfim, a Praieira torna-se muito importante para nós por causa de Maximiano Machado, que se tornou na Paraíba uma figura de destaque. Ele era Delegado Municipal e Juiz de Areia quando as tropas praieiras, derrotadas na Soledade, vieram para cá, enquanto a outra coluna foi para Alagoas. Elas foram para Alagoa Grande, subiram aquela serra e se fortificaram lá em cima. Maximiano, como Delegado e Juiz, recebeu instruções para fechar a cidade aos praieiros. Mas ele era um liberal radical.

Que é liberal radical? Radical é quem vai à raiz. Liberal radical é liberal de esquerda, é liberal mesmo, um liberal avançado. O liberalismo radical está nas fronteiras do socialismo. Abreu e Lima era um. Era o chamado socialismo utópico. Maximiano Machado era um liberal radical. Ele fez o contrário do que instruíram; abriu a cidade aos praieiros e fortificou-a contra o Exército imperial, contra as forças da ordem. Os praieiros foram desbaratados na cidade de Areia. E fugiram tomando diversos destinos. Maximiano Machado estava entre eles e Ireneu Joffily, menino, presenciou esse episódio.

Refugiando-se em várias localidades, Maximiano escreveu um grande livro, que é o QUADRO DA REVOLTA PRAIEIRA NA PROVÍNCIA DA PARAHYBA. Maximiano era antiabsolutista, anticlerical, maçônico, avançado, tinha idéias muito conseqüentes. Pois bem, escreveu esse livro, que foi reeditado nas celebrações do IV Centenário da Paraíba por Francisco Pontes da Silva, quando eu era presidente da Comissão.

Com o Dr. Machado, que o nosso presidente Luiz Hugo acaba de biografar, exprime-se um dos mais altos momentos das luta nativistas da Paraíba que aqui procurei sumariar.  

 

 

 

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A fala do Presidente:

 

A excelente exposição do confrade José Octávio oferece uma valiosa contribuição a este Ciclo de Debates promovido pelo Instituto Histórico. No seu estilo próprio, José Octávio fixou a importância das nossas lutas nativistas, mostrando sua forte vinculação com um liberalismo que era nacional.

Detalhista, como sempre, registrou alguns fatos pouco enunciados pelos historiadores e fez algumas contestações, como é de seu feito.

Para complementar sua exposição, teremos a professora Inês Caminha Lopes Rodrigues, que é professora de História, que já lecionou na Universidade Federal da Paraíba, donde já se aposentou, mas continua na ativa ensinando História na UNIPÊ e na Universidade de Pernambuco. É doutora em História pela USP.

Passo a palavra à professora Inês Caminha.

 

Debatedora: Inês Caminha Lopes Rodrigues (Professora de História na UNIPÊ e UEPB, leciona na Universidade de Pernambuco na área de Pós-graduação; é doutora em História pela USP, ex-professora de História da UFPB)

 

Congratulo-me com os componentes da Mesa e demais participantes, ao dizer para todos que esta não é minha área de estudo, mas um convite do professor e colega José Octávio eu não poderia rejeitar. Então vou direto a algumas questões para deixar espaço para os participantes. 

Eu me apoiei no fascículo nº 6 da Coleção de História da Paraíba – Independência e Revoluções Liberais. O professor José Octávio já definiu com bastante lucidez, com bastante critério, a diferenciação do liberalismo. Quando estudamos o liberalismo na Europa, ele tem um significado; o liberalismo no Brasil tem outra característica. Inclusive ele faz diferenças de formulações abstratas, exatamente porque em todos os projetos dos revolucionários existia o desejo da aplicabilidade do liberalismo. Mas, na prática, ele vai tendo diferenciações. Uma das coisas que me chamou a atenção, nesse seu fascículo é o movimento de 1848. Porque quando nós estamos estudando a introdução ao liberalismo, sempre apoiados na professora Emília Vioti – EMANCIPAÇÃO DA HISTÓRIA POLÍTICA DO BRASIL – ela faz uma inferência e distingue bastante o liberalismo voltado para a proteção ao trabalhador. Nesse fascículo, que o tomo como base, eu vejo o movimento de 1848, quando faz uma inferência que alguns historiadores já caracterizaram nesse movimento; essa preocupação com o socialismo utópico.

Eu gostaria de saber do professor José Octávio onde nós poderíamos nos apoiar nesse livro.

 

José Octávio:

 

Quero me referir a Amaro Quintas, uma figura a que Pernambuco não prestou a homenagem que merecia. Era um grande historiador; foi formador de toda essa geração de novos historiadores da Paraíba e Pernambuco – Manoel Correia, Aécio, Armando, todo mundo aluno dele. Foi Diretor da Fundação Joaquim Nabuco, morreu e não prestaram uma homenagem digna a ele. Uma homenagem de avaliar a obra, de reeditar os trabalhos dele. Morreu e foi enterrado em campa rasa. Ele tem um livro O SENTIDO SOCIAL DA REVOLUÇÃO PRAIEIRA, onde sustenta a tese em que dentro da Praia havia duas correntes. Uma corrente mais conservadora de senhores de engenho, que estavam identificados com aquele espírito tradicional do liberalismo, que era um liberalismo formal do modelo exportador. Mas ele acha que dentro da Praia havia, sobretudo em Recife, um grupo avançado, que ele chama o grupo dos 5000 e transcreve o hino desse grupo, o hino dos praieiros. Ele diz que esse grupo era mais avançado porque queria transformações principalmente pela nacionalização do comércio de retalhos, porque Recife era a praça onde o comércio português anquilosava e dominava muito o comércio local. Segundo Amaro Quintas, esse grupo já estava nas fronteiras do socialismo utópico. E 1848, na Europa, é o ano do Manifesto do Partido Comunista, cujas idéias chegaram aqui com atraso. Essas coisas repercutiam aqui. Primeiro, em Pernambuco havia aquele caso de Vautier, que Gilberto Freyre estudou muito bem.. Era um engenheiro francês que estava introduzindo aquelas idéias aqui. Aliás, há um autor que diz que D. Pedro II estava no teatro quando chegaram os jornais dando notícias dos acontecimentos de 1848. É um movimento que vai terminar nas mãos de Napoleão Pequeno. Um movimento que tinha Gambetta e tinha um caráter popular, radical, que depois a Comuna de Paris vai aprofundar, em 1871. Pois bem, D. Pedro não quis mais prestar a atenção à peça e dizem que a peça terminou e ele ficou lendo os jornais. De certo modo a Casa de Bragança havia se fundido com os Bourbons, então ele estava preocupado com os acontecimentos, que forçosamente repercutiam aqui.

Então Amaro Quintas sustenta que havia um grupo na praia que queria transformações sociais, mas isso não é pacífico. José Gláucio  não se conformava com isso. José Gláucio processava um marxismo muito esquemático. Parece que ele é sócio daqui, o pai dele era. Parece que ele tinha uma rivalidade com Amaro. Agora, Amaro como professor é historiador, coisa que José Gláucio não é. José Gláucio é um camarada que se mete a falar sobre tudo, mas não é historiador. José Gláucio diz assim: Eu não sei onde Amaro foi tirar essa idéia de socialismo utópico na praia. Como é que pode haver movimento socialista num movimento dominado por senhores de engenho?

 

Humberto Mello, aparteando:

 

A propósito dessa afirmação de Amaro Quintas eu queria lembrar que em 1978, quando houve aquele Seminário Paraibano de Cultura Brasileira, o tema João Pessoa e a Revolução de 30, e Amaro foi um dos expositores, Amaro negou o caráter revolucionário de 30, apesar de vitoriosa, enquanto a praieira foi derrotada, mas essa sim foi revolução.

 

José Octávio:

 

O livro de Amaro Quintas foi prefaciado por Paulo Francis, que na época estava na esquerda.

 

Inês Caminha:

 

A outra questão que levanto diz respeito ao movimento de 1817. Seria interessante que o professor José Octávio trouxesse não só para a mesa como para a platéia mais algumas informações a respeito da Constituição de 1817, inclusive porque ele registra que é a primeira. Nós, professores de História, enfatizamos muito a Constituição de 1823 e a de 1824, temos, portanto, poucos dados dessa primeira, que seria a partir da Revolução de 1817.

Outra questão da Revolução de 1817 é quando o expositor faz diferença nas duas obras do professor Carlos Guilherme Mota NORDESTE – 1817 e IDÉIA DA REVOLUÇÃO NO BRASIL, em que se faz inferência a respeito do caráter de classe dessa chamada Revolução Pernambucana de 1817. Acho que nos reportaríamos para a questão anterior porque quando fala no caráter de classe, perguntaria em que sentido seria. Se estaríamos voltados para a preocupação da revolução industrial, que é uma outra realidade, diferente da nossa. Nós estamos, nessa fase, em plena efervescência do processo da revolução industrial na Europa.

A última questão, já citada aqui, que é sobre Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, quando no fascículo nº 6 da Coleção da Paraíba, você enfatizou a questão levantada pelo professor José Honório Rodrigues de que ele foi uma figura de relevo na bravura e no radicalismo. Gostaria que você declinasse como se constituía, na prática, esse radicalismo de Joaquim Manoel Carneiro da Cunha.

 

José Octávio:

 

Essa questão da Constituição de 1817 foi levantada numa série de artigos por José Honório na FOLHA DE SÃO PAULO, mais ou menos em 1983. Alguém escreveu uma carta e falava na primeira constituição brasileira de 1824, procurando ressaltar Pedro I, que outorgou a Carta de 1824. Então José Honório fez um artigo mostrando que não. Que a primeira Constituição foi aqui, em 1817. Nunca vi essa Constituição, mas eu sei onde ela está.. Eu tenho esse trabalho. Paulo Bonavides está publicando uma série de trabalhos que condensa uns textos fundamentais para a História do Brasil. É um livro só, com cerca de 800 páginas. Agora virou 12 ou 15 volumes, publicados pelo Congresso. E lá tem a Constituição de 1817, que ainda não tive tempo de ler.

Carlos Guilherme Mota quando esteve no Nordeste para pesquisar sobre 1817 e quando escreveu aquele trabalho, era muito marxista. Ele suavisou-se mais. Mas sempre notei seu pensamento bastante ortodoxo, não diria sectário, mas mecanicista. Aí ele entra um pouco nessa linha de José de Gláucio, de achar que o movimento é um movimento de classe exatamente porque era impulsionado por senhores de engenho. Carlos Guilherme avança consideravelmente sobre José de Gláucio. Carlos Guilherme é historiador. Então ele usa a documentação do período, sobretudo os folhetos, os boletins. É preciso lembrar que estávamos ainda sob o governo de Portugal, que impedia a liberdade de imprensa. Não tínhamos jornais aqui. Então esses movimentos se valeram muito de folhetins, de panfletos. Esses panfletos são estudados, na Bahia, por Kátia Queiroz Matoso, que tem um trabalho inteiramente sobre isso: PRESENÇA FRANCESA NA REVOLUÇÃO, de 1792. Alguns desses panfletos foram escritos em francês. Kátia Matoso estuda a forma de comunicação de todos esses movimentos. Carlos Guilherme Mota retoma isso com relação a Pernambuco.

Com relação a Joaquim Manoel Carneiro da Cunha é bom lembrar que a corrente de José Bonifácio estava tocando na questão da terra, na questão da escravidão e na questão que mais inquietou Pedro e a camarilha dele, influenciada por Domitila, a questão da disponibilidade dos bens portugueses. Porque os portugueses estavam voltando e levando os capitais. José Bonifácio queria que esses capitais se tornassem indisponíveis. José Honório acha que nisso aí é que reside a diferença de José Bonifácio com o grupo português. Esses projetos todos têm o apoio de Carneiro da Cunha.

Certa vez me perguntaram quais eram os documentos mais importantes da História da Paraíba. Eu botei o de Fernando Delgado no meio. Cada um significando um século. O primeiro, reeditado por iniciativa de Francisco Pontes nas comemorações do IV Centenário, foi o SUMÁRIO DAS ARMADAS, do século XVI. No século XVII, o documento que foi reeditado por Marcus Odilon e Wellington Aguiar DESCRIÇÃO DA CAPITANIA DA PARAÍBA, de Elias Herckmans. O de Van der Dunsches é mais profundo porque é mais econômico, mas o de Herckmans é melhor escrito e mais amplo. Para o século XVIII, é Fernando Delgado, que é um documento do final do século, 1799, quando ele faz uma avaliação da Paraíba naquele momento. No século XIX, acho que o grande documento é o documento do engenheiro Retumba, que foi retomado por Irene Rodrigues Fernandes. Retumba participava do grupo de Irineu Joffily e Albino Meira, onde tem um relatório que fala na rede ferroviária que liga João Pessoa a Pilar. E comenta: essa ferrovia liga o nada a coisa nenhuma. O século XX, para mim, tem três documentos: O último relatório de João Suassuna e o primeiro de João Pessoa. São relatórios perfeitos pela maneira como  estabelecem diferentes orientações e visão dum mesmo fenômeno. Eles estão na raiz da transição da Paraíba ainda patriarcal, ainda agropecuária, para a Paraíba urbana, pelo menos pré-urbana. O documento de Suassuna é muito bem escrito, Depois, Burity, que foi Secretário, conhecia pouco a Paraíba, foi contemplado com uma capitania por influência de José Américo, quando assumiu aqui juntou um grupo, um grupo quase todo economistas do melhor nível, como Marcelo Lopes, Ronald de Queiroz, Inácio, José Costa e fez um documento de primeira ordem. Agora tem um título muito anódino, chamado POLÍTICAS. São dois fascículos. O primeiro tem a parte geral e o segundo é a parte de demonstração de quadros. O primeiro é perfeito, cujo coordenador parece que foi Queiroz. Não é um documento do Governo Burity, é um documento para o Governo Burity. Burity que ia assumir.

Lembrei-me disso porque me pediram para colocar os cinco maiores paraibanos de todos os tempos. Houve uma enquête de O NORTE nesse sentido. E eu comecei por Manoel Carneiro da Cunha. Coloquei os nomes por áreas. Não botei João Pessoa, coloquei Anthenor Navarro e Petrônio Castro Pinto fez um artigo dizendo que era minha nova mania. Botei José Siqueira, Thomaz Santa Rosa. Coloquei Manoel Carneiro da Cunha, como representante da Política, mas fiquei em dúvida entre ele e Diogo Velho, que também teve uma visão econômica extraordinária da Paraíba e do Nordeste do século passado e era um homem avançado para o seu tempo.

 

Inês Caminha:

 

Quero agradecer esta oportunidade de ouvir José Octávio, que abrange todos os aspectos da história e repassar o debate ao público.

 

1º participante:

 

Humberto Mello: (Membro do IHGP e da APL)

 

Havia uma professora que estava fazendo um Mestrado de História na Universidade de Pernambuco, procurando levantar uma tese sobre a posição paraibana em 1817.

 

José Octávio:

 

Foi Lourdinha Vasconcelos, que chegou a publicar um artigo naquela revista verde, espécie de História da Paraíba do Departamento de História da UFPB, onde cita muitos documentos brasileiros. Sua pesquisa estava em andamento, quando ela morreu. Ela levantou muito material e eu pergunto: onde está esse material? É preciso procurar.

 

Humberto Mello:

 

Em Irineu Pinto nós vemos mensagens dos pernambucanos reclamando que a Paraíba estava avançando muito e que em 1817 a Paraíba estava muito à frente de Pernambuco, em termos de conquista. Esse é um ponto que seria desejável que fosse aprofundado, estudado melhor.

Pelo que se vê na obra de Maximiano QUADRO DA REVOLTA PRAIEIRA NA PROVÍNCIA DA PARAÍBA e no prefácio que ele fez na História da Revolução de 1817, do padre Muniz Tavares, tem-se a impressão que a adesão da Paraíba à Praieira foi uma questão que inicialmente brotou de um desacordo com o governo local, com o presidente da província, tendo Maximiano adotado suas idéias para encaixar-se dentro do ideário da Praieira.

 

José Octávio:

 

A causa direta do que aconteceu em Pernambuco e que Maximiano levanta é a destituição de Chichorro da Gama, como presidente liberal. Chichorro era baiano, era senador e não tinha maiores vinculações com a oligarquia, entrando duro na oligarquia chamada “gabiru”, botando a polícia nos engenhos, reprimiu grilagem de terras, retirou os cargos das mãos dos conservadores. Quando ele é destituído os praieiros então se inquietam. A causa imediata foi essa, lá, como a daqui foi a que Humberto Melo falou.

 

Humberto Melo:

 

Não me parece que o movimento Pastorinha, que você falou aí, se enquadre nesses movimentos sociais; foi só um movimento militar cingido dentro do quartel, entre um tenente e um comandante, que aliás teve como vítima uma negra que vendia quitutes.

 

José Octávio:

 

Esse período foi muito agitado. Pastorinha estava vinculado ao grupo mais conservador. Havia três correntes, todas elas pegando em armas. Estavam pegando em armas os liberais radicais, com Frei Caneca, os mais comportados, que derrubam Pedro I e estavam pegando em armas, também, os reacionários caramurus, chamados “jurubas”. Estava todo mundo pegando em armas naquele momento, que termina em 1849. De 1770/1780 a 1849 é raro o ano que não se verifica um movimento armado no Brasil.

 

2º participante

 

João Batista Barbosa:

 

É uma indagação que quero fazer a José Octávio, que não tem muito a ver com a tese debatida. É mais uma curiosidade histórica, mas que está ligada à História da Paraíba. Não sei se está ligada à repressão ao cangaceirismo na Paraíba, se está ligada às lutas políticas paroquiais. São três episódios da História da Paraíba que eu não sei como estão situados no seu contexto.

Primeiro é sobre a Campanha de Princesa, que quase todo mundo conhece, que é a mais nova. Segundo, a chamada revolta de Santa Cruz, em Monteiro e a terceira, que muito pouca gente conhece, é a revolta de Jesuíno Brilhante, essa no século passado, mas que foi um acontecimento histórico.

Gostaria que, se fosse possível, o expositor dissesse alguma coisa.

 

José Octávio:

 

Eu sugiro que sejam distribuídas essas respostas com os participantes da Mesa. Temos aqui a doutora Inês Caminha, que é especialista em Princesa, a tese de doutorado dela é sobre as oligarquias na República Velha e a tese de mestrado é um livro publicado sobre Princesa. Então ela falaria sobre Princesa. E Humberto Mello falaria sobre o movimento de Santa Cruz, que ele estudou. E poderia começar pelo caso de Jesuíno, mais antigo.

 

Humberto Mello:

 

O caso de Jesuíno, não me parece que tenha sido exatamente uma revolta. Havia uma implicação que havia uns presos que tinham sido detidos mais por se opor à situação dominante do que por acusação de crimes. Imputaram algumas acusações, que não foram comprovadas, e Jesuíno comandou uma invasão à cadeia de Pombal e libertou um irmão dele e uma porção de gente que estava presa por essa farsa. Não sei se poderíamos considerar isso como um movimento de revolta, no mesmo pé do que, na mesma época, houve aqueles movimentos populares do Ronco da Abelha, do Quebra-Quilos, da Serra do Lagomar, etc.

Agora, em 1912, aconteceu o seguinte. No tempo da Monarquia D. Pedro II tinha a visão de quão perniciosa seria a perpetuação de uma faccão no poder. Então Pedro II promovia periodicamente uma mudança. Apeava o liberal, subia o conservador, e vice-versa, ficando a gangorra do poder, para usar a expressão da professora Inês Caminha.

Quando chega na República, isso desapareceu. No tempo do Império havia o que chamavam o lápis fatídico do Imperador, que fazia essa alternância. Mas isso desapareceu.

Álvaro Machado assume o governo em 1892, passa 20 anos dominando a política da Paraíba. Nesses 20 anos, em cinco quatriênios governamentais, ele foi Presidente do Estado em dois, um dos irmãos – João Machado – foi Presidente no terceiro, e um outro irmão Afonso, Vice-presidente. Quer dizer, era um domínio completo.

Com vinte e poucos anos da República aquilo já estava enfarando. Tinha havido na Paraíba o grupo político de Venâncio Neiva e Epitácio Pessoa, que passou somente dois anos no poder.

Apesar de Epitácio Pessoa ter tido um fôlego extra, quando foi ministro, não consegui o domínio do Estado. Há uma carta de Epitácio a um correligionário quando Álvaro Machado começa a enfrentar cisões dentro do Partido e recorre aos adversários. Essa carta de Epitácio a um correligionário cujo nome não me recordo, essa carta está nas obras dele, mas eu li o trecho importante que citarei de memória. Está no livro de Glauco Soares. Em 1904 houve um começo de semipacificação. Álvaro Machado recorre a Epitácio, que estava como membro do Supremo Tribunal, e negocia entregando vários municípios aos correligionários de Epitácio: Umbuzeiro, Campina Grande, Taperoá, Catolé do Rocha, etc.

Na carta que Epitácio faz àquele correligionário ele diz que naquela situação só há uma maneira de atingir o poder, que é aderir, mas preservando a dignidade, etc., etc.

Mas, no começo da segunda década deste século, inicia-se o chamado movimento das salvações. As salvações, principalmente no Norte e no Nordeste, eram patrocinadas por Hermes da Fonseca. Aí cai a situação de Rosa e Silva em Pernambuco e entra Dantas Barreto; caem os Malta em Alagoas e entra Clodoaldo da Fonseca, que era sobrinho de Deodoro (tudo militar); os Malta vieram ressurgir com Fernando Color, cuja esposa é Malta. Os Acioli, do Ceará, a oligarquia dos Albuquerque Maranhão, de Pedro Velho, no Rio Grande do Norte; na Bahia, caem os Vianna; Antônio Lemos, no Pará. E assim por diante.

Então tentaram lançar aqui uma candidatura militar de oposição, que foi o Coronel José Joaquim do Rêgo Barros. Rêgo Barros tinha sido político, tinha sido integrante da primeira assembléia constituinte paraibana e teve seu nome lançado. Nesse último livro de Dorgival Terceiro Neto aparece uma matéria sobre isso. Rêgo Barros ia fardado aos comícios e levava a tropa fardada também. Ele não era muito simpático, tinha pavio curto, explosivo, e chegou a ganhar um apelido de “coronel caga-raiva”. Isso foi desgastando a campanha. Nessa época, como os partidos eram estaduais, foi criado o Partido Democrata da Paraíba, comandado por Afonso Campos, Lima Filho, Assis Vidal (pai de Adhemar Vidal) que cooptou os opositores que tinham sido ligados originariamente ao grupo de Álvaro Machado e foram defenestrados para a entrada dos epitacistas. Foi o caso dos Dantas, em Teixeira; de Santa Cruz, em Monteiro, etc.

Quando Álvaro Machado se viu apertado com o exemplo dos Estados vizinhos repercutindo aqui, falou com Epitácio Pessoa, que era muito amigo de Hermes da Fonseca. Havia mesmo ligações quase familiares, onde Epitácio era sobrinho do Barão de Lucena, compadre e amicíssimo de Deodoro. Então Epitácio consegue junto a Hermes da Fonseca que o coronel Rêgo Barros seja transferido para o Rio de Janeiro.

A República coincide com os movimentos de autoritarismo local; a deposição de Venâncio Neiva, que foi um movimento de coronéis; articulou-se uma resistência favorável a Venâncio, também com cabras que vieram lá do brejo; vem a república da Serra da Estrela, que, segundo José Octávio, foi uma revolução que terminou com uma buchada de confraternização.

Em 1900, quando Epitácio Pessoa está no Ministério, surgem duas chapas. Há uma disputa aqui na Paraíba entre José Peregrino, candidato de Álvaro Machado, e João Tavares, que era o Vice. Os dois grupos consideraram eleitos seus candidatos. O vice de João Tavares, Antônio Massa, empossou-se no Teatro Santa Rosa e José Peregrino assumiu no Palácio do Governo. A Paraíba estava com dois governos. Quem decidiu foi Rosa e Silva, oligarca de Pernambuco, que estava no exercício da Presidência da República e reconheceu como titular o que estivesse no Palácio do Governo. Quem estava lá era José Peregrino.

Então houve todos esses precedentes de movimentos de chefes políticos. Esse movimento de 1912, em extensão territorial, foi o maior de todos. Maior mesmo que o de 1930. O de Princesa ficou praticamente circunscrito a Princesa, com incursões para Conceição, para Misericórdia. Mas foram só incursões.

O movimento que começou em Monteiro vai ao Cariri, Taperoá, Teixeira, Patos, volta, passa em Soledade, São do Cariri; conflagrou aquela zona toda. Ocupou Patos. Conta-se até que João Dantas, que era estudante ainda, furtou o chapéu de Pedro Firmino, que era o pai do deputado José Gayoso. Isso são fuxicadas de política publicadas por Cristino Pimentel, um jornalista campinense.

Recentemente foi lançado o livro O GUERREIRO TOGADO, de Pedro Nunes, sobre esse movimento de Monteiro, onde ele faz uma biografia de Augusto Santa Cruz, líder do movimento. Esse nome de Guerreiro Tocado vem porque depois Santa Cruz foi para Pernambuco, onde se tornou juiz.

 

João Batista Barbosa:

 

Quero apartear o ilustre debatedor, para dizer que a chamada Campanha  de Jesuíno Brilhante não foi tão efêmera como falou. Tem até um caso curioso. Foi necessário que o Governo enviasse três expedições ao sertão para abafar o movimento. A questão da cadeia foi apenas o que deu motivo à explosão. Jesuíno Brilhante era um rico fazendeiro, possuía muitos cabras, os cangaceiros de então, e foi preso o parente dele e ele foi lá, destruiu a cadeia e soltou o parente e daí revoltou-se contra uma volante que foi prendê-lo. Eu conto esta história porque o primeiro marido de minha primeira sogra era o capitão da Polícia e foi comandante de uma dessas expedições, não sei se a primeira ou a última, e morreu na campanha.

 

Humberto Mello:

 

Jesuíno era natural do Rio Grande. Ele transitava do Rio Grande do Norte para cá, veio para Pombal, depois voltou e foi morto no Rio Grande do Norte. Realmente, como diz o aparteante, a luta começou na Paraíba e terminou no Rio Grande do Norte.

Há vários livros sobre Jesuíno. Inclusive Jesuíno foi considerado um dos primeiros chefes de cangaço, mas era extremamente popular, era como um Hobin Hood, que nos períodos de seca tomava recursos alimentícios que estavam trancados nos armazéns e distribuía com o povo.

 

Inês Caminha:

 

Em relação a Princesa, eu entendo o movimento de Princesa como o fim do estado oligárquico. Porque nós estamos estudando a história da República e ela tem didaticamente uma divisão em várias fases. De 1889 a 1930, chamamos República Velha, Primeira República, República dos Coronéis e República Oligarca. De 1930 a 1945 é a chamada de Ditadura Varguista; de 1945 a 1964 ela é caracterizada como a República Liberal e de 1964 em diante é o período autoritário, até 1985, e depois temos o processo de abertura. Quando estamos estudando a Primeira República para contextualizar Princesa, eu entendo o movimento de Princesa como um movimento armado, não uma revolução, no sentido de que vai quebrar toda aquela estrutura do estado oligárquico. Porque o estado oligárquico tem alguns fundamentos que são considerados básicos. E o mais importante deles é o controle do processo eleitoral pelos coronéis. Todos nós sabemos que a Justiça Eleitoral advém e é uma conquista do processo revolucionário de 1930. Há uma expressão muito famosa na história que é  a “do posso, do quero e mando” dos coronéis.

Entre outros fundamentos do estado oligárquico nós temos, por exemplo, a política profissional, com pessoas que fazem da política uma profissão. Uma outra característica que também é trabalhada nesse período é a predominância da esfera estadual em relação à esfera municipal e à esfera federal. É tanto que com o Estado Novo, na Era Varguista, com a formação do Estado Nacional, nós vamos ter o fortalecimento dos municípios. Outras características importantes desse período são a submissão, a lealdade, a reciprocidade, o nepotismo, a malversação do dinheiro público, todas essas questões envolvem os fundamentos do estado oligárquico.

Há uma carta de Epitácio Pessoa cobrando de Camilo de Holanda até a louça que ele compra para o Palácio. Inclusive Camilo de Holanda diz: eu quero ser ouvido e cheirado em tudo. E todos nós sabemos qual foi o fim de Camilo de Holanda. Ele passou para a oposição. Se nós acompanharmos toda a correspondência vamos ver que Epitácio dá quase como um ultimato. Há um envolvimento depois da morte de Antônio Pessoa, que não vamos abordar agora nessa discussão, Camilo de Holanda é forçado a deixar a política e é quando começa a fazer oposição.

 

Humberto Mello, em aparte

 

A filha de Camilo de Holanda escreveu um livro onde  conta que quando Camilo rompeu com Epitácio pediu para passar para a reserva; ele era General-médico, porque ele na ativa, se por acaso se encontrasse com Epitácio, teria que fazer continência.

 

Inês Caminha:

 

Ainda vendo essa questão do movimento de Princesa, o que é que nós temos? Temos que definir os tipos dos coronéis. Nós temos o pequeno coronel, que é aquele que exerce liderança só no município; temos o médio coronel, que ultrapassa a esfera municipal e a esfera estadual e temos o grande coronel, que é aquele que abrange as três esferas: municipal, estadual e nacional.

Então podemos caracterizar Epitácio Pessoa como um grande coronel, porque ele preenche todas essas esferas. Voltando à questão dos fundamentos, que é importante para a gente entender o processo revolucionário de 30, existe a solidariedade, que é chamada de solidariedade horizontal e solidariedade vertical. Nós sabemos, por exemplo, que a força dos coronéis ela está no voto.

De certa forma, assumindo a presidência do Estado, João Pessoa irá subverter essas solidariedades. Ele, de um lado, recusa-se a nomear os parentes dos coronéis para as funções públicas. Os que existiam foram transferidos para longe ou postos em avulsão. Como muitos eram epitacistas, Pessoa estava minando as próprias bases de sustentação.

Por outro lado, ao realizar eleições razoavelmente limpas para a época, o presidente abria espaço para novas lideranças – as mais das vezes urbanas – e confiscava a moeda de troca dos coronéis.

A reação destes não tem nada de extraordinário. Extraordinário é que a luta de Princesa fundiu-se com outras questões da época e desembocou na Revolução de 30.

Precedendo a esta, a Revolta de Princesa pode ser considerada o canto de sereia do coronelismo.

Este ainda não acabou. Mas experimentou um golpe muito grande, com a Revolução de 30, que quebrou muitos de seus vínculos.

Em face do adiantado da hora, termino aqui minhas considerações finais.

 

 

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