INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO/IHGP
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      Livro: A Paraíba nos 500 Anos do Brasil / ANAIS DO CICLO DE DEBATES DO IHGP - Páginas de 31 a 52

2º Tema

A Paraíba durante o Império

Expositora: Rosa Maria Godoy Silveira

Debatedor: Marcus Odilon Ribeiro Coutinho

 

A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:

 

Dando continuidade ao nosso Ciclo de Debates iniciado com grande aproveitamento com a palestra da professora Regina Célia Gonçalves, iniciaremos esta segunda sessão com a apreciação do tema A PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO, que será enfocado pela professora da UFPB, doutora Rosa Maria Godoy Silveira, que convido para participar da mesa dos trabalhos.

Para compor a mesa, convido o consócio Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, que será o debatedor designado para tratar do tema; convido também o acadêmico e consócio Joacil de Britto Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras; convido o vereador José Bernardino, da Câmara Municipal de Santa Rita, para fazer parte da mesa; e, finalmente, convido o acadêmico Odilon Ribeiro Coutinho, membro do Conselho Estadual de Cultura.

Temos a satisfação de apresentar aos presentes a professora Rosa Maria Godoy Silveira, atual chefe do Departamento de História da UFPB; ex-pró-reitora da graduação, da UFPB; ex-vice-presidente do Fórum Nacional de Pró-reitores de Graduação; é mestra e doutora pela USP. Tem vários livros publicados e inúmeros artigos em revistas especializadas.

Tenho a satisfação de passar a palavra à nossa ilustre palestrante de hoje.

 

Expositora: Rosa Maria Godoy Silveira (Mestra e Doutora em História, chefe do Departamento de História da UFPB)

 

Mais uma vez, em nome do Departamento de História da UFPB e em meu nome, agradeço minha participação nesse Ciclo de Debates, que reafirma nossa parceria com o Instituto Histórico, cujos frutos têm sido bastante positivos durante a administração do professor Joacil Pereira e do professor Luiz Hugo Guimarães, quando concluímos a organização do acervo do IHGP.

Sobre o tema que me foi proposto – A PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO – nós optamos para fazer um pequeno texto, uma breve síntese tentando entender algumas questões fundamentais do período imperial na Paraíba, questões estas que se abrem ao debate. É vidente que não vou esgotá-las no limite do tempo que me foi dado e no limite deste texto.

 

Em recente balanço sobre a produção historiográfica relativa à Paraíba imperial, que foi um balanço que nós próprios fizemos num curso que está sendo ministrado na Universidade constatou-se que este período tem sido um dos menos pesquisados, senão o menos pesquisado da nossa história. O Império tem sido sempre o pior período em matéria de pesquisa histórica. E é, com certeza, o pior período da História do Brasil, em matéria de ensino de História.

Deste levantamento entre os cerca de 118 títulos levantados no Índice do IHGP, sobre este recorte temporal, dois temas avultam em número de artigos: a Revolução de 1817 (que está na fase da transição) e a Escravidão/Abolição, enquanto, no gênero biográfico predominam artigos sobre Pedro Américo.

Consideramos, no entanto, que a compreensão da História da Paraíba no Império passa por alguns grandes temas basilares, sem desconsiderar a importância da micro-História. Tais temas são: os movimentos liberais, a construção da ordem e a crise agrária.

Por movimentos liberais, entende-se o largo espectro entre a Revolução de 1817, passando pela Confederação do Equador até a Revolução Praieira, em 1848, embora o primeiro e os dois últimos movimentos se diferenciem pela própria mudança no conteúdo do Estado no Brasil, decorrente do processo de nossa autonomia política. Mas, em comum, todos esses três movimentos significam a luta contra um modelo político centralizador.

O espaço paraibano, tendo integrado o território mais rico da Colônia, tendo vivenciado a experiência do invasor holandês, tendo sido subordinado politicamente, durante 44 anos, a Pernambuco, já havia sido profundamente espoliado de suas riquezas e de seus recursos financeiros. E a espoliação continuava, com a chegada da Família Real, pois foi dos recursos desta área geográfica, do depois Nordeste Oriental, que se pagava a indenização portuguesa aos holandeses na sua expulsão dourada, que se sustentou a Corte do Rio de Janeiro e que se custeou até mesmo o regresso de D. João VI a Portugal, após a eclosão da Revolução do Porto.

Todo esse conjunto de processos em sua formação histórica explica a mentalidade libertária presente na Paraíba, em articulação com o Rio Grande do Norte, sul do Ceará e, é claro, Pernambuco. A ascendência econômica historicamente construída, da Capitania do Sul sobre as suas vizinhas, que se expressara político-administrativamente pela anexação, no século XVIII, fazia com que esse libertarismo assumisse feições regionais. A crise açucareira posta desde o século XVII fazia com que essa configuração regional, sem deixar de inserir-se no movimento mais amplo de contestação ao poder metropolitano, buscasse um projeto político específico a suas necessidades e peculiaridades.

Ou seja: não era a fórmula política de transação com a Casa de Bragança que expressaria a substância do liberalismo emergente no “Nordeste” Oriental. Se era um liberalismo à brasileira, como bem o caracterizou a historiadora Emília Viotti da Costa, escravista e católico,  por contraste ao liberalismo burguês e anticlerical europeu; se era, pois um liberalismo dos proprietários de terra, no projeto de 1817 já estão postos elementos diferenciadores: o modelo republicano e a crítica à centralização, fosse  da metrópole, fosse da “metrópole interiorizada”, no Rio de Janeiro, para usar a expressão da historiadora Maria Odila Silva Dias.

O período entre 1817 e 1822 não constituiu, no entanto, um processo pacífico na Paraíba. A instituição das Juntas governativas e a deposição das autoridades metropolitanas, até então constituídas, custou confrontos entre autonomistas e colonialistas, permeando os corpos militares e espraiando-se pelo interior, alternando-se episódios favoráveis ora a um lado ora a outro.

Mas a memória da repressão de 17 era muito recente. Paraibanos haviam sido imolados de forma brutal. Famílias bem situadas na pirâmide social tinham sofrido seqüestro dos seus bens. E a conjuntura fazia pender a balança para a autonomia seja pelos acontecimentos próximos, em Pernambuco, com a instalação também da Junta de Goiana e da Junta do Recife, sejam os mais longínquos, na Corte e em Portugal, com o movimento constitucionalista no Porto, que ajudava a solapar uma monarquia absolutista já fissurada neste lado do Atlântico.

Há acontecimentos, no processo paraibano, a merecer rememoração, esquecidos pelo tempo, e o professor Aguiar se referiu a um deles, como a famosa delegação de poderes, exarada pela Junta Governativa da Paraíba para que José Bonifácio a representasse junto ao Conselho de Procuradores das Províncias do Brasil, convocado pelo Regente D. Pedro, face às ameaças recolonizadoras de Lisboa; mais do que a representação de José Bonifácio, o documento emanado da reunião conjunta do Senado da Câmara da capital paraibana e da Junta Governativa, e comunicado em discurso de José Bonifácio a D. Pedro, em que a Paraíba, em junho de 1822, declara reconhecer no Regente a única soberania à qual prestar obediência. Também estão a merecer reflexões e estudos mais acurados fatos como a adesão da área sertaneja, particularmente constelada em Sousa, adesão essa ao partido da autonomia; e a participação de tropas paraibanas nas lutas contra as forças metropolitanas do general Fidié, no Ceará e do general Madeira, na Bahia. Mas complexas são as paixões políticas dos momentos históricos de rupturas, a produzirem, de um lado um Manuel Clemente Cavalcanti de Albuquerque, representante eleito da Paraíba ao Conselho de Procuradores, escolhido por D. Pedro para carregar sua espada, luvas e bastão na cerimônia de sua coroação como imperador; e, de outro lado, um Joaquim Manuel Carneiro da Cunha, republicano, que, já indicado à Assembléia Constituinte de 1823, recusou-se, na mesma cerimônia, ao beija-mão a D. Pedro I.

Nem bem se separa o Brasil de Portugal e a conjuntura novamente efervescia, com o confronto entre o imperador e a Constituinte, reveladora das dificuldades em formatar o novo Estado nacional brasileiro emergente de modo a conciliar a soberania do rei e a soberania do povo, princípios de organização política conflitantes, inscritos em nossa autonomia transacionada.

Na Paraíba, como em outras províncias, as desconfianças diante de um quadro político ainda indefinido, pairavam nos corações e nas mentes. Medo da recolonização, que perduraria longo tempo, até a morte de D. Pedro I, em 1834, mesmo tendo abdicado do trono brasileiro em 1831.

A Confederação do Equador reitera o espírito libertário regional, mas dá-lhe novos contornos. A luta contra o autoritarismo, embora o personagem oponente seja outro, retoma a chama de 1817; o modelo republicano subjaz em 1824, mas o separatismo confederado é um novo ingrediente, atemorizando os artífices da monarquia unitarista, para os quais a fragmentação territorial brasileira se lhes afigurava como perigosa e ameaçadora à manutenção da autonomia recém-acontecida.

A derrota da Confederação do Equador talvez tenha sido o grande abortamento da virtualidade de um outro país nessa parte do Brasil. Melhor ou pior? Não sabemos.

Derrotaram os Confederados as forças políticas que, além do medo da divisão do Brasil, tiveram medo da democracia no país. Pois, consumada a autonomia, a frente ampla antimetropolitana, pré-22, composta de elementos díspares, se fragmentara diante do grande desafio de construir o Estado nacional. A nossa Gironda escravocrata temeu a nossa Montanha cabocla, ou seja, os radicais de Frei Caneca, que, no entanto, como os “montanheses” franceses, não iam a ponto de incorporarem em seu projeto, o povo mais desvalido, em nosso caso, os escravos.

Na Paraíba, invadida territorialmente por todos os lados, pelos liberais pernambucanos, norte-rio-grandenses e cearenses, o governo e o Conselho provincial não extravasam a legalidade e enviam tropas para auxiliar Francisco de Lima e Silva na repressão aos confederados pernambucanos. Os liberais da província fazem de Areia um reduto, liberalismo esse que a derrota parece não ter extirpado, pois que Areia se reedita na Praieira.

A ordem monárquico-centralista, dirigida a Corte, vai-se instaurando.

A construção da ordem: eis o segundo grande tema da Paraíba imperial. Talvez, o mais desconhecido na historiografia paraibana relativa ao Império.

Reprimido o inimigo fragmentário do momento, embora ainda não debelado o perigo da fragmentação, o Estado nacional vai implantando a máquina político-administrativa na província: A Presidência da Província, que significa a desconcentração do poder e não a sua descentralização e era exercida em forma de rodízio; o Conselho Provincial, que não terá poderes legislativos até o Ato Adicional de 1834, quando se converte em Assembléia Legislativa; o aparato judiciário e policial. Novas vilas e cidades são criadas, nesse momento, para ampliar a presença do poder público.

Através do voto censitário e indireto, instituído pela Carta outorgada de 1824, eram eleitos os representantes da província na Assembléia Geral do Império. Apenas cinco deputados, abarcando dois distritos eleitorais bastante amplos territorialmente: o da capital, incluindo a própria capital, Alhandra, Mamanguape, Independência (Guarabira), Bananeiras, Areia, Alagoa Nova, Pilar, Pedras de Fogo e Ingá, com três representantes; e o 2º Distrito, com dois deputados, incluindo Campina Grande, Cabaceiras, São João do Cariri, Patos, Pombal, Catolé do Rocha, Piancó e Sousa. Em nível de Império, uma representação modesta. Mais grave do que isso, porém, era o conteúdo excludente do sistema eleitoral: apenas 6,4% da população paraibana dele participavam; e menos ainda, somente 3,9% eram eleitores. Representação estabelecida territorialmente diferenciada no Estado nacional e socialmente hierarquizada, evidenciando que o Estado nacional brasileiro constituiu-se de uma cidadania restrita.

Cidadãos ativos, ou seja, aqueles que podiam votar e ser votados, e era a expressão da época, eram, usualmente oriundos de elites agrárias estruturadas em grupos familiares, as parentelas, que controlavam o poder local. Com a criação da Guarda Nacional, em 1831, o localismo se reforça. Na Paraíba, contudo, esse processo, apesar da documentação existente no Arquivo Público do Estado, praticamente não foi analisado. A documentação existente sobre a Guarda Nacional é numerosa.

Mas, na década de 30, começam a evidenciar-se medidas de maior burocratização do Estado, significa dizer, a institucionalização do poder público, com o preenchimento sistemático dos cargos de juizes de fora, juizes de paz e juizes de direito. Criam-se corpos policiais. Multiplica-se o número de cadeias públicas. Instala-se o Tribunal do Júri.

Se tais medidas podem ser interpretadas como tentativas de debelar a criminalidade, por vezes referida nos Relatórios dos Presidentes de Província, outras notícias interessantes ainda não foram alvo de maior investigação, como aquelas referentes a confrontos entre as correntes políticas da primeira metade do período regencial: os recolonizadores caramurus, os nacionalistas ou liberais moderados e os chamados radicais federalistas. Sabe-se que existiu na capital paraibana uma Sociedade Federal da Parahyba do Norte, que iniciou proselitismo no interior. Sabe-se que, neste início da Regência, Joaquim Pinto Madeira, na região do Crato, em Jardim, liderava um levante de intuito restaurador, articulando-se com os “Colunas”  do Trono e do Altar, do Recife. Esse movimento teve ressonância nos sertões do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba: nesta província, atingiu Sousa, Piancó, Patos, Catolé do Rocha, Cabaceiras, Bananeiras, Independência, Mamanguape e Ingá. São fatos a demonstrarem que a ordem não estava estabilizada. Mas, se havia rusgas e pequenos motins, envolvendo tropas e mesmo povo, como  tão bem caracterizou essa fase José Murilo de Carvalho, a historiografia paraibana praticamente não fala de movimentos como os que aconteceram no Recife, tais quais a Setembrizada, Novembrada e Abrilada ou, depois, no sul pernambucano com os cabanos, ou nem fala também de movimentos como movimentos regenciais em províncias mais distantes, durante toda a década de trinta. O que teria acontecido nesta parte do Brasil? A ausência de referências a tais movimentos é indício da sua não ocorrência? Parece ter sido. Mas, então, o que aconteceu com essas erupções políticas da época, na província? É uma interrogação à pesquisa, visto que temos documentação  também não compulsada a respeito da Paraíba e existente no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

Por outro lado, a Regência é um período em que se instalam várias cadeiras de instrução pública na capital e em outras vilas; cria-se o Liceu Paraibano, em 1836, instituição que seria, daí em diante, a primeira formadora das elites dirigentes provinciais; surgem tipografias, editando os primeiros jornais paraibanos, entre os quais o de Borges da Fonseca, que chegou a ir ao Tribunal do Júri por crime de opinião.

Embora o II Reinado pareça ter transcorrido sem maiores transtornos, com as famílias políticas se abrigando no bipartidarismo surgido do Regresso, não era bem assim. Duas questões apontam que a historiografia paraibana precisa debruçar-se muito mais sobre todo o período imperial. A primeira questão concerne à Lei de Terras, a segunda, à Revolução Praieira.

Sobre a Lei de Terras e suas decorrências, de um lado, temos a manifestação de um paraibano, Joaquim Manuel Carneiro da Cunha, durante o processo de discussão do projeto de lei na Câmara dos Deputados, dizendo-se representante da região e apontando as dificuldades de regularização do quadro fundiário, devido à perda de títulos sesmariais ocorridos durante a luta contra os holandeses; ou devido ao fato de que muitos proprietários ou grandes posseiros não terem recebido títulos sesmariais; além de outros embaraços para regularizar a questão fundiária. Por contraste, pesquisa que vimos realizando a algum tempo, sobre os registros de terras decorrentes da Lei de 1850 e de seu Regulamento de 1854, não parecem apontar os graves problemas invocados por Carneiro da Cunha. Têm revelado que a província era território de fronteira fechada, com poucas terras devolutas; apontam também a presença, em certas localidades, de um número expressivo de mulheres proprietárias e o recebimento da terra por herança com uma leve tendência de mercantilização, o que é uma tendência bastante inversa ao que está ocorrendo na região cafeeira nesse momento, no hoje Sudeste. Este nos parece ser um tema central para a compreensão da História nordestina, se somado ao estudo das famílias políticas através do recurso à genealogia.

Sobre a Praieira na província falarei pouco, mas chega a ser espantoso o silêncio da historiografia. Tivemos o nosso Urbano Sabino, que é Maximiano Machado; falta-nos o nosso Figueira de Melo, como em Pernambuco, que seria o depoimento do lado conservador e vitorioso sobre o acontecimento.    Foi o movimento em Areia algo sem maior relevância ou a vitória dos conservadores apagou a memória sobre esse acontecimento? Por que a cidade de Areia continuou a ser uma força de políticos expressivos, ainda depois disso, alguns dos quais descendentes dos liberais praieiros, como a família Santos Leal?

O terceiro tema significativo da Paraíba imperial é a sua crise agrária, em cujo âmbito se pode compreender a eclosão de movimentos sociais como o Ronco da Abelha e o Quebra Quilos bem como o processo de desagregação da ordem escravista e porque, talvez, o abolicionismo não tenha sido tão forte como em outras províncias.

Por volta de 1860, a Paraíba tinha uma população de 300.000 pessoas, das quais 50% eram elementos livres. Já no final do século XVIII, a população livre era relevante, como apontam os quadros anexos ao trabalho da professora Elza Régis sobre a Paraíba do século XVIII. Significa dizer que a situação crítica da agricultura de exportação, herdada do período colonial, mesmo quando os escravos persistem em número expressivo no sertão algodoeiro, como apontou o trabalho de Diana Galliza, estava gestando relações de trabalho que constituiriam a “solução” das elites agrárias para o problema da mão-de-obra, quando o fim do tráfico negreiro colocou, junto com ele, a perspectiva de um fim relativamente próximo da escravidão. A dificuldade de concorrência nos mercados internacionais, seja do açúcar seja do algodão (salvo este produto em alguns momentos conjunturais breves, na década de 60), a conseqüente descapitalização dessas lavouras, a dificuldade para uma modernização tecnológica, provocaram a segunda sangria de braços que a Paraíba e a região, de um modo geral, sofreram – lembremo-nos da primeira sangria para as Minas Gerais. Braços escravos são vendidos, muitas vezes burlando o fisco, para a região cafeeira florescente nas províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Os homens pobres livres, cuja disponibilidade era grande, passam a ser encarados como uma saída para a elite agrária, solução mais barata, dado que a crise agrária não permitia a adoção do sistema imigrantista. As massas errantes de homens pobres livres começam a ser submetidas à disciplinarização para o trabalho nas grandes propriedades. Na própria seca de 1877, já é visível esse processo assim como nos discursos dos representantes políticos da província, embora a participação desta tenha sido modesta no Congresso Agrícola do Recife, em 1878, quando a questão ficou mais explícita.

Para a população pobre livre, acontecimentos que se inserem no processo mais abrangente de modernização no país, tais como a abolição do tráfico negreiro, o recenseamento e a obrigatoriedade do registro civil, decretados pelo Governo saquarema, no início dos anos 50, soavam como o seu próprio cativeiro. Camponeses do Agreste do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco fazem eclodir o Ronco da Abelha, que, na opinião de alguns historiadores como Hamilton Monteiro e Marc Hoffnagel, este trabalhando sobre a Paraíba, guardaria articulações com os remanescentes praieiros de Areia, somadas as motivações próprias dos revoltosos, cuja exploração aumentara com a expansão algodoeira.

Pouco mais de duas décadas, novo movimento, basicamente na mesma área, como reação à nova medida modernizadora adotada pelo gabinete Rio Branco, a instituição do sistema métrico decimal, agregada ao aumento de impostos dos governos provinciais do Norte. A “revolta dos matutos”, como disse Geraldo Joffily, era uma explosão contra a carestia, os abusos dos governos e do que a massa chamava de “vampiros”, ou seja, os arrematantes de impostos, coletores e atravessadores. Era revolta nas feiras do Agreste, irradiando-se por cerca de 30 a 40 localidades paraibanas, igualmente nas duas províncias vizinhas, atingindo até Alagoas. Várias outras motivações se imbricam neste movimento, tais como o envolvimento da Igreja, então em confronto com o Governo imperial na chamada Questão Religiosa; conflitos políticos locais no âmbito da elite, dívidas fiscais-financeiras e até mesmo antilusitanismo, forte ainda neste momento. A dura repressão ao movimento, com os “coletes de couro” do capitão Longuinho, não impediria que, um mês depois, eclodissem novas manifestações populares, desta vez, contra o recrutamento, em que a participação de bando mulheres era significativa e precisa ser pesquisada.

Também desta época data a maior visibilidade dos bandos de cangaceiros, como o de Jesuíno Brilhante. Era uma área em convulsão, que a seca só fez acirrar, despejando levas de retirantes na capital, onde as epidemias grassavam, depois de já terem dizimado cerca de 30 mil pessoas na década de 50.

Era num quadro crítico que a Paraíba encerra o seu período imperial. Asfixiada, ao longo do regime, como as demais províncias, pela centralização política, empobrecida pela crise agrária e desassistida pelo Governo.

 

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A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:

 

Como era de se esperar, a brilhante exposição da professora Rosa Godoy nos oferece um quadro expressivo da Paraíba durante o Império. Não obstante os limites do tempo regulamentar estabelecido no Ciclo para os expositores (vinte minutos), a professora Rosa Godoy pôde cobrir aquele período imperial mostrando suas principais fases, e mais do que isso, apontando inúmeras ocorrências de vulto ainda pouco estudadas. O aprofundamento sobre a Revolução Praieira na Paraíba, na interpretação dos conservadores vencedores; a crise agrária e a Lei de Terras; a ausência de estudo aprofundado sobre a Paraíba e os movimentos insurrecionais como a Abrilada, a Setembrizada, a Novembrada, que ocorreram aqui perto, em Pernambuco; a importância da Guarda Nacional na Paraíba, cuja documentação é copiosa no nosso Arquivo Público; foram temas levantados pela expositora como itens importantes a desafiarem a curiosidade, estudo e análise dos nossos historiadores.

Essa contribuição da professora é bastante valiosa para o futuro da nossa historiografia, pelo que agradeço em nome dos organizadores deste evento.

Dando continuidade à sessão, teremos a participação, como debatedor, do nosso consócio Marcus Odilon Ribeiro Coutinho. Historiador, pesquisador, jornalista atuante, autor de vários trabalhos de cunho histórico, polemista conhecido, Marcus Odilon ocupará a tribuna para se desincumbir de com brilho, tenho a certeza, de missão.

Com a palavra o historiador Marcus Odilon Ribeiro Coutinho.

 

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Debatedor: Marcus Odilon Ribeiro Coutinho (Escritor, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano)

 

Todos estamos gratificados pela palestra da professora Rosa Godoy. Não foi surpresa, porque todo o auditório esperava exatamente o que ocorreu. Uma verdadeira aula, no melhor sentido da palavra.

A minha palavra é apenas para fazer-me intérprete de todos e colaborar e exaltar, e talvez, no máximo, preencher alguns espaços vazios sobre o que disse a expositora desse período da história pátria, da qual a Paraíba é uma parte, mas é totalmente integrada.

A nossa expositora afirma que o período do império foi um período curto e um período também menos pesquisado. Realmente o período imperial não completou um século, enquanto que o período colonial  excedeu a três séculos e o período republicano já excede a um século.

Mas eu diria que foi um período muito brilhante, período brilhantíssimo, de fatos positivos.. Há poucos dias conversando com vários confrades, nós todos reforçávamos a tese de Gilberto Freire, que dizia que o Brasil é um país que deu certo. Rigorosamente deu certo.

Ora, o período imperial foi um período de muitos desafios, eu não digo de crises, eu digo de desafios, e a maioria deles vencidos pelo nosso povo, pela nossa civilização ibérica.

O primeiro dos desafios era a fragmentação; fragmentação que ocorreu em todas as Américas, as três Américas, sem nenhum exceção, inclusive na América inglesa, porque o atual Estados Unidos não eram a única colônia inglesa. O Canadá está aí, além de algumas outras possessões inglesas no Caribe, inclusive Jamaica. A América inglesa não conseguiu ter esta unidade. Esta unidade nem sempre fora conquistada como uma afirmação de cavalheirismo. Reconhecemos que houve exageros, houve repressões nesse período, como há em qualquer parte do mundo.

Até há pouco tempo eu ouvia um ilustre conferencista dizer que o Brasil não tinha dado certo, que havia repressão e seria o Brasil um modelo a não se adotar, um povo infelicitado por muitos períodos de ditadura. Mas, qual o país que não teve isso? Essas nossas crises foram crises mundiais da espécie humana. A nossa evolução também, afinal o homem é um só. Em qualquer continente a alma humana se comporta de igual maneira, evidentemente com algumas variações, até motivada pelo próprio clima onde ela habita.

O movimento de Quebra Quilos, por exemplo, que se apresentou na Paraíba, foi um movimento liberal e foi um movimento que reafirma a disposição contestatória do povo paraibano. Eu discuto isso e na minha opinião é exatamente o contrário. É rigorosamente em contrário. Estou aqui com um trabalho, uma biografia escrita por um maranhense sobre o também maranhense Gonçalves Dias, que é um nome nacional conhecido de todos os presentes, e essa biografia diz que a idéia de adotar o sistema decimal foi uma sugestão de Antônio Gonçalves Dias, que era um homem formado em Coimbra, conhecia a Europa, e para lá fora enviado pela família, com grande sacrifício, pois não havia esse dinheiro fácil. Quando Gonçalves Dias ia embarcar para Lisboa para fazer o curso em Coimbra, o pai dele morreu. E foi quase com a contribuição dos amigos que ele foi levado a prosseguir seus estudos e fazer um curso superior. Ele esteve na Paraíba, o que realmente pouca gente sabe. Antes de ler esse livro eu não sabia, e soube em conversa com o historiador Deusdedit Leitão, que é desta Casa, pesquisador de todas as horas. Então, Antônio Gonçalves Dias esteve aqui na Paraíba, com uma missão do Barão de Capanema; esteve em todo o Nordeste, esteve no Ceará e sugeriu ao imperador Pedro II a adoção do sistema metodológico decimal, que era um avanço na época. Porque aqui no Brasil, é preciso que se diga, no interior brasileiro mais ainda, cada região tinha um sistema: era a vara, era a cuia, era o prato, era a lata nos mais diferentes locais. Ficava difícil, professora Rosa Godoy, ficava extremamente difícil uma fiscalização por parte do governo imperial, por parte do governo da província e se não fosse por parte do governo imperial, também por parte do governo republicano. Afinal todos os sistemas políticos visam uma só coisa: melhorar a qualidade de vida daqueles por que eles se responsabilizam. Então me parece que a revolução de Quebra Quilos foi uma revolução muito clerical, fanática, contra a maçonaria. Quando os revolucionários de Quebra Quilos estiveram em Areia danificaram o teatro (e veja, Areia, na época já tinha um teatro) porque parecia uma loja maçônica. Se houve reacionarismo, diga-se de passagem, o reacionarismo estava na parte dos que promoviam o movimento do Quebra Quilos, que foi também um momento antimaçônico, porque a maçonaria era muito mal vista pelo clero católico, pois há pouco tempo tinha havido o grande conflito da questão religiosa, e dois dos bispos, D. Vital, paraibano e bispo de Olinda e Recife e D. Antônio Macedo, um baiano bispo de Belém, tinham sido reprimidos. É preciso que se diga, a Igreja era aliada do Estado, pela Constituição. Os padres, os funcionários, os sacristãos eram pagos pelo governo imperial. Então a Igreja tinha também que prestar alguma solidariedade e obediência ao Império. Estavam num acordo que veio até a República. A República foi quem realmente separou a Igreja do Estado. Infelizmente esses dois bispos se insubordinaram porque queriam excluir das lojas maçônicas padres que, por sua livre e espontânea vontade, pertenciam a esse movimento. Eu não sou maçom, mas reconheço o grande trabalho que foi feito pela maçonaria em prol da independência, da abolição da escravatura e depois em prol da proclamação da República, embora a maçonaria tenha perdido muito a sua força, neste século.

A expositora falou sobre a nossa atuação política, dizendo que a Paraíba tinha apenas cinco deputados, situação que talvez fosse correta em face da nossa população. Cinco deputados naquela época representavam muito mais do que 15 de hoje, quando a população dobrou ou triplicou.

Uma coisa que a professora Rosa Godoy falou era que havia dois distritos eleitorais, o da capital e o do sertão. Ótimo. No Império, naquele período, se adotava o voto distrital. Isso é um avanço. Essa idéia do voto proporcional, que veio com a República, é um verdadeiro horror. Hoje os formadores de opinião pública são todos unânimes. Boris Casoy se esgoela e chega até à radicalização de dizer, que uma das coisas que se precisa na reforma política brasileira é exatamente nós evoluirmos para o voto distrital, que já havia no Império. Acho que só nos temos de nos orgulhar da época do Império.

Naquela época a população era pequena e as mulheres não votavam. A mulher só veio votar em 1928, no Rio Grande do Norte, porque a legislação eleitoral era estadual. Foi a cidade de Lages a ter a primeira prefeita, Dona Adalgisa, e em 1930 houve duas santa-ritenses; Dona Iracema Feijó requereu um mandado de segurança para ter o direito de votar., conforme está no trabalho da confreira Martha Falcão. Mas, salvo engano, no Império os analfabetos já votavam. Os analfabetos tinham direito a votar, coisa que recentemente foi restabelecido. Agora, precisava ter uma renda mínima. Era a chamada a lei da mandioca, isto é, quem tivesse uma renda equivalente a cinco alqueires, ou coisa que o valha, de mandioca, poderia votar.

É preciso lembrar que foi o Império que, na Paraíba, construiu a primeira escola de nível médio, que foi o Liceu. Antes disso existia o Seminário dos Jesuítas, mas tinha sido suprimido pelo Marquês de Pombal. O Marquês de Pombal para a Paraíba foi um horror, porque não só proibiu uma escola superior, como o Seminário, como anexou a Paraíba a Pernambuco. E só depois que o Marquês de Pombal caiu, foi expulso do Palácio Imperial pela princesa herdeira do trono, D. Maria I, é que a Paraíba teve restituída sua autonomia. Infelizmente a Historia do Brasil vê muito mal a Rainha D. Maria I; não se pode nem colocar uma rua com um nome de Maria I, porque a primeira lembrança que se tem dela é que ela condenou a forca o herói maior, o nosso Tiradentes. Assim ficamos como que proibidos de homenagear D. Maria I, que, por sinal, morreu no Brasil.

Quanto ainda ao movimento de Quebra Quilos, a sua repressão foi uma coisa horrorosa. Houve o “colete de couro” e é preciso se lembrar que quem comandou as forças federais que vieram do Rio de Janeiro contra o Quebra Quilos foi o irmão de Deodoro da Fonseca. Era uma família horrorosa. E dizem que ele gargalhava, ria. José Severiano da Fonseca era coronel, chegou a general e depois foi a Barão: Barão de Alagoas.

Uma coisa que eu quero ressaltar é atuação do maior pintor da Paraíba, que foi Pedro Américo, que despontou exatamente nesse período. Parece-me que como artista plástico ninguém superou Pedro Américo; pelo menos é a opinião de todos os paraibanos.

Penso que já excedi o tempo que me cabia neste debate, agradecendo a atenção de todos.

 

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A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:

 

Tivemos a satisfação de ouvir as palavras do nosso debatedor, historiador Marcus Odilon, que, como sempre, se empolga com entusiasmo ao defender seus pontos de vista. Ele pede desculpas por ter excedido seu tempo, mas a presidência às vezes tem que ser tolerante nesse particular, sobretudo quando a exposição do palestrante está agradando ao plenário. Foi o que aconteceu com o confrade Marcus Odilon.

Coube a Marcus Odilon acrescentar à palestra da professora Rosa Godoy alguns episódios do nosso período imperial, não aprofundados pela expositora. Na realidade, a função da professora Rosa Godoy era fazer uma exposição generalizada, ordenada, cabendo ao debatedor espicaçar, criar as condições para o debate com o público assistente. Foi o que Marcus Odilon fez, abordando aspectos do nosso Império com alguns pontos de vista pessoal.

Como ressaltou a professora Rosa Godoy, alguns aspectos do tema estão consignados no programa do Ciclo de Debates para uma apreciação mais profunda.

Nem por isso, nosso debatedor, com muita propriedade, deixou de expor e comentar alguns fatos ocorridos naquele período imperial.

Dando continuidade à sessão, concederei a palavra aos participantes do Ciclo de Debates, começando pelo consócio Guilherme d’Avila Lins, primeiro inscrito para ocupar a tribuna.

Com a palavra o historiador Guilherme d’Avila Lins.

 

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1º participante

 

Guilherme d’Avila Lins (Sócio do IHGP e presidente do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica):

 

Gostaria de parabenizar a expositora, professora Rosa Godoy e o debatedor, nosso confrade Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, pelas abordagens muito lúcidas a propósito do tema hoje abordado. 

Gostaria apenas de lembrar um detalhe, eu sou sob muitos aspectos um detalhista; com relação a este período  e mais particularmente ao trabalho de Maximiano Lopes Machado, cujo trabalho já foi mencionado como o ponta-pé inicial de sua vocação histórica, com o quadro da revolta praieira na província da Parahyba, que constitui nada mais que um relato de um participante, portando de parte interessada, num trabalho excepcional, cuja primeira edição só se conhece hoje quatro ou cinco exemplares.

Esse trabalho precisaria de uma releitura com interpretação crítica porque ele representa uma descrição de um ator da História e como descrição de ator ele precisa de uma leitura crítica interpretativa e penso que seria uma contribuição importante para este detalhe. Além deste trabalho Maximiano Lopes Machado também tem A História da Província da Paraíba e um outro sobre a Capitania de Itamaracá, além de outros trabalhos. Ele foi secretário do Instituto Arqueológico Pernambucano e fez parte da comissão que estudou arqueologicamente o jazigo e a ossada de João Fernandes Vieira. Aquele trabalho de ator da História precisa de uma leitura crítica. O trabalho de Ambrósio Hischoffer também precisava de uma leitura crítica, que Alfredo de Carvalho já fez, muito bem feita, mas (quem sabe?) precisa hoje de uma nova leitura. São trabalhos apaixonados de quem estava participando de um lado do movimento e tem, sem dúvida, a influência da própria paixão e da própria cosmovisão do cenário histórico.

Era apenas isso que queria registrar.

 

2º participante

 

Professor Eduardo (Professor do Departamento de História da UFPB):

 

Como um apaixonado pelo Império, seria impossível para mim não intervir. O que eu gostaria muito de salientar, e que ficou claro no debate aqui, é que tratar de Império significa tratar da construção do Estado Nacional Brasileiro, e, portanto, significa necessariamente a gente pôr a questão central da sociedade brasileira hoje, que é a cidadania. E aí a gente vai ter que levantar estas questões que a professora Rosa levantou e o debatedor também tocou, que é essa articulação entre a política, entre o Estado Nacional, entre a idéia de nacionalidade e os movimentos sociais, a estrutura agrária e as proposições e projetos políticos que estiveram em jogo durante o século XIX, no Brasil. E dentro disso, é claro,  os movimentos liberais de 17, 24, 49, entrando também os movimentos sociais dos excluídos, como o Ronco da Abelha, como o Quebra Quilos, além de outros.

É importante que a gente saliente que esse é um Império sobretudo elitista, sempre baseado no voto censitário, cuja idéia é do esclarecimento, onde a elite sabe para onde vai, o povo tem vergonha do povo que tem, e essa é uma marca que está na construção deste país; realmente movimentos como o de 24 e 48 quiseram questionar um pouco isso, mas foram sufocados. A repressão não bateu à toa. Na verdade isso faz parte de uma tradição violenta e autoritária que a gente tem; é bom lembrar que esse é o período do cangaço, do uso da polícia privada (aliás não há nem uma distinção muito clara entre o público e o privado); são os jagunços, são os cabras dos grandes proprietários que funcionam como  justiça e  polícia, na prática. Hoje estamos num país democrático, mas é esse passado, é essa memória que a gente precisa remontar e que, no caso da Paraíba, existiram experiências que questionaram; acho que está mais que na hora pensar o que foi 48; a praieira foi um dos episódios mais importantes da história desta região e que precisa ser revisto. E claro, os movimentos sociais como o Ronco da Abelha e está aí, até hoje, a questão agrária, que a gente vive claramente, o êxodo rural. Nós vivemos um quadro estrutural que tem suas bases montadas no Império.

 

3º participante

 

Paula Frassinete (Conselheira do IPHAEP):

 

Sou bióloga e a minha análise da História do Brasil vai mais como militante do que como historiadora, porque a gente sabe muito bem como foi o ensino de História. Tenho 56 anos e estudei História há bastante tempo. Parece-me que na minha época a gente não tinha esse tipo de professora Rosa Godoy, que faz toda essa discussão crítica da História. O professor Marcus Odilon coloca que a República já tem seis séculos, é o período que está se demorando mais e anteriormente Rosa já coloca as crises do fim do Império. É a questão agrária, é a desassistência do governo com o povo e eu perguntaria à professora Rosa: nós estaríamos no fim da República também? Porque nós estamos com essa mesma crise. Ela está aí repetida e acho que 64 pode até ser comparada com a praieira. Estaríamos terminando este período, já começando, dando os primeiros passos para o próximo regime que será o socialismo? 

 

4º participante

 

Célia Camará Ribeiro (Sócia do IHG de Niterói):

 

Mais uma vez muito obrigada pela oportunidade, parabenizando o Sr. Presidente do Instituto Histórico e componentes da Mesa, a professora Rosa Godoy e o historiador Marcus Odilon. Aqui na Paraíba nós temos muitos pontos importantes do Império. D. Pedro II era um mecenas, que se interessava pela cultura e prestigiou não só Pedro Américo e Carlos Gomes, como outras figuras nacionais.

 

5º participante

 

Odilon Ribeiro Coutinho (Membro do Conselho Estadual de Cultura e sócio da Academia Paraibana de Letras):

 

Quero felicitar a professora Rosa Godoy pela excelente palestra com que nos brindou esta tarde. Realmente uma palestra de nível universitário, de bom nível universitário, que é uma coisa que se faz hoje raramente neste país, não apenas na Paraíba, mas neste país. Eu tenho contacto com outras cidades, cidades consideradas mais importantes do que a Paraíba, com outras universidades, e posso dizer isso com absoluta segurança. O que não é nenhuma novidade, pois todos nós que ouvimos uma vez Rosa Godoy passamos a admirá-la e a admiração cresce a cada nova palestra que ela faz.

Sobre Marcus Odilon, eu sou suspeito para falar, é uma figura vibrante. Ele põe realmente um fermento em tudo que diz e faz com que a coisa passe a apresentar um aspecto ardente. O debate, a forma de comentar o trabalho de Rosa foi realmente uma forma, não apenas cavalheiresca, e não poderia ser de outra forma em virtude do alto nível da palestra de Rosa; foi cavalheiresca por que concordou com a exposição de Rosa, apenas acrescentando alguns detalhes, segundo ele, para preencher pequenas lacunas que teriam ocorrido. E num tema como esse, tão vasto, essas lacunas seriam inevitáveis.

Mas o que me trouxe aqui a este microfone foi a forma pela qual o professor Eduardo, da UFPB, se identificou. Ele começou dizendo que era um apaixonado do Império e isso me animou a vir aqui fazer alguns comentários. Porque a gente não tem, a gente que se dedica ao estudo da História, a gente não tem a idéia exata da significação do Império para a nossa vida e para a formação da nação brasileira.

O Império costurou a nossa unidade. Rosa e Marcus chamaram a atenção para a ameaça de fragmentação que pairou sobre o nosso país durante o Império. E como isso foi conjurado, como isso foi exorcizado? Rosa teve a oportunidade de referir-se a isso várias vezes, lembrando José Bonifácio. José Bonifácio foi o gênio político de maior expressão que as Américas produziram. E eu estou dizendo isso pensando exatamente nos pais fundadores da nação americana, grandes figuras de estadistas. Washington era um homem de bom senso, um intuitivo que soube conduzir a nação com mão segura. Os intelectuais da revolução americana foram grandes figuras. Um Jefferson, que figura brilhante! Um Benjamin Franklin, um Madison, um Webster, são figuras realmente extraordinárias, mas nenhum pelo menos teve oportunidade de revelar a genialidade política de José Bonifácio. Rapidamente eu queria chamar a atenção para o fato de que talvez nem todos nós aqui presentes saibamos o que realizou José Bonifácio. Vou tentar isso rapidamente.

José Bonifácio saiu do Brasil com vinte anos e foi estudar em Coimbra;  antes de terminar os seus estudos já se tinha tornado professor. Aos trinta anos foi comissionado pelo governo português para estudar onde quisesse com os professores que escolhesse. Na França, estava lá exatamente por ocasião da Revolução Francesa e foi discípulo de Lavoisier, que logo depois foi guilhotinado. Na Itália, foi discípulo de Volta, o primeiro cientista que aplicou, de forma prática, a eletricidade. Na Alemanha, conviveu com  filósofos e convenceu Humboldt a vir estudar a América do Sul. Na Suécia, ele que era geólogo (é uma coisa que pouca gente sabe, e dentre os cento e tantos metais conhecidos ele identificou oito), foi convidado para, com o status de ministro assumir a coordenação de todas as atividades de mineração da Suécia, que já tinha uma indústria de aço muito desenvolvida. Volta para Portugal, assiste à diluição, ao esgarçamento da Revolução Francesa, à ascensão de Napoleão, à invasão de Portugal pelo General Junot, que fez com que a família real de Portugal viesse para o Brasil. Nessa ocasião ele assumiu o comando do Batalhão Acadêmico e enfrentou as tropas francesas que invadiam Portugal. A família real vem para cá com toda a corte; Portugal ficou sem quadros para a sua administração e ele ocupou vários quadros da maior significação no plano administrativo de Portugal. Ele supriu o grande vazio deixado pela fuga da corte portuguesa. Mas, sempre com o pensamento voltado para o Brasil.

Há uma coisa muito interessante que nunca passa pela nossa cabeça porque realmente o brasileiro aprende a história de modo errado. A Independência do Brasil não ocorreu em 22, mas em 1908, quando D. João VI criou o Reino de Portugal, Brasil e Algarves e aí nós atingimos o mesmo nível da Metrópole. José Bonifácio está sempre atento ao desenrolar dos acontecimentos e acompanha o desdobramento das lutas de emancipação da América Latina, o estraçalhamento da América Latina. A América Espanhola estava fragmentada em não sei quantas republiquetas. Em 1816, as cortes portuguesas começaram a reclamar e cobrar a volta de D. João VI. Ele então achou que nessa ocasião devia voltar ao Brasil, para construir a nossa independência. Chega aqui com 56 anos. D. João VI foi um rei de grande sensatez, de muito bom senso. A biografia de Oliveira Lima sobre D. João VI, que acaba de ser reeditada, segundo Gilberto Freyre, era a melhor biografia que se tinha escrito no Brasil. Hoje talvez ele pudesse mudar de opinião, se fosse vivo. A biografia que Nabuco escreveu a propósito do pai, o conselheiro Nabuco de Araújo, é a verdadeira história do Império. A melhor história do Império é a biografia do conselheiro Nabuco Araújo. Mas essa biografia revela o homem admirável, perspicaz, sagaz, que foi D. João VI. Voltou para Portugal, mas deixou Pedro I aqui. José Bonifácio vem e concebe essa coisa extraordinária. Mas ele concebeu isto porque ele era um homem do mundo, com uma visão muito larga da história do seu tempo, da experiência da história de um tempo tumultuado. Ele então teve essa saída genial. Percebeu que se o país se tornasse independente através do que eu chamei um dia de heróis eqüestres, aqueles generais a cavalo, espadagão desafiando o infinito, se o Brasil tivesse realizado a sua independência dessa maneira, através de um herói eqüestre, dificilmente, e acho que Rosa e Marcus Odilon concordarão comigo, ele teria evitado ou impedido a fragmentação. José Bonifácio partiu do princípio, e aí se revela a genialidade do estadista, e sobretudo a sua falta de preconceito; não era o homem rasteiro, que achava que amar o Brasil era arranjar um sargentão que fizesse a nossa independência. Ele verificou que só havia uma maneira de impedir que o país se fragmentasse. Era colocar à frente do país um homem, cuja autoridade não pudesse ser contestada. A autoridade do rei não podia, porque era uma autoridade legítima. Ele então concebeu nossa independência e, mirem que prodígio de concepção genial, a nossa independência através de um príncipe português representante da Metrópole. E graças a isso ele conseguiu manter a unidade nacional, que é um milagre. E tanto isso é verdadeiro que, ao deixar o Brasil, abdicando o trono brasileiro,  voltou para Portugal para disputar com o irmão D. Miguel o trono português, que D. Miguel tinha usurpado de sua filha, D. Maria da Glória. Voltou, mas deixou o filho no Brasil, Pedro II, com apenas cinco anos de idade. E o Brasil entrou numa terrível convulsão, convulsão que levaria o Brasil certamente à fragmentação se não tivessem sido conjuradas e exorcizadas a cabanada, a balaiada, revolução aqui, revolução acolá, revolução farroupilha. Apesar do Regente do Império, Diogo Antônio Feijó, homem de pulso férreo, nada foi possível fazer para dominar o tumulto que se alastrara pelo país inteiro. E aí o que é que se faz? Põe-se no trono um menino que ainda não tinha completado 15 anos – Pedro II. O resultado é que a tempestade serenou, porque estava no trono uma autoridade legítima. E tão bem costurada ficou a unidade nacional pelo Império, que a própria República, nos seus desatinos, não conseguiu destruir o tratado de construção de nossa unidade realizada pelo Império. O Império é a moldura natural de José Bonifácio.

 

Considerações finais pela professora Rosa Maria Godoy Silveira:

 

Acho que tudo foi muito bom.

Em primeiro lugar, eu começo agradecendo a escuta atenta do Dr. Marcus Odilon à minha fala, mas confesso, antes de tudo, que faço parte do time das paixões pela História do Império. Eu sempre gostei, eu acho que o Dr. Odilon colocou aí muitíssimo bem que no Império estão colocadas as nossas grandes questões que estão abertas até hoje.

 Sobre a questão da formação do nosso Estado Nacional, sobre como ocorreu a organização do Poder, como foi construída, sobretudo no Segundo Reinado através dos conservadores saquaremas, a relação com a plebe, não com o povo, o povo segundo entendemos era a elite hoje, mas com aquilo que eles chamavam de plebe. Acho que são questões que permanecem abertas na nossa história, principalmente no momento em que vivemos hoje.

A professora Paula, preocupada com o nosso futuro, pergunta para que lado estamos indo, e eu acho que nós estamos passando por um momento bastante difícil no país, onde várias dessas questões deveriam ser revisitadas, inclusive no Império. Eu diria que a principal delas, hoje, é a do Estado. É complexa a questão do Estado, a relação do Estado Federal com os Estados membros. A grande questão é que Modelo de Poder organizar. Acho que a Federação há muito se esgarçou. E nós estamos assistindo aí uma tremenda crise dessa relação com os Estados membros.

Como sou apaixonada pela história do Império, vejo que ela é a mais contemporânea possível. Tem muito a ver uma coisa com a outra porque o Império nos elucida as grandes questões do país. Nós temos que revisitá-la para ver  essa costura.

Sobre a questão da unidade nacional, colocada aqui pelo Dr. Marcus e Dr. Odilon,  eu acho que foi uma obra portentosa, uma política portentosa. Não há dúvida. Portentosa foi também a conquista portuguesa do Brasil e a manutenção desse território, porque foi uma obra difícil, de grande engenharia política, para usar os termos da moda. E o Império fez isso. O que eu tentei evidenciar, também, é que nesta parte do Brasil, que a gente é o Nordeste Oriental, houve a perspectiva ou experiência de outros projetos políticos. Esses projetos foram vencidos. Tanto 17, quanto 24, quanto 48. Mas, por outro lado, eu acho que seriam projetos fragmentadores. Disso  não tenho dúvida. O medo era tanto, em particular com o Norte, com as províncias do Norte, como se dizia, e com o Rio Grande do Sul, por causa da fronteira, mas no meio da Regência, num debate da Câmara dos Deputados, (a área estava convulsionada com o movimento cabano no sul de Pernambuco, hoje território alagoano) um deputado disse que a gente perca o Norte, mas conservemos o resto; aqui era um foco de convulsão muito grande, pois havia a possibilidade de um outro projeto. Esse é um lado da história. O outro lado é que houve evidências (é uma história que acho que também é mal contada, mal pesquisada ainda para nós) que é a história da recolonização. Nós precisamos estudar mais as tentativas concretas de recolonização. Tanto a existência dessa sociedade dos colunas em Pernambuco, no final da década de 20, aliada com Pinto Madeira na região do Crato. Quando aquela famosa história que o povo diz que é fantasia, outros dizem que não, a história do retorno de D. Pedro I, que desembarcaria exatamente por essa área, exatamente em Aracati, para reconquistar o Brasil.

Acho que o Primeiro Reinado é outro buraco na História do Brasil, que a gente precisa estudar muito. Nesse sentido  acho que tem evidência da unidade e esse território teve outros projetos alternativos, embora derrotados. Acho que deve ser revisitado, mas a gente precisa pensar num novo modelo de construção política para este país. Estamos sofrendo um processo de reforma do Estado, mas uma das maiores nebulosidades para nós, porque não está definido ainda o papel dos Estados membros e dos municípios. A gente sabe que a concentração de recursos financeiros na mão do Estado Federal tem causado depauperamento para os Estados e municípios. Então a questão dessa descentralização hoje precisa ser repensada, ela precisa ser construída pela sociedade brasileira.

O Dr. Marcus Odilon lançou também a questão do Quebra Quilos, como movimento. O Quebra Quilos, depois da análise que o professor Hermano Souto Maior fez com sua livre docência, onde a Paraíba está aí incluída, porque ele fez uma análise global do Quebra Quilos em todas as províncias onde aconteceu, a gente percebe a complexidade de motivações desse movimento. Eu não diria ser um movimento reacionário progressista, acho que não é por aí. A gente tem que entender as motivações dos atores da época e aí tem muita gente envolvida. Há os camponeses, com seus motivos. Hoje  há um novo ramo da historiografia, ou um certo retorno sob nova metodologia, que é a história dos costumes. Acho que Quebra Quilos dá um belo trabalho sobre o ângulo da história dos costumes, como apontou o Dr. Marcus Odilon. Quer dizer, o confronto entre costumes tradicionais de uma determinada sociedade  com suas medidas das feiras, com litro, com a cuia, enfim com as suas medidas usuais de origem portuguesa e o confronto com outro sistema de medição que causou muito atrito, inclusive porque os comerciantes também roubavam no peso. Essa era, no fundo, uma manifestação dessas camadas espoliadas. Alguns falam que Quebra Quilos foi um movimento social; eu digo, foi; não podemos esperar dele o grau de conscientização social dos camponeses, que viviam nas condições em que viviam. Mas foi uma manifestação dessas camadas que sofreram essas alterações nos seus costumes. Há outras coisas que se somam. Soma-se a questão da Igreja, como Dr. Marcus Odilon apontou; o envolvimento dos padres era muito grande nesse movimento, e mostra que a articulação deles ultrapassa o raio de ação desse território. Somam-se as motivações de proprietários de terra endividados por causa da crise agrária, com hipotecas, com dívidas de empréstimos, que aproveitaram o embalo para queimar. Houve uma complexidade de motivações.

A questão da Paraíba na Assembléia Geral. A Paraíba era mesmo uma pequena província, mas a Paraíba sempre foi muito enxerida  (Não esqueçam que hoje sou cidadão paraibana, apesar do sotaque). Ela podia ter uma representação pequena, mas ela era altiva. Nós não fizemos ainda uma reconstituição da participação dos parlamentares paraibanos lá no Império, sobre os pronunciamentos dos parlamentares. Quando eu citei a Lei de Terras, Carneiro da Cunha foi um deles que se manifestou. Lembrei que só teve um paraibano que se manifestou, dos 21 do conjunto que falaram. Alguns deles falaram várias vezes, como Bernardo de Souza Franco, da província do Pará. Quando disse representação pequena, não quis dizer inexpressiva.

Eu estou até fazendo um estudo mostrando deputado a deputado, quem falou sobre a Lei de Terras e nós vamos divulgar brevemente esse trabalho. Acho que a gente precisa recompor esse trabalho da Paraíba na Assembléia do Império, assim como hoje está sendo feito um trabalho, em primeira etapa, na Assembléia Legislativa do Estado pela equipe do NDHIR. Isso vai revelar também uma coisa que é lacunar na História do Império na Paraíba, que é exatamente o embate na Assembléia Provincial. Quais eram as tendências, quais eram as correntes, quais eram os grupos familiares. Já tem um trabalho do Celso Mariz, mas esses debates precisam ser reconstituídos.

Sobre Pedro Américo, evidentemente a grande figura paraibana do Império, eu comecei falando no primeiro parágrafo que ele é, no gênero biográfico, o que tem seis artigos entre os 118 que levantei sobre o Império no índice da Revista do Instituto Histórico. É o maior biografado desse conjunto. Os outros todos têm uma ou duas biografias.

Sobre a Praieira, o professor Guilherme falou sobre a obra de Maximiano mencionando sua posição como ator e eu também acho que precisamos ver o outro lado. Eu disse que faltou o Figueira de Melo, que foi o chefe de polícia da praieira, em Recife. A versão que ele contou da praieira é uma e Urbano Sabino, que era praieiro, conta a outra. Mas esses dois trabalhos foram publicados pelo Senado e são livros valiosíssimos, na Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, no tempo do Petrônio Portela.  Falta um trabalho, a exemplo do que foi feita pela professora Isabel Marçon, hoje na Unicamp, que ela devassou a praieira em Pernambuco, analisando a imprensa, em seu trabalho de mestrado, depois confrontando realmente as perspectivas dos vários envolvidos. Eu acho que a gente precisa um trabalho desse aqui. Porque pouco depois tem a conciliação. Como é que foi a conciliação aqui na Paraíba, entre os liberais e os conservadores? Como é que aconteceu? Também é outro tema.

Quero agradecer as referências da Dra. Célia e os acréscimos e queria falar do José Bonifácio, para encerrar.

Eu também sou admiradora do José Bonifácio, muito contraditoriamente da minha parte, primeiro porque eu sou muito fã do federalismo. Eu acho que a gente construiu uma sociedade democrática, nós precisamos construir um modelo político que tenha um grau de descentralização e que tenha instâncias em escalas regionais, estaduais, municipais, cada uma com suas atribuições políticas, como fizeram os Estados Unidos. Eu concordo com Tavares Bastos, agora eu admiro esse modelo federalista porque eu vejo na construção de um federalismo uma possibilidade de um modelo democrático. No entanto, não foi isso que o Império fez. O Império construiu um modelo unitarista e nisso o grande artífice foi José Bonifácio. Aí pensando no papel dele, não há dúvida do grande papel que ele jogou. Foram editadas recentemente pela Companhia das Letras as obras dele.

Dr. Odilon Ribeiro deu um banho de erudição sobre José Bonifácio, como soe acontecer. Aliás, eu vou contar um segredo, que ele não sabe. A gente estava fazendo um trabalho para o Centro de Referência Cultural da Prefeitura e entrevistamos várias pessoas sobre a cidade de João Pessoa e o Dr. Odilon foi uma delas. Ele contou como eram as praias de Tambaú na década de 20. Ele falou 75 minutos e coube-me fazer a edição dessa fita. Eu não fiz a entrevista, mas me coube a edição. Pois bem, a ordem que a gente tinha era que as edições se reduziam a 15 minutos. Eu fui escutar a fita do Dr. Odilon, e não obedeci a ordem. Ele precisa ir ver a edição, porque eu, quando muito, deixei nos 45 minutos. Eu não vou cortar certas belezas, o Sr. contando os namoros na praia de Tambaú, com lances até picantes. Linda a entrevista; vale a pena ver na Funjope, em vídeo.

Mas, Dr. Odilon com seu banho de erudição, mostra o papel de José Bonifácio. José Bonifácio foi o grande estadista da unidade do Império,  com certeza. O maior fascínio que eu mantenho por ele é porque ele costurou a unidade nacional entre três províncias bases, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Costurou através da região cafeeira, que estava emergindo e costurou numa coisa que estava emergindo naquele momento e foi começando a ser construída mais fortemente a partir da transferência da capital para o Rio de Janeiro. Foi exatamente o mercado entre o sul de Minas Gerais e o Rio de Janeiro, que se acentuou quando a família real chegou. Ali se criou até uma agricultura de subsistência e isso começou a vincular interesses entre essas províncias. E em torno delas foi que José Bonifácio arquitetou essa unidade. Eu tenho uma grande questão, e estou até escrevendo um livro sobre o Império, e já estou no oitavo. São Paulo mesmo tinha pouca importância. Mas São Paulo contou José Bonifácio. É impressionante a gente pensar que grupo ao qual se aliava José Bonifácio, aqueles comerciantes da cidade de Santos, era um grupo que, de repente, vai controlar a política de São Paulo.  O que mais me fascina em José Bonifácio, contraditoriamente, é que ele foi autoritário, porque ele levou com mão de ferro esse projeto, percebendo que a centralização era a forma do Brasil não se dividir, se fragmentar, e provavelmente ser recolonizado. De outro lado, ele é mais fascinante, porque é ele mesmo que apresenta o projeto para a libertação dos escravos, já em 1830. Ele tem um projeto de fazer uma reforma agrária neste país e distribuir terras para os escravos. É uma fisionomia do José Bonifácio que aparece em menor escala do que a fisionomia e a consagração dele na História do Brasil, que é o artífice da Independência.

Tentei responder às perguntas e agradeço pelos comentários e questões colocadas pelo Dr. Marcus Odilon e demais participantes.

 

· · ·

 

A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:

 

Extrapolamos o horário, mas foi bastante positivo para os presentes podermos ouvir esse debate esclarecedor sobre o período imperial, dando-nos uma visão das principais ocorrências na Paraíba assim como no país.

Cumpre-me agradecer a participação de tanta gente e especialmente da expositora, professora Rosa Maria Godoy Silveira e do debatedor designado, confrade Marcus Odilon Ribeiro Coutinho.

Nós estamos realizando um evento de grande importância, por isso que estamos filmando e gravando todas as sessões, cujas fitas vão ser arquivadas na nossa Seção da Imagem e do Som. Com esse acervo, pretende o Instituto editar os ANAIS desse Ciclo de Debates, como nossa contribuição às celebrações do V Centenário da Descoberta do Brasil..

O Instituto está aproveitando esta oportunidade para oferecer aos interessados várias publicações do Instituto e de seus associados sobre assuntos históricos. Trata-se de uma promoção especial, com preços módicos e acessíveis.

Renovo o convite para a próxima sessão, quando debatermos o tema A PARAÍBA E A PRIMEIRA REPÚBLICA.



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