INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO/IHGP
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8º Tema

A Escravidão na Paraíba

Expositora: Diana Soares de Galliza

Debatedora: Waldice Mendonça Porto

 

A fala do Presidente:

 

O tema a ser debatido nesta sessão é A ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA, e está a cargo nossa confreira Diana Soares de Galliza, que é formada em História  pela Universidade Federal da Paraíba, onde lecionou por durante vários anos. É mestra e doutora em História pela UFPE e doutora em Filosofia, Letras e Ciências Humanas pela USP. Nas universidades da Paraíba, Pernambuco e Tocantins, a professora Galliza já ministrou aulas em Cursos de Graduação, Pós-graduação, Especialização e Mestrado e Doutorado, de cujas bancas tem sempre participado. Domina os idiomas francês, inglês e espanhol. É uma grande pesquisadora.

Seus trabalhos, sempre exaltados pela crítica, são numerosos, destacando-se HISTÓRIA REPUBLICANA NA PARAÍBA, 1965; O DECLÍNIO DA ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA (1850-1888), 1979; PARAÍBA – 1890-1930 (modernização ou independência?), 1988; e outros trabalhos.

Dentro do tema ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA, a professora Diana Galliza falará sobre  A PARTICIPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA ESCRAVA EM VÁRIAS ATIVIDADES ECONÔMICAS.

Passo a palavra à nossa expositora, professora Diana Soares de Galliza

 

Expositora: Diana de Soares Galliza (Mestra em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Doutora em História pela Universidade de São Paulo, Professora aposentada de História da Universidade Federal da Paraíba, Membro do Colegiado do Programa de Pós-Graduação de História da Universidade Federal de Pernambuco, Professora de História do UNIPÊ, sócia do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e pesquisadora da Escravidão na Paraíba)

 

A MÃO-DE-OBRA ESCRAVA NOS ENGENHOS

 

A escravidão é um tema palpitante e abrangente pela multiplicidade de aspectos que apresenta. Embora nossas pesquisas se tenham concentrado no declínio da escravidão na Paraíba, vamos enfocar, hoje, a participação da mão-de-obra escrava nos vários ciclos da economia paraibana.

A colonização da Paraíba, nos seus primórdios, constituiu uma expansão da agroindústria do açúcar de Pernambuco. João Tavares, Martim Leitão, Ambrósio Fernandes Brandão, Duarte Gomes da Silveira, o incentivador e financiador da colonização da Paraíba, fundaram engenhos na Capitania e recorreram a mão-de-obra escrava. A escravidão tornou-se o sustentáculo da economia açucareira, principalmente, na época colonial.

Primeiramente, tentou-se escravizar o índio, mas não deu certo. O nativo não era incapacitado ao trabalho, como argumentaram os historiadores, que abraçaram a tese da indolência do indígena. Fracassou a tentativa de escravizá-lo, porque o colonizador não quis despender seu tempo preparando o índio para o trabalho metódico, organizado, que a cultura da cana exigia, como o fizeram os jesuítas. No afã de obter lucro imediato, o português procurou, de forma brusca, ceifar sua liberdade, tirá-lo do nomadismo em que vivia e fixá-lo à terra, como escravo. O nativo revoltou-se. A solução encontrada foi a utilização da mão-de-obra africana, encontrada , cujo tráfico iria proporcionar elevados ganhos a Portugal.

O escravo nego foi imprescindível à expansão da atividade açucareira. Gilberto Freyre e padre Antônio Vieira enfatizaram que a cultura da cana de açúcar só se tornou possível devido à utilização da mão-de-obra africana. Na medida em que os engenhos proliferavam na Paraíba, o tráfico negreiro aumentava. Entre os proprietários de engenho e detentores de escravos citamos as ordens religiosas, aqui estabelecidas: os jesuítas, os franciscanos, os carmelitas, os beneditinos.

Podemos acompanhar a formação do patrimônio rural dos beneditinos e de sua escravaria através de Irineu Ferreira Pinto, em DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAÍBA. Aliás, esses religiosos têm chamado a atenção dos historiadores, que estudam a escravidão no Brasil, pela sua capacidade de manter ou de aumentar o número de crioulos em suas propriedades. Robert Slenes e Stuart Schwartz pesquisaram a constituição da família escrava e desmitificaram arraigadas concepções tradicionais, que haviam negado ao escravo o gozo de uma organização familiar. Schwartz concentrou suas pesquisas na escravaria dos beneditinos e constatou a preocupação e a habilidade que esses frades tinham de incentivar o casamento entre seus cativos.

Por que eles agiam dessa maneira? Porque o casamento conferia estabilidade à família, mantinha o equilíbrio sexual e acabava  com a mancebia, tão comum no seio do elemento servil. Além de elevar o nível moral dos cativos, havia razões para tal procedimento. Enquanto os escravos se casavam e constituíam família, tornavam-se mais dóceis, mais vinculados ao engenho ou à propriedade, onde trabalhavam. Assim, as tentativas de fuga eram muito remotas. Comprovamos, na Paraíba, a existência da família escrava e a proliferação de crioulos nos domínios beneditinos.

Antes da invasão holandesa, havia 20 engenhos de açúcar na Paraíba, sendo 18 em atividade e dois de fogo morto. Mas a luta com os batavos desestruturou a economia açucareira. Os engenhos foram saqueados, as culturas de cana de açúcar, queimadas e os escravos, aproveitando-se da confusão, fugiram. Alguns registros mencionam que somente os velhos e crianças permaneceram nas unidades açucareiras. Os engenhos ficaram despovoados de negros e os cativos infestavam as ruas. A formação  de quilombos remonta àquela época, sendo Palmares o mais importante.

Não dispomos de dados sobre a formação de quilombos na Paraíba, durante a ocupação holandesa. Não sabemos quantos redutos de escravos fugitivos surgiram, nem onde se localizavam. Temos notícias de que, após a expulsão dos batavos, havia três quilombos na Paraíba. Craúnas e Cumbe provocavam desordens e, segundo Irineu Pinto e Irineu Joffily, os negros, que os integravam, invadiam e queimavam as casas, aliciavam escravos para seu valhacouto.

Ainda, durante a dominação holandesa, ocorreram enchentes e epidemias, como a varíola que, conforme Irineu Pinto, dizimou 1000 escravos na Paraíba. O historiador mencionado informou que, posteriormente os beneditinos perderam metade de sua escravaria vítima de epidemias. A crise afetou esses religiosos de tal forma que, durante dez meses, seus cativos se alimentavam exclusivamente de ervas.

Os holandeses que, a princípio, fizeram sérias restrições a escravidão, mudaram de opinião em relação à instituição. Perceberam a importância da força de trabalho negra nos engenhos, adquiriram escravos e se envolveram com o tráfico negreiro. Amealharam somas vultosas com o comércio de escravos a ponto dele se tornar uma das maiores fontes de renda para a Companhia das Índias Ocidentais. E como eles procederam com os escravos? Fica a questão em aberto.

Se por um lado permitiram que os senhores castigassem seus cativos com açoites, chicotes e que eles fossem colocados no tronco, por outro lado proibiram que os proprietários os mutilassem. Somente a Justiça podia decretar a ferradura dos negros, a mutilação de seus membros e puni-los com a pena de morte. No entanto, os holandeses não se miscegenavam com os negros. Estabeleceram uma separação quase que profilática entre o senhor e o escravo, diferentemente dos portugueses que se misturaram com o homem de cor. Gilberto Freyre em CASA GRANDE & SENSALA sustenta que uma das razões do sucesso da colonização portuguesa nos trópicos foi a miscibilidade que a caracterizou.

Desde a dominação batava a Paraíba ficou imersa numa grande crise. Expulsos os invasores, houve tentativas de soerguimento da economia paraibana. Por exemplo, João Fernandes Vieira, um dos governadores da Capitania, teria emprestado dinheiro de seu bolso para restaurar os engenhos. Matias de Albuquerque, seu sucessor, também não poupou esforços no sentido de restaurar a economia açucareira, assentada na mão-de-obra escrava. Muitos cativos foram importados da África e, no século XIX o número de cativos existentes na Paraíba era significante. Os dados estatísticos apresentados por Irineu Pinto revelam que 15% da população paraibana eram de escravos negros. Todavia sua participação não foi, apenas, na atividade açucareira; colaborou, também na pecuária.

 

O ESCRAVO NEGRO NO CRIATÓRIO

 

Depois da entrada de Teodósio de Oliveira Ledo começou o povoamento do sertão paraibano fundamentado na atividade criatória. Os sertanistas requereram datas de terra e implantaram currais nas suas propriedades. Inicialmente, recrutaram a mão-de-obra nativa, que se adequou muito bem ao nomadismo do pastoreio. Mas o escravo negro não foi omisso no criatório. Nas nossas pesquisas nos cartórios de Pombal, onde há farta documentação, constatamos que, nos primórdios do século XVIII, quando a pecuária iniciava a sua expansão pelo sertão, já era expressiva a participação do escravo negro na economia sertaneja.

Contudo, os historiadores que enfocaram a economia do criatório desprezaram o desempenho do cativo negro ou lhe atribuíram pouca importância. Capistrano de Abreu, que percorreu os sertões do Ceará e da Paraíba e foi testemunha ocupar da escravidão negra na área sertaneja, afirmou no seu livro CAPÍTULOS DE HISTÓRIA COLONIAL que a presença do escravo negro no sertão representava magnificência e fausto. Conferia, pois, status ao fazendeiro.

Irineu Joffily, cognominado o historiador do sertão pelos estudos que realizou sobre a zona criatória, presenciou a escravidão. Mas não reconheceu sua importância para a economia da região. Ponderou que para a atividade criatória a raça americana, ou seja o nativo, se prestou melhor do que o africano. Entretanto, tendo em mãos os dados estatísticos populacionais da Paraíba, do século passado, ficou surpreso com a quantidade de escravos existentes em municípios sertanejos, particularmente, em Piancó e São João do Cariri. À semelhança do historiador cearense afirmou que a presença significativa dos cativos constituía uma ostentação do fazendeiro.

José Américo de Almeida também se admirava com a numerosa escravaria de Piancó e São João do Rio do Cariri. Em relação ao primeiro asseverou que “é o município sertanejo onde o melanismo é mais acentuado”. Quanto ao segundo tentou explicar o elevado número de escravos pela transferência temporária dos negros dos engenhos do brejo para as fazendas criatórias do sertão. Acrescentou que muitos senhores de engenho residentes em Alagoa Novos tinham propriedades em São João do Cariri. Eles deslocavam os cativos das unidades açucareiras para suas fazendas no sertão a fim de trabalharem durante o verão.

Clóvis Moura, ao fazer estudos étnico-cultural do nordestino, constatou indício do negro. Todavia não o reconheceu engajado no trabalho produtivo, mas como um elemento perturbador da ordem econômica, como quilombola.

Nossas pesquisas em documentação cartorial, mapas da população escrava, recenseamento de 1872 e outros documentos comprovam estatisticamente que a presença do escravo negro na área sertaneja não foi insignificante, nem apenas  conferia status ao fazendeiro. Ele esteve engajado na economia do criatório, desempenhando várias atividades relacionadas a ela.

Tivemos em mãos um documento muito esclarecedor – o Mapa da população escrava de Piancó do ano de 1876, com um total de 1 079 escravos, dos quais 912 tinham profissão definida. A maior parte dos cativos era de cavouqueiros ou agricultores. Portanto, realizavam trabalhos que possibilitavam a agricultura de subsistência e serviam de sustentáculo à atividade criatória. Construíram cercas de pedras, cujos remanescentes estão dispersos pelo sertão, cavaram poços e serviram de suporte à agricultura e à pecuária. No manuscrito mencionado encontramos escravos como: vaqueiro, sapateiro, alfaiate, ferreiro, cozinheiro, fiandeiro e executando serviços que visavam a auto-sustentação das fazendas. Dado o isolamento em que o sertão vivia, as propriedades tinham que se auto-abastecer.

A proposição de Irineo Joffily, que o indígena ou mameluco estava mais apto às funções de vaqueiro, tem consistência. Todavia, o escravo negro não foi totalmente omisso nessa atividade. No mapa da população escrava de Piancó, constam 20 vaqueiros. A nosso ver o reduzido número de cativos negros no trato e condução de rebanhos se deveu mais a razões econômicas do que étnicas. O escravo representava um investimento, que se tornou mais elevado após 1850. Entregar-lhe uma boiada para cuidar constituía um risca de perdê-lo. As chances de fuga eram bem maiores do que nos engenhos, onde os cativos eram constantemente vigiados.

O fazendeiro entregava o rebanho a escravos nos quais depositava total confiança. Para prendê-los à fazenda e evitar sua evasão concedia-lhes alguns benefícios. Por exemplo, há evidências de que tenha estendido ao vaqueiro o sistema de quarta, tão peculiar à pecuária, no período colonial e no século passado. Esse sistema consistia em o vaqueiro receber um novilho em cada quatro que nascesse, após cinco anos de trabalho na fazenda. Nas nossas pesquisas nos acervos cartoriais de municípios criatórios, como Pombal, Piancó, São João do Cariri, encontramos alforrias compradas pelo escravo com cabeças de gado.

Não concordamos com o argumento de José Américo de Almeida ao explicar o elevado número de escravos de São João do Cariri: a transferência provisória da mão-de-obra dos engenhos do Brejo para as fazendas sertanejas. Os documentos cartoriais confirmam que donos de unidades açucareiras no Brejo, bem como na zona da Mata tinham fazendas no Sertão, no século passado. Porém constatamos que os escravos residiam nos municípios criatórios. O fato de São João do Cariri ter recebido a segunda maior quota do Fundo de Emancipação corrobora que os escravos moravam naquele município. Além do mais, a lei de 28 de setembro de 1871, que obrigou os proprietários de escravos a registrá-los, estabeleceu que o registro teria que ser feito onde os cativos residiam.

A tese de Clovis Moura não se aplica à Paraíba, já que os livros e documentos oficiais só mencionaram três quilombos que provocaram desordens: Craúnas, Cumbe e o do Espírito Santo. Deve ter havido outros quilombos na Paraíba, todavia eles não causaram desassossego aos moradores das vizinhanças. Por exemplo, o jornalista Ivaldo Falcone, quando esteve em Alagoa Grande, sugeriu que a comunidade de Caiana, lá existente, seria remanescente de um quilombo. Talvez, devido ao relevo, ao seu isolamento e porque os quilombolas viveram pacificamente, as tropas policiais não foram solicitadas para desbaratá-los.

 

O ESCRAVO NEGRO NAS PROPRIEDADES ALGODOEIRA E CAFEEIRA

 

O algodão também contou com a colaboração do escravo negro. Fundamentada em inventários podemos dizer que a presença do cativo negro foi significativa nas propriedades algodoeiras. Irineo Joffily asseverou que os escravos nas fazendas de algodão chegaram a rivalizar, em número, com os engenhos de açúcar. Mas, a partir de 1850, quando cessou o tráfico negreiro, os inventários evidenciam o declínio dessa mão-de-obra nas fazendas algodoeiras do Agreste. Percebemos que nos inventários, onde houve registro de uma maior quantidade de escravos, o inventariado, além do cultivo do algodão, dedicou-se a outras atividades econômicas, como a criatória ou a açucareira.

Nas fazendas cafeeiras da Paraíba o cativo foi prescindível, porque quando começou a expansão do café em Bananeiras, nas últimas décadas do século XIX a escravidão estava em pleno declínio. Documentos do século passado atestam que quando os cafeicultores detinham escravos, eles, também, possuíam engenhos ou fazendas criatórias.

Concluindo, podemos afirmar que houve a participação do escravo negro nas diversas atividades econômicas na Paraíba, até antes da segunda metade do século XIX. Embora a escravaria estivesse concentrada nos engenhos, o negro foi peça importante na economia do criatório. Foi, igualmente, significativo o número de cativos nas propriedades algodoeiras até a cessação do tráfico africano.

A partir de 1850 teve início o declínio da escravidão na Paraíba.

 

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A fala do Presidente:

 

Tivemos pela excelente exposição da historiadora Diana Galliza uma visão global sobre a influência do escravo no desenvolvimento econômico da Paraíba, desde o período colonial até a primeira metade do século XIX.

A professora Diana, com muita propriedade, nos deu o quadro da situação do escravo na Paraíba e,  corajosamente, porque baseada na sua pesquisa pessoal, fez contestações sérias e importantes. Ela contestou Capistrano de Abreu, Irineu Joffily, José Américo de Almeida. Na verdade, estamos alcançando os objetivos deste Ciclo. Precisamos mudar os chavões consagrados estabelecidos por nossos historiadores, que hoje se chocam com as fontes primárias a que eles não puderam consultar. Muitos apontamentos de alguns dos nossos consagrados historiadores merecem reexame, por conta de suas interpretações apressadas. As advertências que têm sido feitas pelos expositores e debatedores deste Ciclo, quanto a essas falhas de interpretação, servirão para uma revisita à nossa historiografia para uma retificação imediata, a fim de evitarmos sua repetição rotineira, como vem acontecendo há anos.

A contribuição da professora Diana Galizza é da maior significação para o êxito do nosso processo de debate que o Instituto Histórico está promovendo.

Será debatedora oficial nossa confreira Waldice Mendonça Porto, 1ª Secretária do Instituto. Waldice é também expert em escravatura, sendo de ressaltar seu importante trabalho bastante citado pelos estudiosos da matéria, que é A PARAÍBA EM PRETO E BRANCO.

Com a palavra a confreira Waldice Porto.

 

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Debatedora: WALDICE MENDONÇA PORTO (1ª Secretária do IHGP e sócia do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica)

 

É uma alegria muito grande poder estar aqui como debatedora, principalmente ao lado de Diana Galliza. Meu trabalho sobre a escravatura não diz respeito à economia; enfoca a miscigenação. Baseei-me no comportamento do mestiço, principalmente porque os escravos não puderam praticar a sua cultura, em face mesmo da sua escravização.

Esse magistral trabalho de Diana me traz saudade das minhas pesquisas sobre escravidão, pois agora estou me dedicando mais à estrutura fundiária da Paraíba.

Durante certo tempo me dediquei a examinar a questão do fundo de emancipação dos escravos. Foi a partir da lei do ventre livre que se iniciou a manumissão dos escravos e me interessei pelos critérios adotados. Esse tema dá um livro ou mais.

O negro deu uma colaboração espetacular na música, na religião (que é o sincretismo religioso), no mito, na culinária, na pecuária, na agricultura, na rebeldia contra o sofrimento imposto pela escravidão. Aqueles que estavam bem na companhia dos seus senhores – e havia alguns maravilhosos – permaneceram na companhia deles, mesmo após a proclamação da abolição. E eram muito queridos pelos de casa.

Nas senzalas a situação era lamentável, pela disseminação das moléstias, pelo tratamento das sinhazinhas, etc.   A vida dos negros nas senzalas era aviltante, onde não constituíam família, não tinham privacidade. O tratamento que lhes era dado era infame. O que é lamentável é que todo  nosso esforço de estudo e pesquisa nessa área fique sem publicação, fique engavetado. Em conseqüência, pouco conhecimento se tem da história paraibana, que é uma das mais belas. Por isso sou tão apaixonada pela História da Paraíba; ela cheia de filigranas imensas.

A história oficial é muita falha. Por isso temos que fazer como Diana Galizza, que trabalha em cima de documentos, pesquisando fontes primárias. Eu trabalhei muito sobre documentos, sobre as cartas de alforria, sobre inventários e por isso o trabalho fica mais sério, mais autêntico. O que lamento é que todo esse esforço nosso não chegue às escolas, que fiquem engavetados. A gente assiste a uma aula dessas de Galizza com prazer, mas fico triste porque o pessoal do 1º e 2º grau não sabe de coisa nenhuma. Não sabe nada sobre a História da Paraíba e acha que não deve nem levar em consideração. Quando sabemos que nossa História é uma das mais belas, mas permanecemos eternamente ignorantes porque não temos acesso a esses documentos.

Num dos primeiros debates apresentei uma proposta ao presidente do Instituto no sentido de nos ligarmos com a Universidade para fazermos uma História da Paraíba que seja acessível e que seja moderna. Essa coleção que saiu com o patrocínio do Governo do Estado foi vendida semanalmente contém tantos erros elementares, que é de estarrecer. Temos o dever de passar uma história que seja verídica.

Fico muito grata por ter participado como debatedora por esse trabalho excelente que foi apresentado por Diana Galizza.

 

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A fala do Presidente:

 

Foi bom que nossa debatedora falasse nesses enganos, ou equívocos, que se viu naqueles folhetins, naqueles fascículos.  Aliás, encarreguei-a para anotar esses equívocos a fim de que possamos esclarecer para evitar sua propagação para frente.

Outro aspecto importante o problema da divulgação. Nosso Instituto se preocupa muito com a divulgação do acervo histórico paraibano. O Instituto não tem recursos para divulgar os trabalhos que são feitos aqui, como também a Universidade não tem, resultando no engavetamento de importantes trabalhos de pesquisa, que ficam mofando nas prateleiras dos arquivos. As teses de mestrado e doutorado, confessou aqui a professora Regina Célia Gonçalves, em sua palestra de abertura destes trabalhos, se apagam por falta de divulgação. Cerca de 10% apenas é que são dados a lume. Àqueles que aqui fazem pesquisa sempre cobro para trazerem seus trabalhos após sua conclusão, pelo menos para que possamos expor ao interesse dos usuários deste Instituto.

Passo agora a palavra aos participantes que se inscreveram previamente, em primeiro lugar a professora Paula Frassinete Duarte.

 

1º participante

 

Paula Frassinete Duarte (Bióloga)

 

Quero fazer minhas as palavras da debatedora Waldice Porto. Já disse no curso que está ocorrendo na Universidade Federal da Paraíba sobre a enorme importância desse tipo de debate e, infelizmente, há pouca presença e grande dificuldade na divulgação. Faço parte do Conselho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado e nossa luta lá, no Conselho, é para que haja maior apoio do Governo do Estado no sentido de que o IPHAEP possa imediatamente tombar e registrar o patrimônio histórico do nosso Estado em cartórios. Não existe dinheiro para isto. E isso tem sido uma das desculpas para nós perdermos verdadeiras pérolas da arquitetura do nosso país, do nosso Estado, por conta da falta de dinheiro para o registro em cartório. As pessoas vão à Justiça e a Justiça dá ganho de causa para a demolição. É o mesmo caso daqui. Acho que a história que a gente aprende não é a verdadeira história.

Sobre as importantes informações apresentadas pela expositora Diana Galliza, gostaria de um aprofundamento sobre a ação dos beneditinos que teriam estimulado o casamento entre negros. Seria para poupar as mulheres brancas, uma espécie de concubinato branco que, com certeza, acontecia, porque os negros sempre foram tidos e havidos, tanto homens como mulheres, como muito fogosos, eroticamente muito quentes? Teria sido por isto?

Em segundo lugar, queria saber se a miscibilidade era consentida no sentido de que os portugueses tiveram a miscibilidade, os holandeses não, mas esses frutos desses coitos, desse amor, seriam reconhecidos de alguma forma, esses filhos teriam algum privilégio? Os pais deles dariam algum privilégio?

Por que os historiadores negaram essa parceria, essa presença engajada, efetiva dos negros no criatório? Terá sido porque, como ainda hoje, não se dá o devido valor à participação que o negro teve na formação da sociedade brasileira? Teria sido por isso que Irineu Joffily teria diminuído tanto a participação nos negros no criatório (que você viu que não era por aí)?

Também perguntaria qual a diferença entre cavouqueiro e agricultor; não entendi muito bem, porque você disse que cavouqueiro estava com a enxada cavando, e o agricultor fazia o que?

Por último, gostaria que aprofundasse mais sobre as perturbações econômicas que os quilombos fizeram naquela sociedade. Que perturbações aconteceram com a saída dos negros?

 

Diana Soares de Galliza:

 

Muitas questões foram levantadas. Vamos tentar respondê-las, observando a seqüência.

1. Quanto ao incentivo de casamento entre escravos conferido pelos beneditinos, nas suas propriedades, começamos a pesquisar, recentemente. Estamos orientando a monografia de uma aluna, do UNIPÊ, cujo título é OS BENEDITINOS E A ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA.  Sugerimos que ela localizasse os relatórios semestrais da Ordem, na Paraíba, a fim de colher maiores informações nesse sentido.

Em princípio podemos assegurar-lhe que a família escrava nos domínios beneditinos tem sido estudada recentemente. Concepções tradicionais defendiam a inexistência de elos familiares entre os cativos, no Brasil. Foram os brasilianistas norte-americanos Robert Slenes e Stuart Schwartz que questionaram a ausência da família escrava e, baseados em documentação cartorial, comprovaram que nas grandes e médias propriedades os cativos constituíram famílias. Este último historiador, à medida que intensificou suas pesquisas, surpreendeu-se com a grande quantidade de crioulos nas propriedades desses religiosos. Concluiu, então, que eles não somente os matinha, mas também a população cativa proliferava, através do incentivo dado ao casamento pelos beneditinos.

A política de estímulo ao casamento moralizava a vida no seio do elemento servil, uma vez que suprimia a mancebia entre eles. Por outro lado, razões econômicas existiam no bojo desse procedimento. O casamento daria mais estabilidade à família e prenderia o escravo à propriedade, onde trabalhavam. Os elos sentimentais se tornariam mais sólidos e, assim, as possibilidades de fuga seriam muito remotas.

2. Gilberto Freyre defendeu o caráter brando da escravidão no Brasil, porque ele não enfocou o trabalho no eito, mas na vida do escravo na casa grande. O livro do sociólogo pernambucano influenciou historiadores americanos e alguns deles, seguindo o pensamento freyriano, sustentaram que, nas áreas de colonização ibérica, a escravidão teria sido amena, enquanto que nos países de origem anglo-saxônica – como os Estados Unidos – de formação protestante, ela teria sido rude, estúpida e desumana.

No âmbito da casa grande, objeto de estudo de Gilberto Freyre, houve miscigenação entre o senhor de engenho e a mulher escrava, e vários senhores assumiram a paternidade dos filhos negros. Na Paraíba, por exemplo, através do arrolamento que fizemos nos Livros de Notas, constatamos que alguns senhores deram a conhecer sua condição de pai, nas cartas de alforrias por eles passadas. Declararam conceder a liberdade porque “ele é meu filho” ou porque “ele tem meu sangue”.

3. No século passado, viajantes estrangeiros percorreram o Nordeste, particularmente, Pernambuco e Bahia. Visitaram alguns engenhos e suas impressões de viagem foram generalizadas às demais unidades produtivas. Algo parecido deve ter acontecido a Capistrano de Abreu e Irineo Joffily, que passaram por algumas fazendas e, viram muitos escravos sem exercer atividades específicas. Eles não acompanharam a labuta do escravo no dia-a-dia. Sua observação superficial levou-os a concluir que o expressivo número de negros em todas as propriedades criatórias constituía ostentação, conferia status ao fazendeiro.

     4. Clovis Moura, estudioso de rebeliões de escravos, detectou a presença do negro na formação étnica e cultural do sertanejo. Mas, o escravo negro, segundo ele, não se engajou no trabalho produtivo do criatório, ele lá chegou como quilombola, como perturbador da ordem.

A tese de Clovis Moura não se aplica à Paraíba, como comprovamos nas nossas pesquisas. Alguns quilombos se formaram na Paraíba, todavia esses redutos de escravos fugitivos não causaram embaraços à sociedade, nem à economia, exceto o de Craúnas, o de Cumbe e o do Espírito Santo. Somente nos anos de seca, movidos pela fome, os escravos atacavam, buscando alimentos. Em conformidade com documentos notariais, na seca de 1877, os cativos assaltavam comboios, que transportavam farinha e feijão, para comer. Portanto, eventualmente, eles perturbaram a ordem estabelecida.

5. A última pergunta feita pelo ilustre participante, diz respeito a diferença entre “cavouqueiro” e agricultor. No mapa da população escrava de Piancó encontramos um acentuado número de escravos cavouqueiros e de escravos agricultores. Ao nosso ver os primeiros cavavam a terra para realizar obras de sustentação à atividade criatória, enquanto que o segundo trabalhava a terra, plantando-a.

 

 

2º participante:

 

Silvana de Souza (participante):

 

De certo modo, a professora Diana respondeu a pergunta que eu iria fazer se esses três quilombos ofereciam perigo para a ordem estabelecida. A professora falou que só ofereceram perigo apenas nas épocas em que eles estavam em dificuldade. Outra questão que gostaria de saber é por que os holandeses evitaram ter contato com as nativas.

 

Diana Galliza:

 

Segundo Irineo Joffily e Irineu Pinto, os quilombolas de Craúnas e de Cumbe não somente invadiam as propriedades, bem como incendiava-nas, aliciavam os escravos que encontravam e levavam-nos para seu reduto. Esses dois quilombos foram constituídos por negros remanescentes de Palmares. Era, pois, escravos fugitivos e revoltados que lutaram, contra as tropas policiais que foram destroçá-los e exterminá-los. Dominava-os um sentimento de revolta e de vingança. Irineu Pinto narra que a destruição de Cumbe se deveu à iniciativa particular. João Tavares de Castro reuniu seus negros, contratou alguns soldados e conseguiu exterminar o quilombo de Cumbe.

Talvez fatores cultural e religioso fossem responsáveis pela não miscigenação dos holandeses. Os anglo-saxões e os batavos de formação protestante, anglicana ou calvinista não estavam predispostos a se cruzarem com os nativos ou os negros. Enquanto que os colonizadores católicos eram menos preconceituosos e se misturavam com os nativos e com os africanos. Ademais, a miscibilidade foi uma  das características da colonização portuguesa.

 

3º participante:

 

Guilherme d’Avila Lins: (Sócio do IHGP e do IPGH)

 

Quero parabenizar a professora Diana Galliza  por sua exposição e gostaria de lhe fazer uma pergunta. O fenômeno da imigração italiana não ocorreu na Paraíba, para substituir a mão escrava, como ocorreu em São Paulo. Como a confreira vê essa diferença? Será que nós estávamos num processo mais deteriorado por causa da economia açucareira no Nordeste? Particularmente, a Paraíba estava sem força para tentar um resgate da hegemonia da produção econômica do açúcar, sem força para fazer vir colonos estrangeiros para substituir a mão de obra escrava? Como a expositora vê o processo que aconteceu em São Paulo e o que aconteceu na Paraíba?

Quero fazer uma observação de minha parte. No período colonial o braço escravo índio foi substituído pelo braço escravo negro, num processo gradativo. Como e quando isso aconteceu? Na minha observação, quando a gente analisa as denunciações do Santo Ofício, na primeira visitação, com as confissões a gente verifica que houve uma grande predominância da citação do elemento índio sobre o elemento negro até aquela época de 1595. Existe o negro citado, mas com muito menos freqüência do que o negro brasil e a negra brasila. A partir do século XVII há uma transformação gradativa e a população escrava negra começa a sobrepujar a população índia, mesmo porque houve a determinação de que o índio não devia ser feito escravo. O início da preponderância do escravo negro, na Paraíba, se dá a partir do início do século XVII. Eu gostaria de ouvir sua opinião a esse respeito.

 

Diana Galliza:

 

1. Uma das razões, pela qual não ocorreu a migração italiana para a Paraíba, foi porque sua economia estava em crise, não atraindo esses europeus. Diferentemente do Sudeste, particularmente São Paulo, cuja economia estava em franca expansão. Além disso o Império subsidiou a vinda do colono italiano para São Paulo, que estava necessitando de braços para a lavoura cafeeira. O Nordeste, inclusive a Paraíba, com o açúcar em decadência, não oferecia um mercado de trabalho que motivasse uma migração subsidiada pelo governo imperial. Também o clima quente do Nordeste não era convidativo ao italiano, como o de São Paulo, semelhante ao clima temperado europeu.

2. Quando começou a colonização da Paraíba nas últimas décadas do século XVI, a população nativa predominava. Os índios não aceitaram ser escravizados e os jesuítas se posicionaram a seu favor. O português colonizador não quis desperdiçar seu tempo, preparando a mão-de-obra indígena para o trabalho agrícola, como o fizeram os jesuítas. Na ânsia pelo lucro imediato, o senhor de engenho recorreu à importação do africano que, além de constituir força de trabalho nas unidades açucareiras, proporcionava elevados ganhos aos traficantes negreiros. Com a expansão da empresa agrícola açucareira, com a intensificação da importação de escravos africanos e com o genocídio praticado pelo colonizador aos nativos a população negra superou a indígena, gradativamente.

 

4º participante:

 

Maria do Socorro Xavier (Escritora):

 

Quero registrar alguma coisa sobre os quilombos, por que a gente sempre discutia, no Recife, com o professor Antônio Montenegro, que tem um livro sobre escravidão, onde focaliza com persistência a questão da resistência. Os quilombos eram formados desde o início quando os escravos chegaram aqui simplesmente por questão de resistência e não como muita gente pensa que era porque estavam fugindo de alguma coisa. Eles não aceitavam a escravidão.

Em contato com um amigo de Moçambique, que está nos visitando, houve um questionamento sobre como os negros lá na África viram essa escravidão ocorrida no Brasil. É questão que até então não tinha sido despertada. Gostaria de saber qual a impressão dos africanos sobre o problema do tráfico escravo para o Brasil?

 

Diana Galliza:

 

Não apenas o quilombo foi uma forma de resistência, bem como o suicídio, tão comum entre os escravos. Houve vários tipos de resistência negra, tanto que os estudos recentes sobre a escravidão contestam que ela tivesse sido só coercitiva; fora, também, consensual. Se houve coerção, houve, igualmente, reação do cativo. O senhor teve que ceder e chegou-se a um consenso. Os negros conseguiram preservar sua cultura, hábitos e religião.

Em relação a seu amigo africano, oriundo de Moçambique, interessado em saber como a África vê o problema da escravidão no Brasil, isto é uma pesquisa que deverá ser desenvolvida por ele, no continente africano. Concluído o trabalho, ele poderá escrever um livro e dar uma grande contribuição ao estudo da escravidão no Brasil. Sei que escravos, após obterem sua alforria, retornaram à África e alguns deles se tornaram prósperos empresários. Manuela Carneiro da Cunha, no livro de sua autoria NEGROS, ESTRANGEIROS. OS ESCRAVOS LIBERTOS E SUA VOLTA À ÁFRICA, aborda essa questão.



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